SAÚDE MENTAL NA CRIANÇA

Quando se fala em criança, algumas ideias e conceitos relevantes vêm à tona entre nós, tanto abstratos quanto concretos como educação, desenvolvimento, saúde, limites, afeto, brinquedos, escola, entre outros. Uma etapa crucial e inicial na vida do ser humano, sempre objeto de discussões e debates nos meios socioeducativos, psicológicos e governamentais, a infância se estabelece como uma fase merecedora de toda a atenção por parte da sociedade em geral, afinal, como se costuma dizer, até mesmo no senso comum, a criança representa, antes de tudo, o futuro de todos nós, de um país ou de uma nação.

Ao se tratar da saúde mental na infância, nunca é demais que se considere, a dimensão maior do termo saúde que abrange todos os aspectos e elementos cruciais para o perfeito desenvolvimento do seu bem estar total, que não deixam de incluir, além da estrutura sócio afetiva, lazer, aprendizagem, socialização, locomoção, acesso aos bens sanitários e de serviços, princípios fundamentais estabelecidos numa Carta Constitucional e majoritariamente, no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Diante disso, torna-se inviável, nos tempos atuais, a promoção do bem estar, segurança e proteção infantil, se não se levarem em conta esses princípios básicos e elementares que interferem na vida, no dia a dia, e na saúde dos pequenos como um todo. Esses aspectos vêm a ser determinantes para a afetividade e para a sua perfeita estruturação mental, o que não deixará de fazer extrema diferença nas fases posteriores de sua existência.

Dessa forma, devemos compreender uma criança numa postura holística, no seu todo, ou seja, quando o seu condicionamento físico se mostra apropriadamente saudável, além das perfeitas condições ambientais e sociais que a envolvem, consequentemente, isso trará benefícios e uma série de vantagens para a sua esfera mental.

A saúde mental na infância, então, passa a se referir aos fenômenos de ordem psicológica, afetiva, cognitiva e comportamental, mas, sempre em integração e consonância aos determinantes sociais, físicos e ambientais. Dito de outra forma e para efeito de exemplificação, imaginemos uma situação em que uma criança se acha exposta a um grau de extrema penúria e inópia, principalmente, em termos de moradia e higiene, e para piorar, a comunidade onde ela se insere, não dispõe de assistência médica adequada e qualificada, praticamente não propicia boas alternativas voltadas para o lazer e socialização, além da exposição constante à criminalidade e violência. É claro que à primeira vista, podemos preconizar a ocorrência de um inevitável e forte comprometimento, seja no âmbito sócio afetivo e emocional ou até mesmo nas habilidades cognitivas; todavia, esses problemas podem ser amenizados se pelo menos os familiares dessa criança souberem compensar toda essa falta e escassez com alguma dose de afeto, carinho, atenção e envolvimento. O fato é que a maneira como os pequenos lidam com as pessoas e objetos ao redor, as brincadeiras, se torna também um importante reflexo dessas variáveis e iniquidades envolvidas.

Apontam-se as iniquidades como uma série de pontos negativos que surgem em decorrência de inúmeros fatores sociais, geográficos e ambientais relacionados à renda, moradia, habitação, saneamento, trabalho, educação, escolaridade, transporte, acesso aos serviços de saúde, entre outros. Quando há uma enorme deficiência no cumprimento desses fatores, ou escassez desses serviços básicos ou ausência de políticas públicas, as iniquidades sociais são inevitáveis e muitas vezes, repercutem em vários tipos de mazelas e injustiças. Isso tudo acaba por aumentar e intensificar ainda mais as conhecidas desigualdades que já se acham alarmantes no nosso país. Não é preciso que se diga que as crianças se encontram entres as maiores vítimas desses problemas e anomalias. Muitas acabam por se sentirem renegadas, excluídas nos seus direitos, extremamente injustiçadas. De acordo com Pereira et al, (2004), a promoção da saúde “ propõe uma atuação que reverta situações de iniquidades com o objetivo que a equidade seja alcançada; onde possam ser criadas oportunidades para a justiça social... “ (PEREIRA et al, 2004, p.17)

No entanto, a família continua a ser o esteio, a base, a estruturação, o alicerce, de modo que muitas vezes, a criança passa a manifestar um tipo de comportamento, seja negativo ou positivo, que tenha estabelecido raiz no âmbito doméstico e familiar. Devem-se levar em conta ainda, as características de personalidade dos pais, todas as relações envolvidas entre as partes, além, é claro, os fatores culturais. Numa abordagem terapêutica sistêmica, cujos estudos e orientação se estendem, majoritariamente, à dinâmica da família, não são incomuns os casos em que um menino ou uma menina aparece como paciente identificado, mas na verdade, o verdadeiro problema se acha relacionado a alguma pessoa específica de sua casa ou até mesmo a todos que compõem o seu círculo domestico.

A fase da infância não deixa de ser extremamente delicada nesse sentido, já que a criança se mostra vulnerável a uma gama de influências externas; são comuns as alterações bruscas de comportamento e humor e, muitas vezes, ela recai numa condição de verdadeiro “bode expiatório”. Em casos como esse, os pais em vez de reconhecerem que atravessam situações de crise ou conflito e, consequentemente, buscarem algum tipo de ajuda profissional, põem-se somente a se queixar dos próprios filhos, alegando serem criaturas rebeldes, impossíveis, difíceis e problemáticas. Mediante isso, adversidades constantes, severas agressões físicas e verbais, sob o pretexto de educá-los, passam a ocorrer, quando na verdade, pelo menos nessas situações, descarregam toda a impaciência e sua carga de emoções e contrariedades sobre os pequenos. Nos tempos atuais, o estabelecimento de limites por parte dos pais e educadores é fundamental, mas desde que seja aplicado de maneira saudável e educativa e não extrapole a conduta do bom senso.

Devido à minha formação psicológica e psicoterapêutica, volta e meia, tenho a oportunidade de interagir profissionalmente e lidar mais proximamente com crianças de diferentes idades e conhecer as peculiaridades inerentes a essa fase. Sabe-se que há variadas formas de se trabalhar com elas, sendo que muitas se remetem às brincadeiras e atividades produtivas. O material geralmente é bastante diversificado e inclui desde massinhas de modelar, argila, papel, cartazes, revistas, lápis de cor, bonecos, animaizinhos, blocos de montagem...

A tradicional técnica do desenho além de bem estimulante para os pequenos, induz, devidamente a interação, a criatividade. Através da reprodução por meio do lápis, de várias situações envolvendo natureza, pessoas da família e bichinhos, a criança, à sua maneira, passa a conceder sentido à própria realidade. Como se trata de uma técnica projetiva, ela consegue transferir para o papel, elementos e características inerentes à sua personalidade, mesmo que de forma inconsciente, como costuma se afirmar. É claro que ela não irá projetar todos os seus problemas referentes ao afeto e comportamento de uma só vez, mas diante do papel branco, é como se a criança encontrasse um aliado satisfatório e uma forma interessante, ao mesmo tempo, prazerosa, de manifestar o seu processo de subjetividades; daí a importância também da utilidade desse método para os menores com idades de quatro, cinco, seis anos, ou para aquelas com sérias dificuldades de verbalização, em decorrência de problemas traumáticos, mentais ou cognitivos. Vale lembrar que é imprescindível que se trabalhe essa técnica, não isoladamente, mas sempre acompanhada de outras oportunas, a considerar ainda a necessidade de que se façam entrevistas prévias com os pais ou responsáveis pelos meninos.

Dessa forma, é notória a abrangência do conceito de saúde mental na infância, e sua compreensão precisa se estender a muitos outros aspectos indispensáveis, numa alusão a todos os fatores, elementos, reflexos, apontados anteriormente. O âmbito de relações, afetividade, comportamento, ambiente familiar, iniquidades sociais, nunca devem ser desprezados para o seu devido entendimento. Vivemos numa época em que se percebe cada vez mais a exigência das necessidades de atenção, preocupação, amparo ao ser infantil, visando à perfeita promoção do seu bem estar frente ao mundo ou à sociedade. A busca de melhores dias e a construção de uma maior cidadania no futuro passa a depender de tudo isso.

Fonte: PEREIRA, I. B. M. et al. Promoção de saúde: porque sim e porque não? Revista Saúde e Sociedade, v.13, n.1, p. 14-24, jan-abr 2004.

Wagner Andrade
Enviado por Wagner Andrade em 01/12/2017
Código do texto: T6187524
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.