Médicos versus Dentistas: a luta pela estética facial
 
Fabio Anibal Goiris
A mudança de paradigma é uma expressão utilizada por Thomas Kuhn no seu livro Estrutura das Revoluções Científicas (1962) para descrever uma transformação que ocorre nas concepções tradicionais, dando lugar a novas perspectivas dentro da ciencia dominante. A Odontologia, por exemplo, vem passando por uma mudança de paradigma no que se refere à estética facial. Mas, uma troca de paradigma carrega consigo também fatores ou elementos sociais, políticos e pessoais (subjetivos), pois, caso contrário, não haveria necessidade da substituição de um paradigma por outro.
Tradicionalmente a Odontologia não incorporou no seu arsenal terapêutico a questão da harmonização ou estética facial. Apenas os médicos, especialmente os especialistas em cirurgia plástica, poderiam atuar nesta área. Este era o paradigma. Mas, a Resolução 176/2016 do Conselho Federal de Odontologia (CFO), autoriza que a utilização de toxina botulínica (botox) e de outros preenchedores faciais e inclusive de Lifting facial com fios de sustentação de formação de colágeno e tração mecânica podem ser realizados para fins estéticos pelo cirurgião-dentista, desde que não extrapole sua área anatômica de atuação.
Como resposta a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) entrou na justiça para impedir que a classe odontológica possa realizar os procedimentos. Um inquérito foi aberto e uma audiência está marcada para 11 de dezembro na 5ª. Vara Federal, no Rio Grande do Norte, para tentar resolver a questão. É preciso esclarecer que não existe relação de hierarquia entre os conselhos federais de cada classe.
A grande arma na mão dos médicos é que eles possuem a Lei do Ato Médico (Lei 12.842), aprovada em Brasília em 2013, a qual determina que a execução de procedimentos invasivos é de competência médica. Isto significa também que a utilização de cirurgias estéticas é de exclusividade dos médicos. Mas, a aprovação desta lei teve problemas. Por exemplo, o projeto de lei transformaria a prática da acupuntura em privativa dos médicos, o que iria contra a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Sistema Único de Saúde. A presidenta Dilma Rousseff, na época, vetou este trecho em favor dos acupunturistas.
Os cirurgiões-dentistas argumentam que após 5 anos estudando a anatomia e histologia da face, teriam conhecimento suficiente para a aplicação de terapias estéticas. Alguns dentistas afirmam que a restrição feita pelos médicos está relacionada muito mais a uma reserva de mercado e não necessariamente a uma questão técnica. Por seu lado, os médicos argumentam que o mais importante é a segurança dos pacientes, particularmente nos casos de possíveis complicações. Eles afirmam que tem aumentado os casos de pacientes com problemas relacionados a operações de harmonização facial. As complicações podem ir de alergias até isquemias (obstrução de vasos sanguíneos), o que pode levar à necrose da região.
Algumas conclusões podem ser pensadas em face deste novo paradigma: 1) Existe uma necessidade de o cirurgião-dentista ter cursos de capacitação extensivos e sempre legalizados pelos CFO e CRO; 2) É importante iniciar aulas específicas nos cursos de graduação, pois, são procedimentos que fogem à sua formação profissional; 3) Sem dúvida os médicos tem mais capacitação para diagnosticar e tratar os casos de complicações; 4) Cada país tem regras diferentes o que dificulta um consenso (nos EUA apenas em parte é permitida a realização pelos cirurgiões-dentistas); 5) Haverá de existir um dia entendimento para a multidisciplinariedade? e 6) Os grandes perdedores por enquanto são os pacientes que não sabem a quem recorrer. São dilemas do surgimento de novos paradigmas que somente a passagem inteligente do tempo poderá dissipar.

O autor é professor adjunto do Curso de Odontologia da UEPG; especialista, mestre e doutor em Periodontia. Mestre em Ciência Política. Endereço: fgoiris@hotmail.com