FENOMENOLOGIA, UM MÉTODO PARA A PSICOLOGIA

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A fenomenologia é uma filosofia que busca descrever as essências dos fenômenos, abstratos ou concretos. Mas ela também tem se tornado importante como um método, uma ótica ou uma perspectiva, cuja influência advinda da tradição filosófica ocidental, nos ensina a percebermos as coisas ou os entes da forma como estes aparecem ou se mostram à nossa consciência, tal como são em si mesmos. Pois o que mais interessa é a vivência obtida no próprio ato de perceber, numa percepção que desvela o sentido daquilo que estava oculto. Sendo assim, o que importa é a experiência mais originária da percepção de um dado fenômeno, como por exemplo, do que acontece nas inúmeras situações que emergem no vasto mundo, familiar ou desconhecido.

Marleau-Ponty, na introdução de sua obra magna, A fenomenologia da percepção, dá uma boa definição a respeito da fenomenologia tal como foi inaugurada por Husserl: ''A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Mas a fenomenologia é também uma filosofia que repõe as essências na existência, e não pensa que se pode compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a partir de sua 'facticidade'. É uma filosofia transcendental que coloca em suspenso, para compreendê-las, as afirmações da atitude natural, mas é também uma filosofia para qual o mundo já está sempre 'ali', antes da reflexão, como uma presença inalienável, e cujo esforço todo consiste em reencontrar esse contato ingênuo com o mundo, para dar-lhe enfim um estatuto filosófico''.

O ser percebido, na sua aparição, se revela e se manifesta àquele que é capaz de dar um significado peculiar ao que está no limiar da sua consciência perceptiva. É pela vivência, ou melhor, pela própria experiência de tudo o que nos rodeia (onde a consciência atribui significado ao ser da coisa que se descortinou na sua totalidade) que podemos descrever o fenômeno na sua essência. A consciência nada mais é do que um ato em direção a tudo aquilo que pode ser percebido e desvelado, um ato em direção ao objeto percebido, imaginado ou até mesmo memorizado. Portanto, como disse o filósofo alemão, Edmund Husserl, toda consciência é consciência de alguma coisa. Nessa perspectiva, a fenomenologia pode ser definida como uma ciência das essências voltada à descrição e à análise destas. Reale, no seu livro ''A história da filosofia: do romantismo até os nossos dias'', define o interesse da fenomenologia da seguinte forma, tendo em vista sempre a descrição das essências: ''Essências que se tornam objeto de estudo se o pesquisador, estabelecendo-se na atitude de espectador desinteressado, liberta-se das opiniões preconcebidas e, sem se deixar envolver pela banalidade e pelo óbvio, saiba ver e consiga intuir (e descrever) aquele universal pelo qual um fato é aquilo e não outra coisa”

Profundamente influenciado por Ditley e Brentano, Husserl elabora com mais detalhes, e a partir dessa concepção da consciência enquanto ato, o conceito de intencionalidade. Nessa concepção, podemos dizer que damos, cada indivíduo ao seu modo, sentido às coisas que nos rodeia, ou seja, cada coisa, situação e relações que estabelecemos, damos um significado peculiar, assim como cada pessoa tem um significado para as nossas vidas. Com efeito, a intensidade de uma determinada pessoa que amamos, por exemplo, tem haver com os significados que também atribuímos ao sentimento de amar e o que significa o próprio amor para cada um de nós. Mas também podemos afirmar que o amor que manifestamos por um outro ser humano, tem haver com a importância que damos à aventura da relação interpessoal estabelecida, além do valor que damos, simbolicamente, para o ser com qual nos relacionamos, ou seja, o quanto essa pessoa, por tudo o que vivemos com ela e por tudo o que a (con)vivência revelou ao longo do tempo, foi importante para a nossa existência.

Para que haja uma atitude fenomenológica, propriamente dita, precisamos abandonar a atitude natural de vermos o mundo, ou seja, colocar entre parênteses ou suspender o juízo das opiniões (doxas) e ideias que são pré-concebidas e pré- fabricadas. O nome dessa atitude vem da tradição grega e ressurge depois na era medieval e se chama epocké, que quer dizer suspender o nosso julgamento sobre coisas que não temos certeza, mas é com a fenomenologia que esse termo ganha uma nova roupagem! A atitude natural de percepção das coisas, tão própria do senso comum, não deve ser abandonada por inteiro, mas apenas para que possamos ter um contato mais imediato e originário com os fenômenos.

(Re)aprender a perceber o mundo, na perspectiva do filósofo francês Marleau-Ponty, é importantíssimo para o desenvolvimento de uma ciência da subjetividade, onde sujeito e objeto entram numa relação simbiótica e indissociável, ou seja, estão ligados pela intencionalidade do Dasein. Nessa perspectiva, consciência e mundo se associam numa complexa trama; também é importante que consideremos a cultura de um povo a exercer influência no legado de uma nação, uma cultura responsável por moldar as mais variadas relações estabelecidas entre pessoas tão diferentes entre si.

É pelo caminho da intencionalidade, um conceito esboçado primeiramente por Brentano e, em seguida, desenvolvido por Husserl, que tais pensadores buscaram fazer a superação da dicotomia sujeito-objeto, estabelecendo uma ponte para a correlação entre ambos. Partiram da perspectiva de que é por intermédio da transcendência da consciência intencional, que podemos pensar o ser humano na sua relação com o mundo em que vive.

De fato, ao se relacionar com tudo o que o cerca, o ser humano não deixa de ser influenciado por ideologias, ideias e conflitos, pois está lançado num mundo do qual não escolheu estar ali; mas ao mesmo tempo, é movido por escolhas, vontades e projetos de vida. Penso que na maior parte das vezes, os frequentes choques entre indivíduos e sociedade, acontecem em razão das relações humanas movidas pela ganância, por vínculos sociais impregnados pela ânsia da competitividade e pela total banalização do amor entre os homens (devemos sempre levar em consideração a nossa cultura consumista e capitalista, pois integra o mundo circundante no qual qual vivemos).

Enfim, o mundo do dasein que a fenomenologia estuda é aquele com o qual estabelece relações; de fato, as ações de um dasein (que é o próprio ente que tem condições de interpelar e pensar a respeito do seu próprio ser, haja visto que entre as possibilidades de ser, é a de fazer questionamentos a respeito de sua própria condição) são sempre imbuídas de significados, valores e razões atribuídas.

E enquanto um ser humano específico ou dasein (um termo constantemente utilizado por Heidegger) atribui sentido aos fenômenos ao seu redor, também se depara com Daseins cujos valores, crenças e pensamentos podem ser convergentes ou até mesmo divergentes, amplificando o grau da dificuldade para uma compreensão mais detalhada de como se dá a dinâmica das relações sociais. É, portanto, inevitável que nessa inter-relação entre seres humanos com culturas e pensamentos diferentes (nessa relação entre homens tão singulares) haja conflitos e dissonâncias. Na complexa teia das relações humanas, sempre pode haver divergências entre o que um ser humano pensa e sente, com os pensamentos, as crenças e os valores dos demais seres humanos com os quais se relaciona. Dessa forma, torna-se imprescindível a perspectiva fenomenológica, pois é uma abordagem teórica riquíssima para pensar e repensar os fenômenos sociais, sem deixar de ressaltar a importância de tecer reflexões acerca da existência e do ser de cada ser humano na sua singularidade!

A fenomenologia, enquanto método vindo da tradição filosófica ocidental, tem grande interesse em estudar as relações em sociedade; que, por sua vez, pode tal método estabelecer um diálogo fecundo e interessante, especialmente com a psicologia e com a sociologia. Dessa maneira, sempre pode haver problematizações e ideias profundamente ricas a serem desenvolvidas através da reflexão filosófica!

O mundo que esse método vai procurar desvelar, portanto, é o da subjetividade ou, numa linguagem mais heideggeriana, é o espaço onde um dasein se constitui. O Dasein, ou o ente, ou então o ser humano está sempre inserido num contexto amplo de determinações e condicionamentos sociais. É imprescindível para os fenomenólogos as vivências íntimas que o Dasein experimenta em sua relação com o mundo, enfatizando, com essa abordagem, a própria experiência que ele tira das suas interações na sua cotidianidade, ora quando mantém relação com um objeto inanimado, ora quando estabelece relação com outro ser humano ou ser vivente.

A fenomenologia, fazendo a descrição de todos os fenômenos que se manifestam e se mostram à consciência e à percepção, resgata o mundo vivido, ou seja, o mundo em que estamos familiarizados e podemos através dele revelar tudo aquilo que nos toca e afeta. Espera-se que com essa atitude possamos manter e estabelecer um contato mais originário com os fenômenos, abstratos ou até mesmo concretos. Esse termo é de origem grega e significa aquilo que se mostra ou se revela, daí a enfase de muitos teóricos em enfatizar a questão da existência humana e tudo o que faz parte dela, uma vez que esta é um mostrar-se constante, ou seja, está sempre em um processo de aparição àquele que percebe, sendo a mesma um fenômeno, onde uma análise aprofundada é capaz de desvelar, através do ato da percepção, a sua manifestação no mundo; só assim, portanto, conseguiremos compreender detalhadamente tamanha riqueza de estados, sentimentos, emoções e sensações a que estamos sujeitos durante o tempo fugaz em que vivemos.

A fenomenologia vem a ser, então, como afirmou Marleau-Ponty, uma filosofia transcedental; enfatiza, pois, a importância da consciência intencional, onde os objetos, os entes e tudo o que mostra, sempre são exteriores à consciência, ou seja transcendem a mesma. Mas e quanto a consciência que temos de nós mesmos e de nossa própria interioridade: não poderia fazer parte de um estudo fenomenológico, de um projeto que busca fazer a descrição das vivências mais íntimas do indivíduo? É a dialética entre o interior de um indivíduo (com seus conteúdos internos, ou seja, suas apercepções e sensações, pensamentos e memórias mais íntimas, além de suas dores, angústias, desejos, sonhos e fantasias) e o que está fora de si mesmo, o seu exterior (os objetos que o circunda, as pessoas que mantém relações e os lugares que frequenta) o horizonte mais propício para um um estudo ontológico do ser humano e para uma análise mais sistemática do existir. As elucidações do ser e seus existenciários (para usar uma expressão de Heidegger que coloca em questão a: temporalidade, espacialidade, afinação, si mesmo, entre outros) não só podem favorecer o tratamento dos pacientes psiquiátricos, como também dar um entendimento mais amplo do ser humano e de sua existencialidade.

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E a psicologia sem dúvida foi uma das ciências das que mais se enriqueceram com esse método, sendo ela uma ciência do espírito (para usar uma expressão utilizada por Husserl e Ditley), cujo saber se distancia consideravelmente das ciência da natureza com seu rigor e objetividade, uma vez que deu boas condições para que o psicólogo passasse a entender o paciente e o seu mundo circundante de forma mais abrangente e ampla, o que não significa que essa forma de compreensão é melhor do que as outras abordagens, e sim que esta é uma outra forma de compreender o mundo do paciente e as suas motivações, especialmente aquela que o impeliu a pro-curar a psicoterapia.

No livro ''Introdução à psicologia fenomenológica: a nova psicologia de Edmund Husserl'', o autor Tommy Akira Goto, ao se referir sobre o esclarecimento do problema transcendental e a função da psicologia nesse contexto, nos dá uma luz sobre o pensamento de Husserl para a psicologia e a sua contribuição para a elaboração de uma psicologia genuinamente fenomenológica: ''A tarefa que Husserl assumirá nessa parte, como o próprio título relata, será esclarecer definitivamente o problema da filosofia transcendental, via fenomenologia transcendental, e inserir a via psicológica como um possível caminho no (re)descobrimento da subjetividade transcendental. Desse modo, Husserl organizou essas tarefas em dois momentos: a) a via de acesso pela fenomenologia transcendental, mediante a reconsideração do mundo-da-vida, o mundo pré-dado; e b) a via de acesso à filosofia transcendental fenomenológica a partir da psicologia. No que tange ao segundo momento, Husserl propõe uma nova psicologia- psicologia fenomenológica- refutando a psicologia científica como ciência fundadora ou originária da subjetividade''.

Mas indo para outro ponto, podemos refletir que uma série de fatores, motivações e dificuldades contribuem para que o paciente tome a resolução de buscar a psicoterapia. Sem dúvida, podemos imaginar um tal paciente numa situação de sofrimentos e angústias, no qual o psicólogo se prontifica a analisar. Ao revelar ao psicólogo todas as suas experiências e motivações, além da hipótese da causa de um trauma ou de uma neurose, está em boas condições para superar suas dificuldades, haja vista a honestidade em ser claro e coerente no que expressa.

Tal ser humano, sendo capaz de denunciar (com seus gestos e atitudes) o seu sofrimento, além das vicissitudes a qual a sua vida esteve sujeita, pode manifestar tanto uma certa confiança, carinho, amor e gratidão com o seu psicoterapeuta, sem o qual seria impossível estabelecer qualquer vínculo afetivo positivo; quanto uma certa desconfiança, hostilidade e insegurança. No primeiro caso, temos o que Freud e Jung chamaram de transferência positiva, no qual o Dasein transfere para o psicoterapeuta sentimentos positivos e em muitos casos tratando o analista como um pai ou amor da sua vida; no segundo caso, temos a transferência negativa, no qual o paciente pode, por exemplo, tratar o seu analista ou psicoterapeuta com hostilidade e ódio como se este fosse um inimigo em potencial, produzindo, nesse caso, uma relação conturbada.

Penso que quando tal dificuldade, ou melhor, quando as doenças psíquicas mais graves se apresentam, é perceptível a obstrução dos horizontes das possibilidades existenciais desse indivíduo. Num caso delicado como esse, é inevitável que o sentido de sua vida fique comprometido; consequentemente, a liberdade na hora de buscar outras possibilidades de existência mais autêntica e responsável, também se torne prejudicada. É diante dessa situação, que o papel do psicólogo (enquanto agente de mudanças, como aprendemos no curso de psicologia) se torna imprescindível!

A maior negligência com a vida, a maior que um profissional da saúde pode cometer, é acreditar que a doença do enfermo deve ser eliminada em prol apenas das exigências de uma sociedade como a nossa, quando na verdade é a sua qualidade de vida que deve ficar em primeiro plano.

Não adianta também ficar apenas receitando remédios e mais remédios com o intento de eliminar os seus males, pois isso não cura o paciente psiquiátrico e sim o deixa entorpecido e sem qualquer vitalidade.O que mais importa então é a saúde de alguém que por algum motivo deixou de viver uma vida mais digna, acreditando de forma absoluta numa realidade que o atormenta. A pré-ocupação com uma subjetividade esvaziada de sentido na vida é sem dúvida um caminho que o profissional da saúde precisa percorrer se quiser dar condições de melhorar uma vida quase condenada pela atitude de medicalização.

Essa situação, de extrema necessidade de cuidado, nos provoca e convida, é claro, para a reflexão sobre a nossa própria condição de seres finitos, porém sempre em busca de um sentido para a existência.Tendo consciência plena disso, talvez seja possível olhar essas pessoas, chamadas pela sociedade de ''loucas'', como seres que necessitam de cuidado, compreensão e atenção, atitudes que fazem a diferença e podem mudar o curso de uma vida!

Françoise Dastur e Philippe Cabestan, no livro Daseinsanálise: fenomenologia e psicanálise, expõe o que Boss (psiquiatra e psicólogo de inspiração profundamente heideggeriana) entende por corpo e o que isso implica para a compreensão de uma enfermidade: ''O que é, então, o corpo vivente (Leib)? Não um corpo (K6rper) presente à vista que se limitaria pela epiderme, mas inicialmente uma modalidade uma abertura do Dasein no mundo. Boss escreve: 'a corporeidade (Leiblichkeit) pertence inteira e imediatamente à abertura do homem no mundo (Weltoffenheit). Ela não é outra coisa senão o domínio (Bereich) dessa abertura se mostrando sob a forma corporal'. Desse modo o corpo é a condição de nossa relação com o mundo; 'o meio indispensável de realização de nossas relações com o mundo' ''. (pág.121).

Essa perspectiva fundada na fenomenologia de Heidegger (na qual Boss foi um grande adepto, cujo mérito foi repensar problemática existencial dos enfermos e também levar à medicina e à psicologia as intuições heideggerianas ) não trata o corpo como um objeto passível de contrair uma enfermidade que deve ser amenizada pelo médico, mas como algo que integra o meu ser e que pertence inteiramente a mim, cuja condição é de abertura no mundo. O homem, segundo Boss, não é, por exemplo, alguém que têm um cérebro como alguém que possui uma máquina de calcular. Na verdade, ele mesmo é seu cérebro, ''na medida em que, enquanto Dasein, ele vive corporalmente (Leibt) através, entre outras coisas, de sua corporeidade cerebral''. (pág.122).

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Durante a vida de todos nós seres humanos, descortina-se possibilidades de escolha; ou melhor, cada um de nós têm diante de si alternativas de existência e de projetos que estão de acordo com nossos modos de ser possíveis...É inevitável que enquanto existirmos nos deparemos com escolhas e decisões angustiantes e difíceis! Porém, há pessoas que perdem, por alguma razão de ordem fisiológica ou emocional, a capacidade de tomar decisões coerentes com sua própria maneira de ser.

E, assim, quando a liberdade de ser si-mesmo se torna prejudicada, surge doenças que provocam o fechamento dos horizontes das possibilidades existenciais de um se temporariamente adoecido, especialmente aquelas doenças de ordem emocionais que podem se tornar somáticas caso o problema continue persistente. Há casos de pacientes que o recurso dos remédios podem ser eficazes na diminuição de um sintoma; porém o sofrimento e a dor no qual estão submetidos, podem ser atenuados através da compreensão, da escuta, do cuidado e de gestos profundos de amor.

A respeito do que podemos entender por saúde e doença na perspectiva Daseinsanalítica, uma orientação baseada nos pressupostos filosóficos de Heidegger e inspirado na sua fenomenologia, menciono um trecho de Ida Elizabeth Cardinalli, no livro Daseinsanalyse e esquizôfrencia: ''Vê-se que a doença e a saúde estão orientadas, ao mesmo tempo, pelo poder realizar e pelo ser livre, isto é, pela habilidade do homem de realizar seu existir e pelo comportamento mais ou menos livre diante do que encontra. Na doença, ocorre uma privação mais acentuada de realizar livremente seu existir, enquanto, na saúde, esse realizar se mostra pelo poder dispor mais livremente das possibilidades de relação que se apresentam na abertura do mundo de uma pessoa específica''.

O importante é ficar claro, precisa que haja consciência, que numa relação entre paciente e psicoterapeuta (ou demais profissionais da saúde que estão comprometidos em favorecer o paciente na sua qualidade de vida), o que existe não pode ser uma subjetividade neutra preocupada com um objeto opaco e sem vida ou, o que é pior, um simples objeto estudado por médicos e fisiologistas, biólogos e anatomistas. Mas, muito mais do que meramente um estudo sistemático e impregnado de saber científico, existe antes de mais nada uma relação ou um vínculo que se estabeleceu entre um ser humano com sua subjetividade em condições de fazer interpretações do fenômeno da doença, com outro ser humano com sua singular subjetividade que, por algum motivo, passou a dar significados em certas coisas aparentemente insólitas para a grande maioria das pessoas.

Existe, então, na relação estabelecida entre terapeuta e paciente (ou mesmo entre duas pessoas que convivem num ambiente onde há escuta, interpretação e compreensão), uma relação intersubjetiva que demanda uma longa convivência, durante um processo que exige por parte do profissional muito cuidado com o outro. É possível que o profissional da saúde pode, se for cauteloso na espera do tempo de seu paciente, auxiliá-lo na sua qualidade de vida e no processo de reabilitação progressiva desse ser temporalmente doente, através de uma escuta compreensiva, embora com possibilidade de tornar-se sadio ou, o que é mais frequente, em condições de lidar melhor com seu sofrimento ao perceber que pode ser compreendido e ouvido por aquele que procura cuidadosa e pacientemente ouvi-lo. É isso que se pode chamar de cura, mas no sentido de se eliminar algum mal, mas no sentido de dar condições ao dispor de um espaço onde o discurso do paciente possa livremente se manifestar; e para que o mesmo assuma a responsabilidade pela sua própria existência; e que, possa, por autodeterminação, levar adiante sua capacidade de buscar outras possibilidades mais condizentes com sua personalidade e seus modos de ser. Mesmo que demande tempo e paciência, é importante que haja respeito pelo processo demorado de reabilitação do ser enfermo, um processo que demandará sempre delicadeza, atenção e dedicação, ora do paciente, ora do psicoterapeuta, ora (se for o caso) dos demais profissionais da saúde que participarem desse processo tão delicado.

Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 26/11/2016
Reeditado em 24/12/2020
Código do texto: T5835444
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