AA – O JARDINEIRO E A SEMENTE

Quem vem aqui, vocês dizem, é quem precisa de AA, e eu concordo. Mas não é só quem é alcoólico que precisa de AA. Eu não sou alcoólico, sou médico, e preciso de AA. Por que preciso de AA? Porque tenho muitos pacientes alcoólicos que não conseguem se recuperar com meus remédios, com minhas internações em hospitais clínicos ou psiquiátricos. E eu sei que aqui no grupo, se eles chegam e ficam, se seguem a programação como está prevista na literatura, eles entram em recuperação e se tornam bons cidadãos. Por isso eu estou aqui para aprender como é que eu faço com esses pacientes resistentes, que não querem nem vir para conhecer como funciona o grupo.

A semana passada eu fui com ZM à praça das Cinco Bocas, onde ele costumava ficar bebendo com os amigos alcoólicos. Convidamos dois deles que ficaram de vir hoje a esta reunião. Antes de vir aqui, passei na referida praça, estavam em uma roda bebendo e comendo tira-gosto. Lembrei do convite da semana passada, e eles disseram que hoje não poderiam vir, que talvez fossem no domingo seguinte. Concordei, não podia fazer outra coisa, e cheguei aqui no grupo sem eles.

Ouvi num dos depoimentos hoje uma metáfora interessante. Que o alcoólico é como uma plantinha e que nós somos os jardineiros que precisa cuidar dela. Então, como é isso? Todos nós fomos criados por Deus, espíritos simples e ignorantes, mas que possui em sua essência a centelha de Deus, o DNA do Pai. Podemos nos perder nos caminhos da vida, desviar da trajetória para Deus por diversos motivos, e um deles é o álcool. A semente de Deus pode ficar incapacitada por diversos motivos, fungos, bichos, fogo, água em demasia... e quando é por álcool, a semente não se desenvolve, o cérebro se torna comprometido. A pessoa não percebe que adquiriu uma doença, que sua vida está se deteriorando em todos os aspectos: biológico, social, profissional, familiar, espiritual... Então, o que podemos fazer com essa semente contaminada pelo álcool? Nós que estamos no papel de jardineiros? Devemos convidar a pessoa, incentivar para chegar até este espaço do Grupo de AA. Aqui é o terreno fértil que a sementinha pode vingar. O adubo que irá receber está no depoimento de cada um que vêm à cabeceira da mesa, e que juntos cria a atmosfera do Poder Superior. A sementinha intoxicada pode nem perceber, na primeira vez, essa consciência coletiva formada pela vibração com o Poder Superior. Por isso devemos insistir para ela voltar outras vezes ao Grupo, na esperança que em algum momento ela faça essa sintonia com o Poder Superior, e participe da Consciência Coletiva. Nesse momento, a sementinha consegue emergir do fundo da terra e abrir algumas folhinhas ao ar livre, em contato com o sol, com a natureza mais sutil ao seu redor. Mesmo assim, não podemos nos descuidar, de estar vigiando, uma espécie de apadrinhamento, de evitar que o desejo inevitável de voltar a beber consiga vencer a ainda frágil vontade de permanecer em abstinência do álcool, de se manter em sobriedade.

Devemos mostrar a importância de frequentar as reuniões com assiduidade, de fazer a leitura da literatura, seguir os 12 passos como forma de proceder uma Reforma Íntima, se envolver com os trabalhos do Grupo na forma de garantir que a sala esteja sempre aberta, da forma que ele encontrou, uma espécie de oásis onde o alcoólico possa respirar com dignidade, e que assim possa beneficiar a tantos outros como ele que ainda precisam de um jardineiro.