REPUBLICAÇÕES - Como Consegui a Minha Vida de Volta...(Depoimento de Vida)

" ... Nunca esquecerei a primeira vez que encontrei Bill Wilson. Eu estava sóbrio havia um par de meses e tão excitado, tão emocionado por conhecer pessoalmente o co-fundador que despejei em cima dele o que minha sobriedade significava para mim e a minha imorredoura gratidão por ele ter fundado A.A. Quando fiquei sem fôlego, ele segurou minha mão na dele e disse simplesmente: "Passe adiante".

- de uma carta enviada ao Escritório de Serviços Gerais de AA.

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Sempre que atinjo uma marca considerável de textos postados no Recanto das Letras - este é o meu 1.300º texto - eu republico este convite.

É um convite para ler a história de um homem que voltou à própria vida. E para que todos saibam que sempre é possível recomeçar, qualquer que seja o tamanho e o tipo de sarjeta em que alguém tenha caído. Não fosse assim, eu não seria hoje o professor Antonio Maria, poeta, contista e cronista do Recanto das Letras. E depois de lê-la, por favor, passem adiante...

A minha história começa em 1964, aos 20 anos, no Rio de Janeiro. Bancário, inteligente e de boa aparência, eu era, entretanto, um rapaz introvertido, tímido e inseguro, e, um dia, aceitei o infeliz conselho de um colega de serviço para fazer uso de dexamil, uma poderosa anfetamina que causava uma extraordinária sensação de alegria e de bem-estar ao usuário. Ora, provavelmente predisposto geneticamente à dependência, eu fui progressivamente me viciando, passando de um ou dois comprimidos diários para dez e, por fim, três anos depois, o tubo inteiro, cerca de vinte e cinco comprimidos por dia!

Quando caí na dependência total da anfetamina em 1967, eu estava casado há apenas dois anos, com um filho de um ano, e tornei-me semilouco, tinha delírios de grandeza, estranhas fantasias, alimentava-me pouco e dormia quase nada. Sou um homem de 1,75 m, peso 73 kg, mas, nessa época, cheguei a pesar 50 quilos! Abandonei a Faculdade de Direito, onde cursava o 3º ano, e, como era de se esperar, o casamento se desfez.

Tendo sido aprovado em concurso público para o Banco do Brasil e designado para servir inicialmente numa cidade do interior do Maranhão, acreditei que o meu casamento ainda pudesse ser salvo, mas a minha jovem esposa recusou-se a se reconciliar comigo e a acompanhar-me na volta ao meu estado natal. Voltei sozinho, pois, para o Maranhão, ingressei no BB e reiniciei a carreira bancária, mas infelizmente num precário estado emocional de dependente químico.

Como as farmácias interioranas, nesse tempo, não comercializavam substâncias psicoativas, substituí as “bolinhas” por uma droga lícita e acessível a todos: o álcool. Logo me tornei um fiel súdito de Baco. Enquanto a carreira bancária se complicava, o alcoolismo progredia. Já em 1969 tive duas crises de delirium tremens. Tentei as fugas geográficas: transferências para outras cidades do interior do Maranhão e para outras capitais, como Belém do Pará e Fortaleza. Nesta, em 1973, recebi a maior bênção de toda a minha vida: a mensagem de Alcoólicos Anônimos

Embora eu fosse sincero e honesto na minha disposição de abandonar a bebida, o meu grande descontrole emocional logo se revelou o maior empecilho para a manutenção de uma sobriedade definitiva. Ficava sóbrio alguns meses, mas, sufocado pela ansiedade e depressão, voltava à garrafa.

Então, a carreira bancária, tanto quanto a minha vida social e emocional, oscilou em altos e baixos, mais baixos do que altos, durante quase 10 anos. Com o exercício profissional complicado no Banco do Brasil devido à incontinência de conduta que o meu alcoolismo acarretava, ingressei por concurso no BASA – onde a minha carreira também ficou prejudicada pelo mesmo motivo – e, finalmente, sempre por concurso, ingressei em banco oficial estadual em São Luís do Maranhão.

Contudo, a partir de 1975, consegui manter uma significativa sobriedade contínua, através do Programa de Recuperação de AA. Casei-me pela segunda vez, passei no Vestibular para a Faculdade de Letras, vieram dois filhos e, em 1978, eu já era gerente de agência, tinha carro, boa casa, invejável situação social e financeira. Os dias negros tinham ficado definitivamente para trás? Infelizmente, não...

Estava com três anos de sobriedade contínua em AA quando recaí. Acometido de crises de pânico enquanto dirigia, tentei resolver o problema com comprimidos de diazepan, exagerei na posologia, dopei-me e, então, voltei à minha desgraça engarrafada. Comecei a faltar muito na agência de onde era gerente e destituíram-me do cargo. Depois, por várias vezes, estive embriagado no recinto do banco, protagonizando cenas lamentáveis e fiquei sob a ameaça de demissão. Para evitá-la, submeti-me à Perícia Médica do INSS, fiquei em gozo de Auxílio-Doença por dois anos e, finalmente, fui aposentado por invalidez da carreira bancária. Diagnóstico: Psicose Alcoólica.

Por estranha e lamentável coincidência do destino, entre os deploráveis acontecimentos que se sucederam a essa recaída, a minha esposa, apaixonada por outro homem, resolveu deixar-me. E eu fiquei só, bebendo alucinadamente, e com a grave incumbência de cuidar de duas crianças pequenas! Eu, que mal podia cuidar de mim!...

E, então, após a decadência da carreira bancária, veio a decadência financeira, social e moral, mas ela foi quase inacreditável: de universitário e gerente de banco, em 1978, com confortável casa e carro, vi-me em 1981, com dois filhos pequenos, morando em zona rural, num casebre de palha, sem luz elétrica, sem água encanada, desprezado e ridicularizado por parentes e amigos! Em certas ocasiões, sem uma mulher ao meu lado e sem recursos para contratar uma empregada doméstica, eu cozinhava, lavava e passava as nossas roupas! Nas raras vezes em que recorri a parentes em busca de auxílio só recebi desprezo e indiferença. Mas eu conseguia, sim – e isso, com certeza, pela misericórdia de Deus e pela minha própria natureza, sempre muito apegado aos que me são caros – cuidar dos meus dois filhos, nunca lhes faltando casa, comida, roupa e escola.

Nunca, entretanto, perdi o contato com o A.A. nem desistia do meu propósito de recuperação, pois mantinha sempre um sonho: levar uma vida normal. Caía e reingressava, caía e reingressava... Mas, a partir de 1986, voltei a experimentar bons períodos de sobriedade contínua e uma relativa prosperidade econômica, já que, retornando à Faculdade de Letras, da UFMA, me graduara em 1988, e houvera sido aprovado em dois concursos públicos para professor da rede pública estadual.

Mas, nessa etapa, recrudesceram a minha depressão e ansiedade, e adquiri uma nova dependência: os remédios controlados. O resultado disso foi quase trágico: passava um ou dois anos sem beber, e, quando menos se esperava, atacava-me a depressão, ansiedade ou medo. Encurralado, procurava desesperadamente o remédio controlado, usava-o, exagerava nas doses, e dentro de mais ou menos dois dias voltava à garrafa. E bebia por quinze, vinte dias seguidos, quase sem me alimentar, dormir normalmente ou assear-me.

E nesses períodos de recaídas alcoólicas acontecia tudo: internações, acidentes, problemas de toda ordem. E justamente aí a dependência às substâncias entorpecentes se manifestava de maneira extremamente absurda e degradante: bebi álcool puro com água, desodorante, cheirei cola de sapateiro, éter, gasolina, roubei farmácias para obter o remédio controlado, roubei dinheiro, falsifiquei, vendi roupas do corpo e objetos pessoais para beber. Amanhecia bêbado, trêmulo, às cinco da manhã, e corria desesperadamente para o primeiro botequim aberto; se não tinha dinheiro, suplicava pelo copo de cachaça, tomava-o com as duas mãos, vomitava (pois o organismo, desidratado e enfraquecido, repelia o álcool), tomava outro gole e tornava a vomitar, tomava o terceiro e, enfim, esse ficava no organismo. E, principalmente nessas ocasiões, não era capaz de parar de beber sozinho; tinha que me internar em hospital psiquiátrico para cortar o ciclo das bebedeiras contínuas, pois, caso contrário, ficaria louco ou seria vítima de um coma alcoólico.

E isso tudo acontecia com um bancário aposentado, um professor de nível superior! Mas continuei buscando obstinadamente a minha recuperação, apesar de contabilizar, em 1999, 22 internações psiquiátricas, carreira bancária melancólica e precocemente encerrada, carreira do Magistério cheia de altos e baixos, vários acidentes quase fatais e muitas cicatrizes, tanto físicas quanto emocionais. Mas, os períodos de sobriedade em AA, embora descontínuos, possibilitaram-me, apesar dos pesares, criar e educar os meus dois filhos, que cresceram, casaram e formaram suas próprias famílias, e pude ainda alcançar, por nomeação governamental, o posto de Diretor de Escola Pública. Com mais disciplina, fé e coragem, fiz, em 1999, o meu último reingresso em AA e me tornei, a partir daí, definitivamente sóbrio.

Era o dia 26 de outubro de 1999. Neste ano de 2021, terei a satisfação de comemorar 22 anos sem uma única gotinha de álcool...

Há 17 anos, conheci Fernanda, uma pedagoga e artista plástica, de alma nobre e coração amoroso, e embora fosse 25 anos mais nova do que eu, não hesitei em me casar pela terceira vez. Fiz certo; nunca uma mulher fez tanta diferença na minha vida quanto Fernanda, que me resgatou a fé no amor e no casamento, e me deu, inclusive, uma nova princesinha, a Samira (que, em árabe, significa "Companheira Inseparável"), princesinha, hoje bela adolescente, que enche de paz e alegria o meu outono de vida.

E fico pensando no erro que alguns cometem, ao dizer que não existe felicidade na vida; quem assim diz, com certeza não sabe o que é infelicidade. Quem a tem e não sai dela, é um infeliz: quem foi infeliz, mas deixou de sê-lo, em nenhuma condição de vida pode ser classificado senão a de feliz.

Essa é a minha história. Eu me recusei a desistir do meu sonho de recuperação e isso fez a diferença.

São dois os principais motivos que me levam a republicar sempre esta história, cada vez que atinjo uma marca considerável de textos postados no Recanto das Letras. O primeiro, é que suponho que a minha experiência possa ser de grande valia para os que estão nas sarjetas da vida, derrubados pela dependência química, tão desconcertante quanto dolorosa doença, que é física, mental e espiritual.

O outro motivo, mais transcendental, é que estou plenamente convencido de que por mais coragem e resistência de que eu fosse possuidor, jamais teria saído do Fundo do Poço se um Poder Superior a mim mesmo não me tivesse fornecido uma blindagem espiritual necessária para enfrentar esse tormentoso vendaval que durou mais de 30 anos.

Não sei que nome tem esse Poder Superior, só sei que ele existe, e declaro, a quem interessar possa, que a minha sobrevivência o prova.

Passem adiante...

Prof. Antonio Maria Santiago Cabral

Registro MEC/MA 25538

ALCOÓLICOS ANÔNIMOS

“Alcoólicos Anônimos é uma Irmandade de homens e mulheres que compartilham suas experiências, forças e esperanças, a fim de resolver o seu problema comum e ajudar outros a se recuperarem do alcoolismo. O único requisito para se tornar membro é o desejo de parar de beber. Para ser membro de AA não há necessidade de pagar taxas nem mensalidades, somos auto-suficientes, graças às nossas próprias contribuições. AA não está ligado a nenhuma seita ou religião, partido político, nenhuma organização ou instituição, não deseja entrar em qualquer controvérsia, não apóia nem combate quaisquer causas. Nosso propósito primordial é mantermo-nos sóbrios e ajudar outros a alcançarem a sobriedade”

(Preâmbulo oficial de AA, Alcoholics Anonymous World Services, Inc.)

Alcoólicos Anônimos nasceu em 1935, em Akron, Ohio, Estados Unidos, quando Bill W., um homem de negócios de Nova Yorque, tendo ficado sóbrio pela primeira vez, em anos, convenceu um médico alcoólico, Dr. Bob, a parar de beber. Trabalhando juntos, o homem de negócios e o médico observaram que o seu grau de encorajamento aumentava à proporção que ajudavam outros alcoólicos a abandonarem a bebida. Foi à luz desse princípio espiritual que cresceu a Irmandade dos Alcoólicos Anônimos, expandindo-se pelo mundo inteiro.

Em 05/09/1947, Harold W., um americano que ingressara no AA e que viera fixar residência no Brasil, fundou, junto com outros alcoólicos, o primeiro Grupo de AA do Brasil – o Grupo Central do Rio de Janeiro.Atualmente o AA conta com mais de 90 mil Grupos em 146 países. No Brasil, estima-se que são maisde seis mil Grupos.

O PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO DE AA

O Programa de Recuperação de Recuperação do Alcoolismo, sugerido pelo AA, se baseia na Experiência dos seus membros, na Medicina e na Religião. O alcoolismo é visto como uma doença progressiva e incurável, mas que pode ser detida pela abstenção total do álcool sob todas as suas formas e é sugerido ao participante um programa de recuperação, baseado em doze princípios espirituais, os Doze Passos

Não se sugere nenhuma forma de conversão religiosa aos participantes, nem se prescrevem medicamentos. Trata-se de um método de tratamento do alcoolismo no qual seus participantes funcionam como terapeutas uns para os outros, compartilhando entre si as suas experiências no sofrimento e na recuperação do alcoolismo, experiências essas que se revelam altamente proveitosas para aqueles que desejam abandonar a bebida.

Todos os membros de AA são alcoólicos que hoje estão reaprendendo a viver sem o álcool. Sem sermões nem conselhos, acolhem os recém-chegados, oferecendo-lhes toda a ajuda disponível em AA. Este é, em linhas gerais, o Programa de Recuperação do Alcoolismo, de AA, que é simples, mas surpreendente: mais da metade dos doentes alcoólicos que procuram o AA param de beber imediatamente.

ONDE PROCURAR AJUDA:

Alcoólicos Anônimos no Brasil

Av. Senador Queiroz, 101, 2º and. Cj. 205

São Paulo – SP

Cx. Postal 3180 – CEP 01060-970

Tel: (011) 3229-3611

http://www.alcoolicosanonimos.org.br

Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 17/01/2021
Reeditado em 17/01/2021
Código do texto: T7161766
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