Cuidados que Matam

ROMEU — Em tua boca me limpo dos pecados. (Beija-a.)

JULIETA — Que passaram, assim, para meus lábios.

ROMEU — Pecados meus? Oh! Quero-os retornados. Devolve-mos.

[...]

ROMEU (ao boticário) — Em todo o mundo não há uma lei para deixar-te rico. Não sejas pobre, então; passa por cima da lei e toma isto. [...] Eis teu ouro, veneno mais nocivo para as almas dos homens, que mais crimes tem cometido neste mundo sujo, do que essas pobres drogas misturadas que não podes vender.

[...]

ROMEU — Lábios, que sois a porta do hálito, com um beijo legítimo selai este contrato sempiterno com a morte exorbitante. [...] (Bebe.) Ó boticário veraz e honesto! tua droga é rápida. Deste modo, com um beijo, deixo a vida. (Morre.)

JULIETA — O que vejo aqui? Um copo bem fechado na mão de meu amor? Certo; veneno foi seu fim prematuro. [...] Vou beijar esses lábios; é possível que algum veneno ainda se ache neles, para me dar alento e dar a morte.

Lembra disso? E do clichê da mulher fatal que mata com beijos envenenados? Ora, mas a mulher é imune ao veneno? Na verdade, ela é a maior vítima. E não se trata de ficção, mas de uma metáfora quase literal.

Uma das doenças mais temidas por pessoas de todas as idades é o câncer, cuja incidência tem crescido principalmente entre mulheres. Há quem diga que, não fosse por interesses financeiros, a cura do mal já teria há muito sido descoberta — debate antigo, polêmico e incômodo para os que lucram com a desgraça alheia. Enquanto pesquisadores procuram ou não a cura, multiplica-se o uso de substâncias e radiações cancerígenas em produtos de naturezas variadas, de alimentícios a eletrônicos.

Além dos produtos dietéticos, saturados de substâncias proibidas pelo FDA e cuja redução em teor calórico por sinal tem sido questionada, as mulheres contam com outros "falsos aliados" como batons, esmaltes, tinturas de cabelo, condicionadores, hidratantes e protetores solares, todos considerados cosméticos. Há pouco tempo, descobriu-se na composição dos batons da Avon a presença de chumbo, material há muito banido da confecção de panelas e talheres por ter sido descoberto como o maior responsável pela grande incidência de casos de câncer na época. Para salvar a imagem da marca, o grupo da noite para o dia passou a financiar organizações de apoio à mulher, alardeando o gesto com declarações como "Nos preocupamos com as mulheres". Ora, o que faz a presença de chumbo num batom? E que estranha coincidência serem mais uma vez os lábios a via de absorção dessa substância sabidamente cancerígena, não?

Outra substância cancerígena de absorção cutânea muito encontrada em batons é a oxibenzona (oxybenzone ou bezophenone-3, em inglês). Na contra-mão dos inúmeros alertas, revistas femininas ensinam: "Batom vermelho está na moda. Use também de dia e retoque constantemente". Enquanto alguns rótulos de cosméticos advertem sobre a presença da substância na composição, outros driblam a determinação legal destacando, a título de vantagem, a adição de protetor solar e/ou hidratante — principais veículos dessa mesma substância e os cosméticos usados com mais frequência e em maior quantidade. Essa apropriação de conceitos tirados do sistema de crenças do público-alvo é técnica frequente na propaganda; ninguém desconfia de que aquele rótulo ou texto publicitário que anuncia um "cuidado diário" esconde na verdade uma agressão diária. Pouco depois da sua descoberta, o rádio, elemento radioativo, chegou a ser comercializado em cremes e tratamentos de beleza como um rejuvenescedor revolucionário e milagroso, e o formol foi usado impunemente nos cabelos de inúmeras pessoas antes e até depois da sua proibição.

Atenção às novas fórmulas e principalmente rótulos que anunciam "cuidados". Qualquer um que clinique sabe a quantidade de química que contém 1g daquilo, mesmo que o nome da marca remeta a substâncias encontradas in natura. Desde Romeu e Julieta, boticário fabrica venenos capazes de matar pelos lábios.

No dia das mães, diga não ao câncer.

TRECHO INICIAL EXTRAÍDO DE ROMEU E JULIETA, POR:

William Shakespeare
Enviado por Aeon em 29/04/2016
Reeditado em 11/12/2016
Código do texto: T5619861
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