Nosologia e tratamento da histeria nos dias atuais
O campo da Neurose Histérica continua sendo um mistério a luz da ciência atual e longe do alcance de tratamento simples pela dificuldade em encontrar uma razão biológica que determine o desenvolvimento dos sintomas variados, incomuns, bizarros e, muitas vezes, transitórios. Além disso, seu quadro clínico é frequentemente modificado, dissimulado e adequado aos valores de nossa cultura . Outra das grandes dificuldades que demonstram certo retrocesso às pesquisas empíricas realizadas pela clinica psicanalítica é a quebra da nosologia da histeria como uma patologia, sendo seus sintomas deslocados para diversos tipos de transtornos de personalidade, dissociativos ou psicóticos, necessitando um saber específico para fazer o diagnóstico diferencial, o que dificulta a noção prévia desse tipo de sintomas como em atendimentos realizados por médicos clínicos.
Estamos atualmente voltados para uma cultura do imediatismo, onde a psicofarmacologia é vista como o santo graal para as dificuldades psíquicas. Dentre essas drogas utilizadas, estão o uso de barbitúricos, remédios que tem como efeito calmante, hipnóticos e já foram muito pesquisados para o tratamento de esquizofrenia, epilepsia e demais patologias incuráveis no seio de hospitais psiquiátricos. O problema desses remédios é a forte relação de dependência que criam, bem como estados de ansiedade ocasionados pela abstinência a esses calmantes
O tratamento analítico, ainda hoje é visto como principal método para a “cura” da antiga histeria que se subdivide em transtorno de personalidade histriônico e transtorno dissociativo. Com a semiologia atual é necessário o diagnóstico diferencial para encontrar o tratamento ideal para o paciente. Normalmente as pessoas com transtorno histriônico não são submetidos a tratamento medicamentoso, e sim a algum tipo de psicoterapia. Contudo para os sintomas dissociativos algumas pesquisas e métodos psiquiátricos se voltam para o tratamento analítico acompanhado de calmantes, método comumente utilizado para os sintomas histéricos pós-guerra pela dificuldade de fazer uma escuta individual. (LAMBERT,1944).
No artigo clássicco “Intravenous Barbiturates in the treatment of Hysteria” de Lambertt e Ress, foi feita uma pesquisa com pacientes que relacionava o tratamento analítico junto com o uso de calmantes intravenosos para criar um estado hipnótico, com a hipótese que ajudaria a cura de sintomas amnésicos e somáticos relacionados à histeria. A técnica deles consistia em estabelecer um rapport e depois aplicar uma injeção que era dita ao paciente como algo que iria ajudar a cura. Era instruído então para que ele contasse regressivamente do numero cinquenta ate o zero, onde a injeção era interrompida caso ele entrasse num estado de euforia, pegasse no sono ou contasse de forma errada ou no sentido normal em vez da forma regressiva, como fora instruído. Como resultado dessa pesquisa, os benefícios desse método não foram maiores do que qualquer intervenção analítica, contudo ainda afirmam a velocidade da cura é vista como mais rápida pois os remédios provocam desinibição e retiram as dores somáticas. As desvantagens desse método foram em alguns pacientes a ausência de um descanso motor e a dificuldade de conter pacientes a não se automutilarem, que no artigo é dito estar relacionado à crença do paciente que ele sofria de alguma doença física e não psicológica.
Embora esse artigo seja antigo e tenha algumas noções antiéticas que eram comuns na época em hospitais psiquiátricos, não me parece que a visão da saúde para esse tipo de pacientes, e bem como a tentativa de utilizar a farmacologia como substituta a terapia no campo da neurose tenha mudado tanto assim. Os sintomas histéricos ainda estão relacionados pelo senso comum ao fingimento ou a simples loucura (uma vez que se pense em um sintoma psicológico somente); devendo ser tratado por um psiquiatra ou um profissional de saúde mental, alegando-se que não há formação para tratar esse tipo de psicopatologia. Graças a isso os “histéricos” atuais geralmente se voltam ao abuso de medicamentos e a falta de aderência a tratamentos psicológicos, aparentemente desejando manter seus sintomas, algo que faz muitos profissionais de saúde os considerar-lhes inabordáveis e intratáveis. Muitas vezes o encaminhamento para saúde mental é visto como uma desistência por parte dos médicos clínicos, como se a equipe não acreditasse na veracidade de suas queixas e lhes dificultassem a permanência no sistema de saúde.
Caso Dora: dificuldades equivalentes atuais para o tratamento de Histeria.
Dora foi uma das pacientes clássicas de Freud que não aderiu ao tratamento como fora desejado. Pensa-se hoje que um dos motivos para a não aderência ao tratamento tem correlação ao que a família desejava de Freud, retirar a crença de que o Senhor K. haveria molestado Dora, ou os supostos “delírios” que havia uma relação entre o Pai e a Senhora K.. Freud acreditava que fora sua abordagem estar muito centrada na relação afetiva entre Senhor K. e que não se voltara para a hipótese de uma admiração homoafetiva entre a garota e a esposa de seu “molestador”. Embora as causas da não aderência ao tratamento dessa garota à psicanálise possam ter sido diversos, creio que se esse caso fosse atendido atualmente os resultados do abandono não seriam de certa forma diferentes.
Como já foi dito anteriormente no texto, a histeria deixou de ser um diagnóstico médico, sendo convertida pelo manual DSM-IV como aspectos de transtorno de personalidade histriônico, transtorno dissociativo, transtorno somatoformes, ainda com sintomas ligados a transtornos neuróticos. Creio que atualmente, se um médico psiquiatra fosse tratar essa garota e sua orientação não fosse psicanalítica, iria recorrer a o tão criticado manual estatístico de transtornos mentais.
Contudo, o diagnóstico tendo em vista o que foi relatado por Freud não seria muito fácil, pois essa garota aparentaria ter tanto transtornos do eixo II (histriônico) como critérios para preencher um transtorno somático. Para ser classificado como “portadora” de um transtorno histriônico, os sintomas mais comuns a ser apresentado são a procura por aprovação ou reafirmação, comportamento dramático com expressões exageradas de emoção, excesso de sensitividade a criticas ou desapontamentos, comportamento provocativo sexualmente, preocupação extrema com a aparência, gosta de ser o centro das atenções, tendência a considerar relações mais tímidas do que são, influenciada pelos outros, e tentativas de suicídio para conseguir atenção. Muitos desses sintomas jamais saberemos se Dora possuía, pois a descrição de Freud estava centrada em seu tratamento e de como ele procedeu. Ainda assim, não é algum tipo de sintoma que você enxergaria através de uma semiologia rápida que clínicos gerais costumam fazer, sendo identificado o transtorno apenas durante a psicoterapia.
Já para os sintomas somáticos são relacionados a uma historia de sintomas desse tipo antes de possuir trinta anos e que tenha se prolongado durante muitos anos, dor em pelo menos quatro pontos diferentes do corpo, dois problemas gastrointestinais como vomito ou diarreia, um sintoma sexual como a perda de libido e um sintoma pseudo-neurologico como cegueira, afonia e entre outros. Dora certamente teria uma perda de libido após sua reação estranha ao incidente do lago, sua afonia era algo constante quando Senhor K. ficava ausente, e sabe-se que esse sintoma prolonga-se desde sua infância. Contudo seus problemas gastrointestinais não são comprovados, bem como a dor em locais específicos do corpo, não se encaixando ao rotulo de transtorno somático somente. Contudo, o transtorno histriônico aos moldes do DSM também é incapaz de descrever a realidade subjetiva que se encontrava Dora, trazendo a hipótese que ela não possuiria apenas um transtorno.
Seus sintomas tinham origens multifatoriais, possivelmente ela seria classificada com várias comorbidades (até mesmo transtorno bipolar, se seu diagnóstico fosse feita por um mal profissional), e tomaria uma ampla gama de medicamentos antidepressivos e calmantes. Seria evidentemente encaminhada a um especialista, e nesse interim possivelmente não buscaria tratamento algum, tendo a crença que seu sintoma é físico e que apenas o seu remédio bastará. Pelo menos é esse o fato que se repete a muitas pessoas que sofrem dessa patologia nos tempos atuais.
Talvez essa ideia venha desde o desaparecimento da histeria como classificação medica e o preconceito adquirido acerca dos sintomas da neurose histérica e sua relação “não cientifica” com a psicanálise. Muito possivelmente médicos mais conservadores dariam ainda o diagnóstico de simulação para essa pessoa, ou simplesmente a encaminhariam a um especialista saindo fora de sua alçada. Isso ainda gera um ciclo vicioso de não tratamento pela deficiência de um saber lidar com as pessoas que possuem a histeria como sintoma. Essa dificuldade é ocasionada pelo pouco tato dos profissionais de atenção primária de como lidar com a saúde mental, levando o paciente a diversos encaminhamentos e com pouca resolutividade.
Dora mesmo com especialista nos sintomas dela, abandonou seu tratamento, não sei se por que relacionou como se o tratamento fosse uma punição por sua “tentativa” de suicídio ou por que realmente possuía um diagnostico de transtorno histriônico e não aceita desapontamentos e questionamentos ocasionados por Freud. Além de ser difícil o diagnóstico preciso dessa ampla gama de sintomas através de um manual “á-teórico”, ainda permanece a dificuldade de fazer o paciente neurótico aceitar seus sintomas, desmistificar suas dificuldades e principalmente evitar o uso desenfreado de psicofarmacos para aliviar sintomas.