ACASALAMENTO DE ANIMAIS - EQUINOS
SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA PARA QUEM TEM HARAS!!!
IC: INDICES DE CONSANGUINIDADE
Acasalamento
Todo cruzamento com índice maior que cinco é arriscado. Há várias fórmulas matemáticas que avaliam isso, mas são complicadas. O mais fácil é você pegar o pedigree ou genealogia do cavalo e ver a porcentagem de gens de cada geração.
Evite que a soma da porcentagem dos parentes comuns (entre pai e mãe) seja muito alta. Some as porcentagens, divida por dois. Evite que esse número seja maior que 6,25% das porcentagens.
Vou dar alguns exemplos: Primeiro um cruzamento consanguíneo que deu certo (mas quem fez teve enorme risco): o grande LEO. Um grande chefe de raça americano, um dos maiores QMs de todos os tempos e que está presente em praticamente todos os pedigrees de campeões, mesmo os mais modernos.
O Leo é muito consanguíneo: resultado do cruzamento de dois filhos do PSI Joe Reed. Cruzamento entre dois meio irmãos, com IC de 12,5%.
O segundo exemplo é o do meu Shady Leo. Comprei esse garanhão aos oito meses do Dr. Heraldo Pessoa, um dos maiores conhecedores do QM no Brasil. Buscava um cruzamento entre descendente do Sugar Bar em égua Leo. Pensei em importar, mas encontrei aqui mesmo!
Seu pai o Shady Apolo Bars foi um imbreeding do Sugar Bar (tio com sobrinha) que deu certo e sua mãe uma excepcional descendente do Leo com Waskada, um cavalo de corrida. É o que queria e achei no Brasil.
Além de um animal de estimação, o cavalo é protagonista de relações de comércio, competição, e esporte. Neste meio, a aparência, o desempenho físico, as habilidades e a capacidade de reprodução são características muito valorizadas, havendo padrões rígidos sobre o que torna um cavalo bom, rentável, campeão ― e o que diminui seu valor.
Por isso, a pureza e o melhoramento da raça são preocupações centrais para criadores destes animais. E, para manter a raça pura, garantindo os traços mais desejáveis no rebanho, é comum praticar o que, na criação equestre, se denomina consanguinidade. Trata-se do cruzamento intencional de éguas e garanhões com alto grau de parentesco, para fixar características da raça.
Todavia, o que pode parecer um método simples de melhoramento da prole pode gerar sérios problemas a ela, seus descendentes, e, com o passar dos anos, a toda uma raça.
Visando analisar os efeitos de décadas da prática de consanguinidade numa população equina, pesquisadores da USP, Unesp, e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em conjunto com cientistas da instituição de pesquisa AgSights e da Universidade de Guelph, no Canadá, conduziram um estudo com cavalos da raça Campolina.
Registros de pedigree de mais de 107 mil cavalos e dados genéticos de quase 44 mil indivíduos foram examinados, possibilitando a conclusão de que a prática do cruzamento consanguíneo vem afetando atributos físicos e reprodutivos destes animais, com o grau de parentesco genético entre indivíduos aumentando a cada geração ― indicando que o problema ainda pode se agravar.
Entenda os riscos
O que se convém chamar de consanguinidade no ramo da criação de cavalos é tido pela ciência como endogamia. Fernando de Oliveira Bussiman, pós-graduando na área de Qualidade e Produtividade Animal pela Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) e graduado em Zootecnia pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), ambas da USP, foi responsável pelo estudo desse processo na raça Campolina. Ele explica no que consiste a endogamia e por quê ela requer cuidado:
“A endogamia se dá quando, em um determinado acasalamento, o parentesco entre os pais é maior do que o parentesco médio da população. Como consequência, determinadas combinações de pares de alelos acabam sendo fixadas, uma vez que há um aumento de indivíduos homozigotos”. Como existe um ancestral em comum entre pai e mãe, os alelos, pedaços de DNA que se pareiam para formar diferentes genes, serão idênticos, permitindo a manifestação de características que poderiam não estar presentes nos pais.
“Os criadores de cavalos exploram o aumento de homozigose como meio de fixação de características desejadas, mas há um risco associado a isso”, alerta Bussiman. “Animais endogâmicos [nascidos de pais com alta relação de parentesco] possuem pouca libido, pouca capacidade adaptativa, baixa habilidade materna, e os resultados deste estudo mostram que a endogamia leva à alterações na morfologia [estrutura corporal] dos cavalos.”
Um alerta ao ramo de criação
A criação de cavalos é um ramo bilionário dentro do agronegócio. O mercado equestre apresentou crescimento de 12% na última década segundo dado do IBGE, tendo se mantido quase ileso durante a crise econômica. Além disso, estima-se que o setor seja responsável pela geração cerca de 600 mil empregos diretos e, aproximadamente, 3 milhões de empregos indiretos. Em vista disso, qualquer potencial risco para este mercado requer muita atenção.
“Nós, pós-graduandos e pesquisadores, estamos sempre prontos para atender os objetivos das criações, mas também alertamos sobre os riscos da mesma”, diz Bussiman. “O ideal é que haja uma maior proximidade das associações de criadores de cavalos e as universidades. O Brasil possui um grande potencial, nossos cavalos, principalmente os de raças nacionais são muito valorizados no exterior. É imprescindível que adotemos medidas para que a reprodução, criação e melhoramento dos animais se dêem da melhor maneira possível.”
Uma raça já ameaçada: a Campolina
Tabela com resultados do estudo. Acima, a curva de crescimento da ancestralidade comum entre cavalos Campolina. Abaixo, as curvas de crescimento da endogamia na raça. Fonte: Pedigree analysis and inbreeding effects over morphological traits in Campolina horse population
Bussiman utilizou dados de mais de 100 mil cavalos da raça brasileira Campolina, fornecidos pela Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo Campolina (ABCCCampolina). A raça tem o terceiro maior rebanho do país e o primeiro em seu estado de origem, Minas Gerais, e é considerada um patrimônio genético-social brasileiro. Entre outras características, estes cavalos destacam-se por sua marcha e seu grande porte, em torno de 1,62m de altura para machos adultos.
No entanto, as principais características da raça encontram-se fortemente ameaçadas pelas práticas dos criadores. “No caso da raça Campolina, tem se dado preferência para acasalamentos endogâmicos porque os criadores acreditam que, acasalando animais aparentados a campeões, terão maiores chances de produzir novos campeões”, relata o pesquisador. Na realidade, não é isso que acontece.
Com o aumento das relações de consanguinidade, os níveis de endogamia encontrados nesta raça vêm se acumulando a cada geração. Caso não controlada, esta endogamia, segundo Bussiman, certamente levará a uma descaracterização dos Campolina, além de problemas reprodutivos e adaptativos. Ele cita: “O primeiro problema que a endogamia traria, em longo prazo, é a diminuição dos animais, descaracterizando assim a raça. Outro problema seria a reprodução, pois, fruto da endogamia, teríamos éguas com baixa taxa de ovulação e garanhões com pouca libido, além de problemas de habilidade materna e rejeição de crias. Atrelado a isso, estão todas as características adaptativas como, por exemplo, resistência ao calor.”
Um dos maiores fatores atrativos destes cavalos, sua marcha, também está ameaçada. “Em alguns estudos prévios, a qualidade da marcha mostrou-se negativamente afetada pela endogamia, então a principal característica da raça seria fortemente beneficiada pelo controle da endogamia e a utilização de indivíduos menos aparentados [no acasalamento].”
A busca da pureza de raça
Há um grave problema de desinformação sobre os efeitos da consanguinidade, que leva criadores a considerarem-na positiva e utilizá-la com pouca ou nenhuma instrução. Bussiman conta que não é incomum cavalos sendo anunciados com a propaganda de “fechamento de raça”, que é quando um mesmo animal aparece várias vezes no pedigree de um indivíduo, indicando uma maior pureza racial em sua genética.
E, na criação de cavalos, a pureza racial é extremamente valorizada. Isso se dá pela crença popular de que um animal puro sangue, ou a própria raça, são os únicos a apresentar certas características de grande valor. De fato, diferentes raças equinas apresentam predisposição para atividades distintas. O pesquisador explica: “Os cavalos Bretão, por exemplo, que são animais bastante pesados e de muita força, não apresentariam a mesma velocidade que um Puro Sangue Inglês, mais leves e com uma morfologia que os predispõe às corridas”.
No entanto, estas características não se restringem e não necessitam da pureza de raça para se manifestar em um cavalo ― e não requerem práticas inseguras, como a consanguinidade. “Para estes fins, seria muito mais proveitoso que os criadores se atentassem mais para tipos morfológicos comuns e que a seleção se desse dentro dos tipos sem que se desse tanta importância para a raça em si.”
Ademais, cavalos gerados a partir de indivíduos não aparentados, sem a consanguinidade, podem ter vantagens na saúde, físico e qualidade de vida. Ao passo que a endogamia explora a geração de homozigotos pelo cruzamento de cavalos aparentados, a chamada heterose propicia o surgimento de heterozigotos, a partir de pais de diferentes linhagens. Estes heterozigotos ― cujos genes são formados por alelos distintos, diferentemente dos idênticos na homozigose ― têm vantagens tanto nas habilidades reprodutivas, quanto na seleção desejada pelo criador. Isto porque, em vez de relações de sangue, procura-se pais com as características de interesse em comum, características que serão fixadas nos descendentes através do cruzamento.
Em outras palavras, incentivando o acasalamento de animais que apresentam as características que se deseja fixar nos potros, é possível manter a seleção de atributos valiosos enquanto se evita os malefícios que podem ser gerados com a endogamia.
Existe consanguinidade segura?
A valorização da pureza racial e o uso da endogamia para garanti-la já estão fortemente incorporados à tradição da criação de cavalos. É preciso, então, pensar e incentivar maneiras de garantir a manutenção da diversidade genética dentro destes processos, de forma que relacione a segurança da raça e os interesses do criador.
“Seria bastante interessante que os criadores se atentassem para o fato de que animais mais endogâmicos apresentam problemas que, muitas vezes, os prejudicam no dia a dia. Estratégias de acasalamentos que visam o mérito genético dos indivíduos e a diminuição da endogamia seriam muito eficazes em garantir a manutenção de bons níveis de diversidade genética nas populações, sem prejudicar os objetivos dos criadores”, propõe Bussiman.
É possível conduzir acasalamentos consanguíneos de modo a prevenir efeitos nocivos para os indivíduos e a espécie. Para isto, uma estratégia eficaz é fixar um nível aceitável de endogamia, e por meio de simulação computacional, calcular a endogamia dos possíveis acasalamentos. Nos casos em que fosse maior que o nível aceitável, substitui-se um dos pais por outro de valor genético equivalente.
Esta estratégia já é utilizada com sucesso em diversos programas de melhoramento equino, e o pesquisador chama atenção para a necessidade de popularizá-la: “É preciso que falemos sempre mais sobre o melhoramento, e que ele deixe ser um privilégio de quem o estuda, mas uma ferramenta para todos os produtores.”
No entanto, para a efetiva difusão das técnicas de controle da endogamia entre criadores em geral, Bussiman ressalta o papel das Associações de Criadores de Cavalos, como a ABCCCampolina. Hoje, o site da associação funciona como canal de comunicação obrigatório para criadores, e, com tamanho alcance e presença neste meio, mostra-se um campo muito propício para informar o público das ameaças da endogamia e para a implantação de um sistema de controle da mesma.
“Seria possível que alguma ferramenta fosse desenvolvida e implementada no site da Associação. Assim, cada criador faria a simulação dentro de seu próprio rebanho. Hoje em dia, todos têm que fazer as comunicações de cobertura pelo site da associação, portanto, se implementada pela Associação, seria sim uma ferramenta abrangente e de fácil acesso.” Bussiman comenta que a parceria com a entidade está nos planos da equipe de pesquisa. “Está ainda em fase inicial, mas, a ideia é que, com esse e outros trabalhos ainda em desenvolvimento com a mesma base de dados, seja possível mostrar para a diretoria da ABCCCampolina a necessidade de um programa de melhoramento para a raça.”