Um dos mais marcantes eventos de insubordinação surgidos no decorrer da história brasileira foi a Revolta da Vacina. Naquele episódio, em 1904, a população do Rio de Janeiro entrou em motim contra a campanha obrigatória de vacinação frente a varíola, proposta por Oswaldo Cruz. Os motivos para tanto era a forma como o procedimento se realizava, com invasão a domicílio, autoritarismo e exposição do corpo; uma vez sendo incomum, naquela época, ter os braços descobertos para a aplicação do antídoto. Depois de inúmeros protestos, brigas e atuação forte do Estado, a obrigatoriedade caiu por terra passando ser facultativo o expediente.
De lá para cá muita coisa evoluiu; doenças surgiram e foram erradicadas por meio do constante uso de vacinas, como, por exemplo, a Rubéola, Poliomielite, Difteria, etc. Na atualidade, diante da grave crise sanitária provocada pela Covid-19, um movimento antivacina vem ganhando adeptos e já começa a trazer impactos para a saúde pública. Essas pessoas acreditam que as vacinas fazem mal ao corpo e creditam a elas males como o autismo, retardo mental e, em correntes mais radicais, o controle humano através de chips implantados nas agulhas da seringas.
O alerta para o perigo desse discurso negacionista começou a ser dado quando, em 2019, o Brasil não bateu a meta de nenhuma vacina no calendário básico. Isso pode refletir a longo prazo trazendo de volta enfermidades antes abolidas, podendo, ainda, vitimar centenas de milhares de crianças por elas fazerem parte do público mais vulnerável. A disseminação de informações falsas concretiza-se na sua efetividade quando olhamos a última pesquisa Datafolha, divulgada no sábado, 12, onde 22% dos entrevistados afirmam que não pretendem se vacinar contra a Covid. Ao passo de mais de 180 mil mortes pelo novo Coronovírus, a porcentagem apresentada no recorte deixa qualquer um perplexo.
Há um outro agravante a ser explorado na problemática; pois, esses homens e mulheres avessos à vacinação, têm ou terão filhos, e, como tutores legais, decidirão se a prole ficará ou não imune. Ou seja, é bem provável o acometimento de moléstias nessas crianças por pura implicação ilógica de adultos irresponsáveis. As consequências desse cenário são diversas, colocando em risco o bem-estar social. Inexistem investigações retratando os malefícios das vacinas; logo, a trupe antivacina conserva tal postura abjeta na massificação de afirmações inverídicas proliferadas aos montes nas redes sociais.
Por trás da reação contrária às vacinas está um ideário de negação a Ciência, estabelecido em teorias conspiracionistas e escorado em um repertório intelectual empobrecido e alienado. E se por um lado é prerrogativa do cidadão escolher se quer ou não se vacinar, por outro invoca à questão referente à consciência coletiva; afinal, convenhamos, teria alguém o direito de contrair e seguir transmitindo uma infecção potencialmente fatal baseado em conceitos estapafúrdios de antivacina?
A resposta ponderada para a pergunta deveria ser um claro e retumbante não. Entretanto, a força dessa pauta indigesta emerge principalmente quando figuras importantes da sociedade simpatizam com o assunto, como jornalistas, artistas, jogadores de futebol e, pasmem, o próprio Presidente da República com sua junta de Ministros. Quando o Estado se envereda a fazer coro a um roteiro degenerado, é um evidente sinal de ruptura do tecido social e de uma rota obscurantista escolhida pela Nação.
Além disso, não nos esqueçamos dos atos indignos proferidos por alguns eclesiásticos; onde, na ânsia desalinhada em politizar a religião, prestam-se ao desserviço proclamando, no alto dos seus púlpitos, palavras falaciosas sobre as vacinas. O mais recente episódio deu-se em Fortaleza, de autoria do pastor Davi Góes, o qual, de forma inconsequente, afirmou que um dos tipos de vacinas contra o Coronovírus causa câncer e traz consigo o vírus HIV, se instalando no hospedeiro via mudança do material genético. Aí está um papel imoral desempenhado por alguém tão imoral quanto.
Por fim, fica claro a necessidade de combater constantemente essas ideias em discordância com a vacinação ou qualquer iniciativa cujo o objetivo perpassa em trazer risco de morte para o coletivo. A individualidade não pode sobrepujar o global em nenhuma hipótese. O cerne desse e de quase todos os dramas vivenciados pela população brasileira encontra-se na falta de políticas públicas na área educacional. Se tivéssemos uma Educação de excelência, todas essas teorias absurdas reverberariam muito menos e suas repercussões seriam igualmente refreadas. Até lá, sigamos lutando com as armas disponíveis e pedindo bom senso a quem, de fato, tiver.