COVID-19: um ano vitimando brasileiros

São Paulo, Zona Leste, 11 de março de 2020. No Hospital Municipal Doutor Carmino Caricchio era internada uma mulher de 57 anos. No dia seguinte, 12 de março, quinta-feira, ela se tornaria a primeira pessoa oficialmente computada (1) como vítima fatal na pandemia de coronavírus por Covid-19 no Brasil. De lá para cá, esse calvário já matou, em números oficiais - possivelmente subnotificados (2) -, 272.889 brasileiros. E, exatamente um ano depois, o país passa pelo seu pior momento, de maior aceleração do número de casos e de óbitos.

Visto no geral, as mortes notificadas no Brasil estão na casa de quase 750 por dia no período! Contudo, para termos a percepção da gravidade do momento atual, podemos observar que nos primeiros dez meses - 12.03.2020 à 12.01.2021 - somamos 204.725 óbitos (75%), enquanto nos últimos dois meses (12.01.2021 à 12.03.2021) tivemos 68.164 (25%), ou seja, um quarto de todas as mortes verificadas em um ano! Logo, com os números em crescimento, o pior pode ainda estar por vir. Epidemiologistas como Miguel Nicolelis vinham alertando desde fevereiro para a possibilidade do Brasil chegar à terrível marca de 3.000 mortes diárias. Após o recorde de 1.986 óbitos registrados dia 9 de fevereiro, somamos 2.286 dia 10 de março e 2.233 ontem. Anteriormente, os maiores picos de vítimas fatais num único dia foram 1.595 em 29 de julho e 1.703 dia 24 de setembro. Com isso, segundo Licolelis, podemos ter o agravante de um colapso funerário que contaminaria lençóis freáticos e alimentos, gerando o surgimento de infecções bacterianas secundárias como em 1918, durante a Gripe Espanhola.

Dos quatro países com mais mortes por Covid-19 - Estados Unidos, Itália, Índia -, o Brasil é o único onde os números continuam em alta e, além disso, disparam, alcançando esses lastimáveis recordes diários. Os motivos? Inépcia governamental, baixa adesão popular às medidas de isolamento social - sobretudo nas festas de fim de ano e no Carnaval -, resistência ao uso de máscaras, surgimento de variante mais transmissível do vírus em Manaus e incipiente imunização das pessoas dos grupos de risco por falta de vacinas em quantidade necessária. Assim, num quadro de horror onde pessoas agonizam em filas aguardando por leitos de UTI, o sistema hospitalar entra em colapso e profissionais de saúde tem de lidar com uma realidade cruel e inumana que, igualmente, os vitima física e emocionalmente.

O nosso lamentável Governo Federal foi e continua sendo, mais do que ineficaz, um fator agravante da pandemia, chegando até mesmo a indicar tratamentos preventivos sem comprovada eficácia contra a Covid-19. Após a demissão de dois médicos como titulares do Ministério da Saúde, desde 15 de maio de 2020 um general do Exército ocupa o cargo de ministro. O Presidente da República, por sua vez, continua criticando medidas de isolamento social e uso obrigatório de máscaras, além de fazer declaraçãos infelizes e desrespeitosas ao longo de todo período, inclusive criticando ou ironizando determinadas vacinas e parceiros comerciais brasileiros, como foi o caso da China - comportamento igualmente adotado por alguns de seus ministros. Um estudo, inclusive, concluiu que o comportamento do Palácio do Planalto indica que o governo trabalhou a favor de uma rápida disseminação da pandemia no Brasil (3) visando, com isso, salvaguardar apenas a economia em detrimento da vida da população. Da forma que vai, o governo é candidato sério a se tornar personagem notável na história mundial da infâmia.

Se levarmos em conta o comportamento inicial de setores empresariais apoiadores do governo, demonstrativo de uma visão negacionista e minimizadora equivocada acerca do real potencial evolutivo da pandemia em solo brasileiro, sem qualquer base na ciência epidemiológica, temos uma pista do motivo de tal posição política trágica ter sido por ele adotada. Para citar um exemplo apenas dentre vários à época verificados, temos o caso do proprietário da rede de restaurantes Madero que, em um vídeo publicado no Instagram no dia 23 de março de 2020, afirmou: "não podemos [parar] por conta de cinco ou sete mil pessoas que vão morrer". O silêncio dos mortos calou a voz ignorante e egoísta de (alguns) insensatos e impiedosos. Há, contudo e infelizmente, os ainda renitentes e recalcitrantes.

Não fosse pela ação conjugada de Poder Judiciário, governadores, prefeitos e grandes veículos de comunicação em solicitar, adotar e pressionar por medidas científicas eficazes de controle da pandemia, o país estaria ainda pior, com sabe-se lá quantos mais centenas de milhares de mortos por Covid-19! Destaque-se, nesse caso, a ação do STF e do Governo do Estado de São Paulo: ao possibilitar que estados e municípios pudessem adotar medidas de controle da pandemia, os ministros do Supremo desataram as mãos do mesmos da sanha negacionista federal; não fosse pelo governo paulista, não teríamos a vacina chinesa CoronaVac e, portanto, não teríamos iniciado a vacinação no Brasil no dia 17 de janeiro desse ano, com a enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, integrante dos grupos de risco.

Ante tal situação, o que cada um de nós pode fazer? Orar, torcer e obrar: devemos todos seguir rigorosamente as orientações do Distanciamento Social Controlado RS e das autoridades estaduais e municipais que visem o combate da pandemia de coronavírus no Rio Grande do Sul e no Brasil. Ficar em casa, usar máscara, lavar as mãos, observar o distanciamento social e seguir de forma precisa todos os protocolos de higiene ao sair e retornar para casa. Essas medidas continuam sendo a única defesa eficaz contra a Covid-19, enquanto o ritmo de vacinação não atinge a velocidade necessária e desejada a fim de saírmos desse luto nacional crônico, ilustrado pela charge de Tonho Oliveira.

Um bom final de semana para todos. Cuidem-se, fiquem em casa, fiquem com Deus.


(1) - Antes o Ministério da Saúde havia notificado um óbito ocorrido em 16 de março, na mesma cidade, como o primeiro, retificando a informação em estudos posteriores. Investigações retrospectivas também indicam a morte de uma mineira de 75 anos em 23 de janeiro de 2020 como provável primeiro caso.
(2) - O Doutor em Microbiologia Átila Iamarino, aos 54min50seg de sua live no You Tube "À Beira do Colapso", do dia 02.03.21, nos informa que "a subnotificação de mortos no Brasil fica em torno de 40% ou ficou até o final do ano passado, o que quer dizer que o nosso número real, hoje, já estaria em torno de 350 mil" óbitos.
(3) - Na mesma live supracitada, aos 49min30seg, Iamarino fala do estudo Boletim Direitos na Pandemia nº 10 de janeiro de 2021, do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário da Faculdade de Saúde Pública da USP, coordenado pela professora Deise Ventura, que analisou as ações do Governo Federal quanto a pandemia desde março de 2020: "Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência por parte do Governo Federal na pandemia. Bem ao contrário. A sistematização de dados (...) revela o empenho e a eficiência da União em prol da ampla disseminação do vírus em território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível, a qualquer custo". O boletim ressalta ainda que "segundo o TCU, configura opção política do centro do governo de priorizar a proteção econômica".