SAÚDE INTEGRAL & QUALIDADE DE VIDA
Em pleno Séc. XXI (3º Milênio) deparamo-nos com um quadro que reflete uma realidade social cada vez mais caótica e desarmônica, retratada em uma série de fenômenos/transformações catastróficas envolvendo não apenas a estrutura geográfico-ambiental de nosso “querido” planeta, como também a organização demográfica de nossos continentes e países, sem esquecer a estrutura político-social destes últimos, onde variadas doutrinas filosóficas e religiosas investem forte e sutilmente na propagação de conceitos/princípios sociais/espirituais no sentido de destacar os incisivos/contundentes indícios de que a Terra está sendo “vítima de uma apocalíptica intervenção divina”; aspecto este que tem estimulado a muitos, inconscientemente, buscarem se eximir da sua parcela de responsabilidade junto à construção da vida em sociedade, abafando em suas mentes a convicção de que “a qualidade do mundo exterior (planeta) depende diretamente da qualidade de nosso mundo interior (personalidade)”.
Saber que estamos todos inseridos em uma realidade composta por instituições político-sociais (formais ou informais) que controlam o funcionamento da sociedade e dos indivíduos, organizadas sob a forma de regras e normas, visando à ordenação das interações entre os indivíduos e entre estes e suas respectivas formas organizacionais, facilita a compreensão da lógica evolutiva das partículas sociais, dentre elas a família e, por extensão, das individualidades. O grupo familiar é o primeiro e principal referencial responsável pela transmissão/formação dos valores sociais, ético-morais e espirituais sob os quais se alicerçam a moldagem da personalidade a partir do período de desenvolvimento infantil [1] e, do caráter enquanto conjunto de reações e hábitos de comportamento que vão sendo adquiridos ao longo da vida e que especificam o modo individual de cada pessoa.
A palavra personalidade origina-se do grego Persona [2], e é definida por Busato (2006) [3] como o “conjunto de características que explica um modo próprio da pessoa responder aos estímulos do ambiente, respostas emocionais e escolhas individuais”. Já o caráter é construído através das experiências sociais e pela compreensão dos valores morais e culturais, ou seja, ele é aprendido através da família, escola e na sociedade de maneira geral. Assim, ele é “a expressão da personalidade por meio das atitudes de uma pessoa”. Vale ressaltar que o caráter vai se estruturando gradativamente no curso da vida sob influência de fatores ambientais (família, educação, condição social, etc.), os quais atuam de maneira variada, modificando tendências iniciais; contudo, ele não se manifesta de forma definitiva na infância, pois vai se formando enquanto atravessa as distintas fases do desenvolvimento psicossexual, até alcançar sua completa expressão ao final da adolescência.
Em síntese, personalidade pode ser considerada como sendo “a organização dinâmica interna daqueles sistemas psicológicos do indivíduo que determinam o seu ajuste individual ao ambiente”; ou seja, pode-se dizer que é “a soma total de como o indivíduo interage e reage em relação aos demais”. Entretanto, o caráter “é o que distingue moral e intelectualmente uma pessoa” e, nesse sentido, pode-se afirmar que um indivíduo pode ter bom ou mau caráter, mas a personalidade é forte ou fraca, e nunca boa ou má. A título de exemplo podemos citar Adolf Hitler, o qual possuía uma personalidade forte, mas, em contrapartida, tinha mau caráter; e, Jesus Cristo, visto apenas como homem, e por aquilo que os livros dizem, evidenciava possuir uma personalidade fortíssima e ter um caráter excepcionalmente bom.
Em plena “Era da Globalização”, a humanidade vive, presentemente, uma conjuntura um tanto paradoxal, onde o avanço tecnológico da Ciência, permitindo o anúncio a todos os quadrantes do globo terrestre de um fato ocorrido no recanto mais obscuro no mesmo instante de sua ocorrência, contrapõe-se à postura cada vez mais individualista e egocêntrica do elevado percentual de pessoas que hoje optam por trancarem-se em seus problemas existenciais, buscando “refúgio” no consumo de substâncias tóxicas (psicoativas) ou nas pesquisas e diálogos virtuais sobre temas efêmeros/superficiais, talvez por não encontrarem a confiança e o entendimento por parte dos seus entes queridos, tal como os jovens que preferem se abrir com os colegas por não mais encontrarem diálogo fraterno com os Pais no reduto de seus lares.
Paradoxalmente, apesar dos mais significativos avanços tecnológicos da ciência médica, permitindo a realização de extraordinárias intervenções cirúrgicas, percebe-se que por razões econômicas, muitos (ainda) morrem literalmente de fome ou por doenças infectocontagiosas que há muito deveriam estar riscadas do dicionário dos médicos, em decorrência da má distribuição/administração das terras e rendas nacionais (principalmente pela predominância de atitudes corruptas por parte daqueles que foram eleitos pelo povo para administração dos recursos e investimentos no desenvolvimento global da nação brasileira), fatores também determinantes da existência um sistema educacional cuja estrutura não consegue cumprir o seu papel de agente de formação/profissionalização dos jovens, não os habilitando para o exercício de atividades econômicas produtivas nem tampouco para o cumprimento de suas responsabilidades civis enquanto cidadãos.
Podemos afirmar que viver em sociedade nos faz conviver com todas as venturas e desventuras provocadas pelo homem, permitindo-nos usufruir dos benefícios do progresso e, concomitantemente, sofrer seus efeitos ainda mal administrados.
Um dos exemplos mais explícitos dessa realidade paradoxal contemporânea em que nos encontramos inseridos são o elevado e alarmante índice de disseminação/banalização da violência em nosso planeta, contrapondo-se a uma expansão de mobilizações e apelos reivindicantes à promoção/propagação da paz, da fraternidade e da não violência. Outro aspecto relevante se refere à atual inversão de valores ético-morais e espirituais predominante na sociedade, evidenciando absoluta negligência aos valores substanciais da vida/existência humana, contrapondo-se a uma significativa proliferação de novas Instituições religiosas, refletindo carência de fortalecimento espiritual e intensificação da fé, através da vivência das virtudes humanistas e cristãs com determinação, ilustrando que nunca a descrença foi tão generalizada, afirmativa e desafiadora como na presente hora, mas da mesma forma, nunca a fé, a busca de si mesmo e da presença de Deus em nós foram tão pronunciadas, ativas e marcantes.
Obviamente, a inversão/deturpação dos valores socioculturais e espirituais tem implicado em progressivas mudanças (negativas) no que se refere aos hábitos e costumes do cidadão contemporâneo, dentre as quais destacamos a facilidade de acesso às substâncias tóxicas/entorpecentes e, principalmente, às redes sociais e mecanismos de comunicação de massa virtuais em geral, as quais influenciam significativamente para que, de forma avassaladora e com acentuada celeridade, os vícios e a violência passem a ser encarados como coisas “normais e corriqueiras”. A consequência “natural” deste quadro é a constatação de um progressivo processo de perversão sócio-histórica dos alicerces da saúde integral (corpo, psique e espírito) e degradação da qualidade de vida dos cidadãos, com evidências cada vez mais explícitas de construção de uma sociedade “adoecida” a nível biopsicossocial e espiritual.
Nos dias atuais, tal problemática vem se instalando gradativamente desde a infância a partir do manuseio indisciplinado de telefones celulares e/ou modelos diversos de computadores (CPU, Notebook, Netbook, Tablet, e similares), possibilitando à criança sua inserção precoce nas redes sociais e acesso a conteúdos virtuais moral e eticamente inadequados, assim como a eventuais exposições a contatos virtuais perigosos (p. ex. assédios por pedófilos) e, prosseguindo a partir da adolescência através da prática de experiências irresponsáveis/inconsequentes com o organismo humano, por meio do consumo de elementos químicos/tóxicos manipulados com o intuito de modificar a realidade mental e social de ser humano, sob o pretexto de divertimento e/ou aventuras irreverentes que causam dependência física e mental dessas drogas/substâncias químicas que modificam as ações na sinapse (comunicação entre os neurônios) para mascarar a realidade e fantasiar os instintos através dos sonhos irreais e impossíveis.
Lamentavelmente, a globalidade/instabilidade desta desarmoniosa realidade reflete um cidadão brasileiro contemporâneo desrespeitado pelos Poderes Públicos pela dificuldade (ou ausência) de acesso aos seus direitos humanos fundamentais (saúde, educação, segurança pública,...), nos levando à constatação que a saúde física e mental representa apenas um entre os diversos aspectos dimensionais que permeiam a qualidade de vida deste cidadão, caracterizando-se ora como um produto, ora como produtor de uma sociedade “adoecida” e marginalizada.
Assim, verifica-se que estamos inseridos em um (caótico) cenário existencial ora como atores (principais ou coadjuvantes), ora como meros expectadores; papeis estes a ser determinados pelo livre-arbítrio de cada um conforme sua percepção enquanto ser individual inserido em contextos sociais. Assumindo um perfil de conduta que nos aproxima mais da segunda condição (expectadores) estaremos optando passivamente pela absoluta negligência aos valores substanciais da vida/existência humana a nível individual e coletivo, compactuando com a mediocridade da atuação dos nossos atuais gestores públicos em todas as esferas governamentais. Por outro lado, se nos esforçarmos pela constituição de um modo de vida que nos coloque mais próximos da primeira condição (atores) estaremos demonstrando ciência e consciência da nossa responsabilidade pessoal e social em meio a um processo contínuo de lutas por conquistas de melhorias em prol de nossas vidas, nossa sociedade local, nacional e/ou internacional, assim como a preservação de nossos patrimônios históricos e/ou naturais (meio ambiente, oceanos, rios, florestas, animais em extinção, etc.), além de combates aos episódios político-sociais que se proponham à implementação de mudanças que caracterizem prejuízos a direitos civis democraticamente conquistados e, consequentemente, ao pleno exercício da cidadania.
Vale destacar que, individualmente, investimentos pela melhoria da qualidade de vida devem sempre iniciar pela célula mater da sociedade, ou seja, nossa família, considerando-a como o núcleo social junto ao qual nascemos, vivemos e morremos. No decurso do nosso desenvolvimento/amadurecimento biopsicossocial e espiritual estaremos sempre em meio a um processo interativo recíproco com os nossos parentes, sendo por eles influenciado(s) e, concomitantemente, influenciando-os. Ao longo deste contínuo percurso existencial constata-se que, embora a construção dos nossos valores sociais/ético-morais/espirituais seja fruto de múltiplos e diversificados referenciais, o núcleo familiar é sem dúvida o que exerce maior poder de influência sobre a edificação da nossa personalidade. Tais valores sempre representarão a nossa maneira singular/peculiar de perceber a vida a nível pessoal e social, a qual mediada pelo nosso caráter se refletirá nas ações/reações e hábitos/costumes característicos do nosso perfil comportamental. Assim, devemos aproveitar cada dia do convívio familiar para criar oportunidades do exercício de atitudes dignificantes que possam contribuir para a criação de vínculos alicerçados em amor, respeito e dignidade, assim como para emergência de uma atmosfera ambiental onde haja predominância de paz e harmonia.
Posteriormente, nossos investimentos devem transcender os limites do grupo familiar e serem exercitados junto a grupos sociais mais amplos (escolas, igrejas, associações de bairro, etc.), a partir de eventos/movimentos específicos, procurando sempre que possível promover ações de informação/conscientização acerca de direitos e deveres civis fundamentais, favorecendo ricas experiências fortalecedoras de valores/ações sociais de caráter fraterno/solidário/filantrópico, conforme o significado de cada um desses aspectos.
A fraternidade é vista como um laço de união entre os homens, com base no respeito à dignidade humana e na igualdade de direitos para com todos os seres humanos. A solidariedade não significa apenas reconhecer a situação delicada de uma pessoa ou grupo social, mas também consiste no ato de ajudar essas pessoas desamparadas ou menos favorecidas. A filantropia advém de um termo de origem grega que significa "amor à humanidade", sendo entendida como a atitude de ajudar o próximo, de fazer caridade, relacionada com a possibilidade de doar algo material (roupas, comida, dinheiro, etc.) ou até mesmo tempo e atenção para outras pessoas ou para causas importantes, com o objetivo apenas de se sentir bem, podendo ser praticada em igrejas, hospitais, escolas e outras Instituições congêneres. Uma das possíveis manifestações de filantropia é o voluntariado, quando alguém investe parte do seu tempo para contribuir com uma causa solidária sem receber qualquer compensação financeira.
Neste sentido, sugerimos a tod@s que foram de alguma forma sensibilizad@s pela abordagem supracitada que se permitam investir um tempo mínimo para o exercício da autorreflexão para observação da qualidade de sua participação junto ao processo de construção da realidade sociofamiliar em que você se encontra inserid@ e, em seguida, optar pela preservação do seu atual perfil comportamental ou, pela renovação das suas atitudes visando contribuir para o aprimoramento da sua qualidade de vida e, por extensão, facilitar a fluidez de uma atmosfera mais saudável no seio do seu grupo familiar.
Em seguida, ciente e consciente que você também faz parte de uma realidade social que ultrapassa os limites dos seus vínculos familiares, cabe novamente apenas a você optar por se perceber/sentir na condição de “produto” de múltiplos referenciais predominantes em uma sociedade “adoecida”, em meio a uma série de padrões comportamentais doentios que vão sendo renovados/atualizados em suas particularidades natural e historicamente ou, por perceber que, apesar das singularidades individuais, a maior parte dos problemas pessoais apresentam características bastante similares, permitindo-lhe a possibilidade da troca de experiências com os seus semelhantes e, assim, passar a se perceber/sentir como “aprendiz” e/ou “educador(a)” dentro da mesma relação interpessoal e, em um processo de ajuda mútua, ora como “figurante” ora como “protagonista” de ações que deverão repercutir em mudança(s) e aperfeiçoamento da qualidade de vida a nível pessoal e coletivo, envolvendo tod@s @s participantes deste processo interativo; ou seja, todas as pessoas de todos os grupos sociais com os quais você esteja ou venha a se relacionar.
Destarte, constata-se que tanto a saúde como a qualidade de vida devem ser compreendidas sob uma visão holística/global, permitindo não somente a percepção dos seus aspectos característicos singulares, mas principalmente d’aqueles que evidenciam a existência de uma relação de interdependência e proporcionalidade inerente entre as duas, pois é indubitável que uma se apresenta como condição sine qua non [4] para a existência da outra, além de uma ser determinante da qualidade da outra, considerando a influência recíproca que uma exerce sobre a outra. Ou seja, ao (não) investir em saúde integral você estará naturalmente (não) investindo em qualidade de vida e vice-versa. Ou será que você considera cogitável alguém se apresentar com sua saúde fortalecida integralmente (corpo, psique e espírito) e não evidenciar boa qualidade de vida (a nível pessoal e social); ou o contrário?
A partir de agora, cabe somente a você refletir e optar por aquilo que pretende construir a nível individual e coletivo, sem esquecer-se da inevitável influência recíproca entre o pessoal e o social, caracterizando-se como um “produto” de uma sociedade “adoecida” e marginalizada ou como “protagonista” da construção de uma sociedade mais “saudável” e humanizada!
Notas/Referências:
[1] Um estudo apresentado pelo pediatra americano Jay Giedd indica que o cérebro humano está em construção até o final da adolescência. A descoberta vai contra a tese vigente até agora de que o cérebro amadurecia totalmente entre os 8 e os 12 anos. Ela poderia explicar por que muitos adolescentes demoram a raciocinar e a se comportar como adultos. Leia mais: <http://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/cerebro-humano-fica-em-formacao-ate-final-da-adolescencia-diz-pesquisa-641418.html#ixzz4JtTnOiXs>
[2] Nome de uma máscara usada por atores em peças teatrais, para identificar vários personagens.
[3] BUSATTO, Geraldo Filho. Fisiopatologia dos transtornos psiquiátricos. 4ed. São Paulo: Atheneu, 2006. p. 191-204.
[4] Sine qua non é uma expressão latina, originada do termo legal conditio sine qua non, que quer dizer “sem o qual não pode ser”. A frase se refere a uma ação que depende incondicionalmente de algo (um ingrediente ou outra ação) para que ocorra. Em outras palavras, pode ser definida como condição ou ação que é fundamental, essencial, indispensável ou imprescindível. Leia mais em: <https://www.significadosbr.com.br/sine-qua-non>