Cartela de comprimidos e caixa escrito 'hidroxicloroquina', com painel escrito 'coronavírus' atrás
 


" Entre Artigo anterior e este quanta politicagem!"



Antes que a OMS decidisse definitivamente retirar a hidroxicloroquina do Solidarity, houve uma grande pedra no meio do caminho envolvendo outra marca de renome — a revista científica Lancet, considerada o segundo periódico com maior fator de impacto (métrica composta por vários indicadores da influência de uma publicação científica) no mundo, atrás apenas do New England Journal of Medicine, segundo o relatório Journal Citation Reports 2018, da consultoria Clarivate Analytics.

Em 22 de maio, foi publicado no Lancet um artigo do tipo observacional
(entenda a definição abaixo) que afastou os benefícios do tratamento de covid-19 com a cloroquina e hidroxicloroquina usando informações de 96 mil pacientes em vários países, coletadas em uma base de dados da empresa Surgisphere.

Logo após a publicação, a OMS anunciou a suspensão — naquele momento, ainda temporária — do estudo com hidroxicloroquina no Solidarity.

Entretanto, no início de junho, veio um novo contratempo:
os autores solicitaram a retratação de seu próprio artigo ao Lancet, um procedimento raro mas previsto nos protocolos de periódicos renomados quando há algum tipo de má conduta, fraude ou erro detectado.

Após a publicação em maio, outros pesquisadores não envolvidos no estudo cobraram mais detalhes sobre os dados da Surgisphere, ao que os autores contrataram auditores independentes para atender à cobrança dos colegas. No entanto, a empresa se recusou a fornecer o conjunto de dados completo, pois isso violaria contratos com clientes e o compromisso com a confidencialidade.

Assim, os autores escreveram ao Lancet que não poderiam garantir mais a qualidade dos dados primários — os dos milhares de pacientes envolvidos em testes com a cloroquina e hidroxicloroquina.

Para a matemática Tatiana Roque, coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o
episódio do Lancet reflete um descompasso que pode acontecer entre a pressão por respostas, como vemos na atual pandemia; e o tempo "natural" da ciência, que por vezes precisa de anos, décadas e até séculos para avançar.

"O que aconteceu com o Lancet chama a atenção justamente porque, por conta da pressa, alguns critérios (de rigor científico) não foram observados: a origem e confiabilidade dos dados. Se para dar respostas rápidas a ciência queimar etapas, atropelar a temporalidade necessária para gerar resultados sólidos, pode acabar sendo pior — quando um resultado precisa ser revisto, por exemplo", avalia Roque, também doutora em história das ciências e epistemologia.

Natalia Pasternak concorda. Ela avalia que
potenciais remédios e vacinas, que em condições normais podem levar anos e até décadas para serem desenvolvidos, testados e aprovados para uso, estão no caso da covid-19 já sendo acelerados a uma velocidade talvez nunca antes vista. E isto, às vezes, beira a riscos.

"Nem sempre dá tempo de fazer padrão ouro (ou máximo) — inclusive muitos estudos estão sendo feitos sem duplo cego, sem placebo. Pela pressa, a gente já está perdendo o rigor. Mas a gente não pode perder tanto o rigor a ponto de a resposta ser inútil", aponta a bióloga.

"Na área de vacinas, há muita preocupação com a pressa. Porque com vacina, você não pode errar — milhões de pessoas vão receber as doses. E elas já estão sendo desenvolvidas em tempo recorde, principalmente por ter muita gente trabalhando junto. A gente não pode se dar o luxo de errar, porque estamos vivendo um ambiente mundial de desconfiança das vacinas."

 
Fonte: Ciência não  produz dógma
Maria Augusta da Silva Caliari
Enviado por Maria Augusta da Silva Caliari em 11/12/2020
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