A máscara da pandemia

“...chamarei literalmente de dispositivo qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes. Não somente, portanto, as prisões, os manicômios, o panóptico, as escolas, as confissões, as fábricas, as disciplinas, as medidas jurídicas etc, cuja conexão com o poder é em um certo sentido evidente, mas também a caneta, a escritura, a literatura, a filosofia, a agricultura, o cigarro, a navegação, os computadores, os telefones celulares e - porque não - a linguagem mesma, que é talvez o mais antigo dos dispositivos, em que ha milhares e milhares de anos um primata - provavelmente sem dar-se conta das consequências que se seguiriam - teve a inconsciência de se deixar capturar.”

(Agambem, Giorgio. “O que é um dispositivo?” In: IIha de Santa Catarina - 2° semestre de 2005)

1.

Inserido no laço social, todo significante condensa atividades discursivas que dinamiza jogos de poder.

De acordo com as articulações que faz Jacques Lacan entre os registros do Real, Simbólico e Imaginário é possível dizer que o signo “máscara” traça o litoral entre significante e seus significados. O real do seu corpo delineia a “fronteira móvel” (Dunker, C.I.L. Discurso e Semblante, pág. 24) de sentidos que a orbita historicamente.

Os objetos, inseridos no laço social enquanto partículas circulantes que se relacionam com outras partículas circulantes, são suportes de discursividades que põe em movimento jogos de força e de poder que em suas linearidades ou circunvoluções projetam novas identidades sedimentadas sobre os sujeitos alcançados.

O objeto “máscara facial”, enquanto utensílio de proteção na pandemia, participa do jogo de forças relativas a este contexto que, inclusive, caminha a largos passos para se tornar endêmico, como suporte dos discursos políticos, econômicos, ideológicos, religiosos, morais, médicos, científicos etc, que circulam sobrepondo-se uns aos outros na atualidade brasileira.

No início da pandemia pelo COVID-19 a máscara facial foi indicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), apenas para pessoas pertencentes ao grupo de risco, como idosos e profissionais da saúde, entre outros, e por pessoas que apresentassem sintomas respiratórios, isso desde que trocada periódica e regularmente.

O que se alegava, então, para impor essa restrição de seu uso é que ela aumenta a possibilidade de contágio, ao invés de diminuir, pois, facilita a produção de acúmulo de secreção perto da boca e do nariz, facilitando, assim, a proliferação de cultura viral.

No Brasil, que desde o começo declinou da testagem em massa e do lockdown, portanto, na via francamente aberta da atenção clínica conjugada com medidas restritivas (isolamento social horizontal e máscara facial, que se mostraram ineficazes com índices de adesão abaixo do necessário), em detrimento da profilaxia, o governo orientou no sentido de uso generalizado da máscara uma vez que ficou evidente que a infecção pelo vírus se mantém em evolução por algum tempo de forma assintomática. Naquele momento o argumento era o de que devido ao fato de o portador não saber se está contaminado ou não, sua circulação social permitiria a proliferação do vírus no contato com as outras pessoas. Neste caso, o uso generalizado da máscara se justificaria dado que ela seria uma barreira física eficaz para reter as partículas de líquidos que servem de condutor do vírus entre uma pessoa e outra ou outras. (Danielle Sanches Do Viva Bem, em São Paulo. In: site UOL, 24/03/2020).

Com o avanço da pandemia, decretos federais, estaduais e municipais tornaram o seu uso obrigatório. Ficou claro já no primeiro momento que a intenção dessas diferentes esferas de governo seria, cada um a seu modo, o de executar medidas de mitigação do contágio na esteira da aceitação da sua evolução natural. Ficou explícito que se se tratava de uma decisão que tinha por escopo mascarar o desinteresse em investir nos custos que as medidas profiláticas trariam. No Brasil, é antiga a prática médica que declina da prevenção da doença e opta por sua atenção clínica posterior. A decisão é política e ideológica, pois, nesta linha, encaixa-se perfeitamente com interesses econômicos que visa a ampliação do mercado de saúde, na contramão de uma produção coletiva de saúde, como preconiza o projeto SUS.

Em tais termos, a figura da máscara de proteção contra o covid-19, ao mesmo tempo em que serve ao uso indevido por parte dos defensores do caos, o que exige a urgente oposição por parte das alas democráticas, também substancializa num outro plano – e na oscilação entre o profano (desobediência ao isolamento social) e o sagrado (destinada a salvar vidas) -, a síntese da unanimidade das opiniões sem tensões, uma vez que seu uso e funcionalidade, tanto prático/literal quanto discursivo, alinhava a sutura da lembrança encobridora que substitui e recalca a urgência, por exemplo, dos testes em massa, tão importantes para o diagnóstico e tratamento da doença em sua fase inicial e que foram negligenciados pelo estado brasileiro.

Ela é adotada, assim, como instrumento de exercício de poder que atua na economia entre o ser e a ação do vivente para impedir que outras profilaxias (lockdown e testes em massa), funcionem antes mesmo da doença se instalar ou, para impedir que, de acordo com protocolos divulgados por médicos confiáveis da Lombardia, norte da Itália, medicamentos comprovadamente eficazes (desde que aplicados sob prescrição médica), sejam oferecidos aos pacientes na fase inicial, fase em que é possível minimizar e até mesmo impedir a evolução e os efeitos devastadores da doença. Isso porque, a máscara permite o não contágio..., mas não cura. Nesse sentido, a frase “Vá para casa” (sentenciada aos usuários SUS que procuram os serviços públicos de saúde em fases assintomáticas e até mesmo sintomáticas iniciais), tem sido corriqueira, pois, alega-se, baseada em protocolos epidemiológicos internacionais.

A máscara, objeto inanimado em sua essência material, na sua grande maioria feita de pano e, portanto, em sua porosidade, aquém da qualidade recomendada pelas Normas Regulamentadoras da ABNT (por exemplo a N95), é, no sentido forte do verbo ser, mesmo com todas as evidências contrárias, assimilada e aceita como sendo capaz de estabelecer uma linha divisória eficaz produzida por uma barreira interposta entre o vírus e o humano, linha de vida que ao fixar um dentro e um fora separa os dois lados e garante suspensa a permeabilidade que causa a exposição do vivo à intrusão do morto-vivo.

A máscara, nas condições descritas, projeta-se como semblante absoluto, imperativo que constrói a realidade no interior da qual todos se identificarão como o novo humano. Se antes havia o corpo físico, o corpo da ciência e da estética, o corpo libidinal e erógeno, agora, acrescente-se a esses corpos o corpo-território, corpo que tem sua espacialidade ampliada para além de sua área limítrofe, a pele, e que se avoluma e se agiganta como aura que se excede para além de si mesmo numa amplitude e magnitude que subverte o regime de aproximação dos corpos que o orbita.

Isso porque, agora, sob ameaça de invasão em seu corpo físico pelo vírus, ora vetorizado pelo outro, intensifica a vigilância e a converte numa atmosfera densa ao seu redor, tão densa que subverte a gravitação dos corpos que se avizinham de sua fronteira virtual. Por isso, este corpo real flagra-se marcado pela necessidade de distanciamento calculado sempre pela potência de alcance de uma tosse, um espirro ou até mesmo, inserido aí uma margem de segurança, de uma cusparada. Deste modo, mergulhados na ficção realística de um novo normal tecido pelo lixo da ideologia capitalista neoliberal, os sujeitos agenciados por essa ideologia não deixam de repetir lógicas racionais de colonização. A máscara facial, neste contexto, advém como dispositivo que agencia corpos e os dispõe no laço social em conformidade com um sistema de crenças e valores que o dociliza e o domestica.

2.

Neutra em si mesma, contudo, tecida enquanto corpo funcional e afetivo no interior do dispositivo de poder que encarna, a máscara, advém como objeto fetiche ideológico que galvaniza em seu corpo próprio os discursos afeitos à reprodução dos modos de vida comuns ao trabalho e ao consumo alienado.

Portanto, usada como ¨cura” para a infecção pelo covid-19, ela não permite, de fato, a cura, antes, convenientemente serve aos poderes públicos, como auxiliar excelente para a prática política estatal e medicinal de se evitar que medidas mais custosas e menos populistas possam ser ativadas. Como acerta Agambem, o poder político do dispositivo, que tanto subjetiva quanto dessubjetiva, que separa o ser de sua ação, é sempre a ferramenta que está a serviço de uma relação de forças voltada para a oikonomia.

Como ferramenta de agenciamento que pode ser adquirida e até mesmo fabricada a baixo custo por qualquer um, ela se efetiva por ser o instrumento que permite e legitima a naturalização do contágio. Naturalização essa tão providencial aos mestres que ambicionam tomar o enfrentamento da crise como catapulta política com fins eleitoreiros. O ganho é duplo: ao mesmo tempo em que se valem da crise para impor medidas que antes seriam inaceitáveis, a gerenciam de modo populista para lucrarem tanto política quanto financeiramente.

Como disse, pudemos ouvir na coletiva de Dória: ...”faremos o que for

possível para minimizar a curva...¨. Essa frase encobre a naturalização da pandemia e coloca o isolamento social como única medida possível ao passo que se afasta das outras medidas e as descarta mesmo sendo elas absolutamente necessárias, e possíveis, tais como testes em massa e lockdown,

Ao mesmo tempo em que todos os espectros políticos defendem o seu uso e o pratica, o espaço público torna-se o campo aberto em que a máscara circula como o devidamente esperado para cada um dos automobilistas e transeuntes.

Se por um lado, pelo lado objetivo do visível e do aparente - este lado em que ela se vivifica como homogeneidade massiva e massificante -, ela é uma espécie de coqueluche da moda, como se dizia antigamente, uma “namoradinha do Brasil que, com sua presença, dá visibilidade ao vírus, contribuindo assim para o cálculo do risco, fator decisivo para acalmar a ansiedade causada pela possibilidade do contágio iminente, por outro lado, o lado do interno, do subjetivo, no contexto das relações intersubjetivas, a máscara é o ponto de fixação do olhar, deste olhar rastreador, panóptico (que tem a necessidade de transpor a fronteira ditada pelo seu corte material de pano), que escaneia, perscruta, observa, avalia e fiscaliza; um olhar que vigia, que regula, que sanciona ou condena, enfim, que se aproxima virtualmente do outro e o invade em seu território de corporeidade física e libidinal ao mesmo tempo em que regula a distância, a proximidade, a possibilidade de invasão vinda do outro (distância essa medida pelo alcance visível de uma cusparada), deste outro que se avizinha e que se torna indesejado por compor com a máscara visível e o vírus incerto e invisível uma incontornável ameaça.

Quanto aos seus usuários, sua existência de sujeito mascarado, agora, deve ser calculada pelo semblante facial, pouco visível, que ele me oferece a partir do qual, e ademais de todo o seu movimento corporal, deverei tentar decifrar qual limite ele vai respeitar e em que momento deverei, ou não, me afastar de sua forma física ou barrá-lo para que permaneça afastado em uma zona de segurança.

Neste cenário, resultado de um palco que se impõe pela necessidade cultural que nos arrasta, condição do vivente humano em seu ambiente, ao mesmo tempo (por atribuição prévia de confiança nele), em que este outro é o mocinho, o paladino da segurança e da respeitabilidade, ele é, também (por suspeição concomitante à confiança relativa), a fonte de todo o perigo que pode atacar e colocar em risco a minha existência.

Mergulhados na ambiguidade social e sanitária que se avoluma, eu e o outro conjugamos uma unidade imprecisa e volátil, um tipo de intersubjetividade em que nos tornamos parceiros em uma dança na qual somos marcados, em via de mão dupla, com a etiqueta da possibilidade do contágio mútuo, logo, pela lógica da suspeita, permanecemos, nesta situação limite, um para o outro, dois estranhos familiares.

É desta maneira que a máscara, enquanto nova identidade, ou o que substancializa essa nova identidade, materializa sua potência na estereotipia do desejo do estado-empresa, projeto que se codifica como design estilístico no corpo da pessoa, do neossujeito, sujeito dessubjetivado, competitivo (até pelo espaço com o vírus), que corre riscos por conta própria, que se reinventa, como dizem Dardot e Laval, na obrigação inegociável de ter que arcar com os custos de um empreendedorismo forçado. Não que ele seja empreendedor, mas, sim, empurrado à execução deste modelo de pactuação trabalhista de acordo com os programas neoliberais. O neossujeito, assim dessubjetivado, é o suporte da máscara ao mesmo tempo em que a máscara é o suporte das gramáticas de sua dessubjetivação. Isso acontece ao mesmo tempo como controle deste sujeito e como controle da população através da mensagem de que a participação social mascarada pode salvar vidas.

Por isso, e através deste argumento, decodifica-se como mensagem de que ela, a máscara, tem a capacidade de garantir o ideal do bem estar comum e universal através da proteção da saúde tanto do indivíduo quanto da população.

Ela estabiliza, assim, o engajamento dos corpos dóceis postos em circulação, na conexão com as suas respectivas mentes ora colonizadas e em constante comunhão sempre ao redor do totem “Trabalho a serviço do consumo de mercado”.

Esta segurança, ao mesmo tempo individual e populacional, derivada do discurso sanitarista (sempre presente nos momentos históricos em que o discurso médico-científico e higienista se uniu ao discurso político para o controle e o governo dos vivos), sedimenta e chancela a ação do Estado neoliberal, ordoliberal e nazicapitalista, ou seja, do estado de exceção, sobre cada unidade-tipo viva, uma vez que esta unidade participa de forma programada na compacidade densa de um cluster em revoada enquanto união em torno do signo do ”homem comum”; união dirigida, que se corporifica tanto pacificada quanto pacificadora na sociedade de massas.

A máscara, como fenômeno de uso das massas, realiza uma espécie paradoxal de isolamento social que permite a obediência prática à proibição de circulação social concomitante à sua violação.

Ela condensa e realiza, ao mesmo tempo, tanto a necessidade de afastamento do grupo quanto o desejo de ser livre e de estar vivo para ser livre. Ela concentra em si mesma a pseudoliberdade que mascara a servidão.

Sob o risco que a pandemia oferece, a máscara equaliza uma tensão que se desdobra como força que atrai, por um lado, para o isolamento social e, por outro lado, para a movimentação nas ruas e nos transportes públicos e particulares.

De outra forma, ela faz um sintoma, um compromisso desde o qual promove uma espécie de isolamento, embora no âmbito do público ou do social, individualizado, no qual o sujeito dentro da máscara está em isolamento ao mesmo tempo em que está nas ruas andando livremente.

Ela permite, assim, que o sujeito observe a prática do não contágio por isolamento ao mesmo tempo em que permite que este sujeito possa circular de forma livre e em segurança. Paradoxalmente, a máscara ao mesmo tempo em que cumpre a necessidade de proteção é a condição de sua violação. Isso porque, se por um lado ela veda a boca e o nariz da pessoa impedindo o vírus de sair e de entrar, por outro lado, e por isso mesmo, ela estimula a circulação. A Massa, diz Canetti, atua por desobediência à proibição.

Ela libera, assim, a tensão que existe entre a proibição, a interdição e o desejo de realização daquilo que está sendo interditado. Isso porque, a partir do contingenciamento social paradoxal que oferece, ela permite que o sujeito esteja isolado em sua quarentena nasal e bucal, ao mesmo tempo em que o restante de seu corpo (até mesmo de sua boca e de seu nariz), podem circular livremente. Por isso, ela permite a não observação às barreiras sociais que as autoridades estabelecem.

Mas esse paradoxo não deve ser tomado como uma casualidade sem importância. Ele exerce um papel importante no jogo político que objetiva desviar a atenção da população no que se refere à compreensão da realidade com senso crítico. A massa, enquanto massa, nada faz, diz Baudrillard, além de ou servir de conduíte às decisões nela injetadas pelos líderes da massa ou negligenciar essas decisões em prol de satisfação de vontades irreflexivas.

O incentivo de seu uso cumpre esse papel ambíguo fundamental para que uma medida possa ser encaminhada ao mesmo tempo em que é negada. A máscara é um fetiche.

Se, na situação de ausência de lockdown ou de isolamento social horizontal e dos testes em massa, tem-se a política da vida nua, vida sacrificial, de acordo com a lógica seletiva do deixar viver e como deixar viver, do deixar morrer e como deixar morrer essa vida encerrada em si mesma e atomizada, agora, na continuidade deste semblante da polícia, em seu uso assim ideologizado, o que se tem é a máscara como instrumento da execução do mesmo enquanto, assim se quer, matemática e numericamente, eterno padrão.

Se antes, nos tempos dos blackblock`s, a máscara era a marca da rebeldia, o slogan do desejo de mudança, da indignação e da presença do confronto diante do estabelecido, de outra forma, o emblema do rosto anônimo, rosto invisível em sua atitude de iconoclastia, agora, adotada pelos brothers in masks como medida sanitária, sempre ela, se mistura na exposição deste mesmo rosto em atitude postural de um trabalhador-soldado-civil que se exibe como uma persona que empunha o estandarte e a bandeira da obediência à execução do pré-determinado na sedimentação da retidão, da conservação apolínea do político com a vida biológica.

Se antes, ser parado pela policia portando uma máscara e pinho sol era sinônimo de terrorismo e motivo para prisão, hoje é signo heróico do engajamento civil no enfrentamento de um inimigo comum, mas, também, na defesa de um status quo que se pereniza intransitivamente diante da possibilidade transformativa adiada e mantida amorfa em sua potência e conservação.

Assim, amálgama pasteurizada da bios com a zoé e absorvida e assimilada no cotidiano comum de cada cidadão de bem, defensor do politicamente correto, vendida em cada esquina como modelo do normal, do habitual e do lícito, a máscara é, agora, o próprio vírus que propaga outra pandemia, ela é o vírus que se dissemina e contagia cada receptor com o parasitismo utilitário da ideologia darwinista social que estabelece uma estética facial condizente com a eficácia da performance adaptacionista ratificada.

3.

Recentemente o governo federal, através do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pasta chefiada pela ministra Damares Alves, promoveu por meio de edital um concurso para escolher “As melhores máscaras de proteção criadas por crianças” entre seis e doze anos de idade. (Site: Terra/Uol; 20/05/2020, da Redação).

Tal concurso torna evidente o uso político da máscara que de vestuário a serviço do combate ao vírus passa a ser marionete passiva, mas, e por isso mesmo, personagem principal na encenação orquestrada pelo monopólio dos atos oficiais A máscara, com sua presença tirânica, alter ego dos governos neoliberais, está sendo difundida no seio da população como ferramenta eficaz para o evitamento de contágio do corona vírus no mesmo golpe em que é manejada para dirigir a população na via contrária do isolamento social. Não é do desconhecimento de ninguém que o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, trabalha publicamente contra o isolamento social referido ao combate ao vírus e incita a todos para que saiam de casa para trabalhar em nome da economia.

Na onda do anarco capitalismo que o presidente Bolsonaro tenta virilizar, Damares banaliza por força de lei o terrível momento pelo qual o povo brasileiro está passando. Num ato de absurdo cinismo, parece ver méritos em incentivar um evento burlesco que ganha ares de piada sem graça, pois sem o menor clima para fazer paróquia, e que se torna uma violência cruel ao ser instalada no cerne de uma sociedade que está sofrendo e lutando para salvar vidas.

O que a ministra Damares e seu ministério faz, ao lançar este concurso, é alojar na figura da máscara a imagem de que ela é um objeto divertido e que faz divertir, um objeto servil ao cômico, ao engraçado. Adotar a máscara como pivô de uma ação festiva em clima de carnaval, de deboche ou chanchada no meio de uma pandemia, em vias de se tornar endêmico, crise em que a espécie humana enfrenta uma ameaça invisível perigosa e na qual todos os dias milhares de pessoas morrem muitas vezes sem túmulo e enterro em que seus parentes não podem velar e chorar dignamente seus mortos é, no mínimo, sintoma de alguma perversidade estrutural.