A saúde e a sociedade
Quando a classe média mostra seu descontentamento em relação a planos particulares de saúde é como alguém que é atropelado quisesse, num gesto voluntário, permanecer de pé. Então, lembrava que ao longo da história a classe média tem mostrado uma grande capacidade de tolerância de conviver com o insuportável. Fatos pontuais como os preços dos planos de saúde particulares oferecidos como alternativa ao SUS são um exemplo. Mas não vejo que isto seja de todo ruim, pois levam as pessoas a repensarem sua participação como cidadão e a função do Estado.
Sabemos que para muitas pessoas o preço dos planos particulares é traumático. Lamento que tenha que acontecer crises no quintal da classe média para despertá-la para os abusos da iniciativa privada e a omissão dos governantes. Mas, lamentavelmente, é pelo ataque ao bolso que encontramos tempo para que se discuta a falta de concorrência ou mesmo para os discutíveis serviços oferecidos pelo Estado. Um exemplo de serviço oferecido pelo Estado é a saúde: um direito de todos.
Já imaginaram como seriam ótimos os serviços públicos se a classe média detentora de uma fatia substancial do saber, do dinheiro que movimenta o país, do pagamento de impostos e da tolerância se impusesse politicamente cobrando o que lhe é de direito?
Equivocadamente ouvimos comentários do tipo: “Sabe Sicrano, até a esposa do Fulano de Tal, uma pessoa bem situada economicamente consulta no “postinho” e pega remédio no SUS?” Correto. O SUS é para todos e, a rigor, são os bem situados economicamente que dão a maior contribuição para sustentar o serviço. Portanto, nada mais lógico e de direito que todos, sem distinção, se beneficiem do serviço público.
Também é importante salientar que os serviços públicos não acontecem de graça, pois você já os pagou e, diga-se de passagem, muito bem pagos. Todo dias somos convidados a trabalhar uma fatia maior de dias para pagamento de impostos para o Estado com o argumento que assim seremos mais bem amparados, promessas que ficam num retorno em serviços que teimam em ficar aquém do digno e do necessário.
Por outro lado se você pensa que o Estado é “pobrezinho” e ainda não é hora da contrapartida, gostaria de dizer que tem gente que não pensa assim. A saúde pública é uma bela oportunidade de negócio de bilhões de reais, que para alguns empreendedores, rapidamente, é traduzida em milhões de dólares. A saúde é um nicho de negócio tão grande e polêmico do ponto de vista de interesses que, recentemente, também nos Estados Unidos tem sido alvo de acaloradas discussões. Para lembrar: no Canadá a saúde é pública.