O que é ser mãe?
Anos atrás perguntei a uma adolescente gestante como se fazia para ser mãe? E ela respondeu: “é fácil!”, e sorriu. Por esta ótica a resposta à pergunta inicial parece ser óbvia. Contudo, a maternidade não é privilegio apenas de pessoas do gênero feminino, antes, é uma função que nada tem que ver, stricto senso, com parir mas, com cuidar, e cuidar todos podem.
É possível pensar em maternidade para além da fecundação e do parto, pois neste âmbito o de que se trata é de um lugar afetivo que foi e se mantém sustentado pelo sujeito que exerce esta maternidade, e este lugar afetivo só pode existir se este sujeito afirmar o seu desejo de estar aí. Portanto, a maternidade pode ser exercida por pais adotivos sejam eles heterossexuais ou homossexuais, por avôs e avós, tios, tias e por quem mais se prontificar a responder por este lugar.
Mas, vale frisar: não se trata apenas de dizer “eu quero isto ou aquilo”. Sustentar um desejo., mesmo quando da gravidez involuntária, dá trabalho e tem a ver mais com analisar as condições objetivas e subjetivas necessárias para que algo venha a acontecer desde uma ou mais ações. É uma aposta, mas não uma loteria no sentido de se jogar aleatoriamente os dados e esperar que o que se quer venha. A aposta aqui é de outro nível. Do nível do responsabilizar-se por atuar favoravelmente para que algo aconteça. Deste modo, o exercício da maternidade passa pelo desejo, a ser sustentado, de estar neste lugar, nesta posição, nesta função de cuidar de uma criança seja qual for a maneira pela qual esta criança passou a ser parte integrante da família.
Mas, de que se trata quando da fecundação, da gestação, do parto e, depois e para sempre, da maternidade feminina; qual sua especificidade? Consideradas à parte as características biológicas pelas quais a mulher engravida e uma criança vem ao mundo, podemos dizer que as condições psicológicas da maternidade feminina são as mesmas que as demais.
O que quero dizer é que a mulher, para ser mãe, não necessita somente de um aparelho reprodutor. É preciso, antes, ter asseguradas as condições subjetivas que permitirão que esta maternidade aconteça, ou seja, que as condições de cuidar estejam apostas sobre as condições de desejo. Veja em que sentido eu expressei a palavrinha “aposta” : posto sobre, ou ao lado, colocado, oferecido. Então, é cuidar porque alguém, a mãe, colocou-se junto em pé de igualdade desde o primeiro instante, desde o instante em que desejou engravidar e, para isto, teve que dispor de seu corpo e de tudo o que isto implica em termos de ver seu corpo transformado, sua saúde, seu tempo, sua profissão e assim por diante. É bem diferente da outra aposta, não?
Nesta via tais condições passam, necessariamente, pela forma como esta mulher se imaginou querida por seus pais enquanto filha menina, enquanto ser sexuado, enquanto ser que pode dar à luz, enquanto ser que pode querer seu rebento, seus sonhos da maneira como a ela bem aprouver, enfim, pela maneira como ela se percebe ser aceita face à idealização e desejo que ela interpreta como sendo o de seus pais. É desta imagem que faz de si a partir do que ela percebe como vindo do outro, que ela se inventa como ser que dará um filho à luz (do latim PARERE).
Perceba-se, então, que a maternidade é um gesto de amor que começa bem antes da fecundação ou menstruação. Começa na primeira infância, na maneira como ela foi vista e se viu brincando de boneca, cuidando deste filho imaginário que ela daria e seria recebido pelo mundo. Começa pela maneira como ela foi ao longo do tempo observando e percebendo como o afeto e o querer o outro circulava no seio familiar. Neste aspecto, parir tem mais o sentido de se tornar igual à criança que nasce, ou seja, renascer junto com o filho. De outro modo, a criança que ela foi um dia renasce nela a partir do momento em que ela se vê no percurso que a levará a dar à luz uma criança que a acompanhará por toda a vida. Neste sentido, então, a palavra “Pari” significa “igualdade”. A mãe se torna igual o filho. Tem uma frase latina que transmite esta ideia: "Renasce a mãe no filho, volve à puerícia, para simultaneamente com ele, a par e passo (pari passu), de novo percorrer a mocidade e a existência." E o que significa “puerícia” senão voltar a ser criança? Neste sentido, então, “Puerpério” significa, de “puer” = criança e “pério” = parir, dar à luz não a apenas uma criança, mas duas, ou seja, o filho e ela mesma (como iguais), como criança que foi e que se organiza desde sempre de algum modo para por e receber este filho no mundo.
Todo ser humano, inclusive a mulher, só consegue dar ao mundo alguma obra sua se tiver anteriormente recebido e interiorizado algum grau de amor e, logo, auto-aceitação e aprovação. Não são poucas as pessoas que param suas vidas porque não conseguem acreditar em si mesmas dado que sucumbem ao se perceberem como sendo vistas e vaticinadas pelos outros como impotentes para sustentar seus próprios desejos. Ser mãe não se resume a uma operação fisio-biológica. Antes, requer que a mulher se invente mulher, que ela descubra a sua maneira de se fazer mulher e mãe. E para que esta invenção possa ser realizada, ela precisará aprender como sustentar o seu desejo.
Por fim, a maternidade não é, sobretudo para a mulher, uma obrigação. O fato de que ela pode gerar um filho não significa que ela é obrigada a fazê-lo. Muitas mulheres sofrem com o fato de que se veem na obrigação de cumprir um ciclo de vida que inclui ser mãe, pois a sua criação e a cultura impuseram a ela uma educação para tal destino como se a sua anatomia fosse este destino inexorável. Hoje em dia, as mulheres estão cada vez mais buscando alternativas de vida que não passa necessariamente por ser mãe. O importante é que ela esteja preparada para tomar a decisão quando sentir que é o momento apropriado e, sobretudo, ser respeitada quando uma gravidez conflituosa ou o desejo de não engravidar tornarem-se uma realidade.
SP21/01/2016
Referência bibliográfica
parto vem do Latim PARERE, “dar à Luz”. In:
"Renasce a mãe no filho, volve à puerícia, para simultaneamente com ele, a par e passo (pari passu), de novo percorrer a mocidade e a existência."
In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pari_passu
http://www.dicionarioetimologico.com.br/puerperio/
Anos atrás perguntei a uma adolescente gestante como se fazia para ser mãe? E ela respondeu: “é fácil!”, e sorriu. Por esta ótica a resposta à pergunta inicial parece ser óbvia. Contudo, a maternidade não é privilegio apenas de pessoas do gênero feminino, antes, é uma função que nada tem que ver, stricto senso, com parir mas, com cuidar, e cuidar todos podem.
É possível pensar em maternidade para além da fecundação e do parto, pois neste âmbito o de que se trata é de um lugar afetivo que foi e se mantém sustentado pelo sujeito que exerce esta maternidade, e este lugar afetivo só pode existir se este sujeito afirmar o seu desejo de estar aí. Portanto, a maternidade pode ser exercida por pais adotivos sejam eles heterossexuais ou homossexuais, por avôs e avós, tios, tias e por quem mais se prontificar a responder por este lugar.
Mas, vale frisar: não se trata apenas de dizer “eu quero isto ou aquilo”. Sustentar um desejo., mesmo quando da gravidez involuntária, dá trabalho e tem a ver mais com analisar as condições objetivas e subjetivas necessárias para que algo venha a acontecer desde uma ou mais ações. É uma aposta, mas não uma loteria no sentido de se jogar aleatoriamente os dados e esperar que o que se quer venha. A aposta aqui é de outro nível. Do nível do responsabilizar-se por atuar favoravelmente para que algo aconteça. Deste modo, o exercício da maternidade passa pelo desejo, a ser sustentado, de estar neste lugar, nesta posição, nesta função de cuidar de uma criança seja qual for a maneira pela qual esta criança passou a ser parte integrante da família.
Mas, de que se trata quando da fecundação, da gestação, do parto e, depois e para sempre, da maternidade feminina; qual sua especificidade? Consideradas à parte as características biológicas pelas quais a mulher engravida e uma criança vem ao mundo, podemos dizer que as condições psicológicas da maternidade feminina são as mesmas que as demais.
O que quero dizer é que a mulher, para ser mãe, não necessita somente de um aparelho reprodutor. É preciso, antes, ter asseguradas as condições subjetivas que permitirão que esta maternidade aconteça, ou seja, que as condições de cuidar estejam apostas sobre as condições de desejo. Veja em que sentido eu expressei a palavrinha “aposta” : posto sobre, ou ao lado, colocado, oferecido. Então, é cuidar porque alguém, a mãe, colocou-se junto em pé de igualdade desde o primeiro instante, desde o instante em que desejou engravidar e, para isto, teve que dispor de seu corpo e de tudo o que isto implica em termos de ver seu corpo transformado, sua saúde, seu tempo, sua profissão e assim por diante. É bem diferente da outra aposta, não?
Nesta via tais condições passam, necessariamente, pela forma como esta mulher se imaginou querida por seus pais enquanto filha menina, enquanto ser sexuado, enquanto ser que pode dar à luz, enquanto ser que pode querer seu rebento, seus sonhos da maneira como a ela bem aprouver, enfim, pela maneira como ela se percebe ser aceita face à idealização e desejo que ela interpreta como sendo o de seus pais. É desta imagem que faz de si a partir do que ela percebe como vindo do outro, que ela se inventa como ser que dará um filho à luz (do latim PARERE).
Perceba-se, então, que a maternidade é um gesto de amor que começa bem antes da fecundação ou menstruação. Começa na primeira infância, na maneira como ela foi vista e se viu brincando de boneca, cuidando deste filho imaginário que ela daria e seria recebido pelo mundo. Começa pela maneira como ela foi ao longo do tempo observando e percebendo como o afeto e o querer o outro circulava no seio familiar. Neste aspecto, parir tem mais o sentido de se tornar igual à criança que nasce, ou seja, renascer junto com o filho. De outro modo, a criança que ela foi um dia renasce nela a partir do momento em que ela se vê no percurso que a levará a dar à luz uma criança que a acompanhará por toda a vida. Neste sentido, então, a palavra “Pari” significa “igualdade”. A mãe se torna igual o filho. Tem uma frase latina que transmite esta ideia: "Renasce a mãe no filho, volve à puerícia, para simultaneamente com ele, a par e passo (pari passu), de novo percorrer a mocidade e a existência." E o que significa “puerícia” senão voltar a ser criança? Neste sentido, então, “Puerpério” significa, de “puer” = criança e “pério” = parir, dar à luz não a apenas uma criança, mas duas, ou seja, o filho e ela mesma (como iguais), como criança que foi e que se organiza desde sempre de algum modo para por e receber este filho no mundo.
Todo ser humano, inclusive a mulher, só consegue dar ao mundo alguma obra sua se tiver anteriormente recebido e interiorizado algum grau de amor e, logo, auto-aceitação e aprovação. Não são poucas as pessoas que param suas vidas porque não conseguem acreditar em si mesmas dado que sucumbem ao se perceberem como sendo vistas e vaticinadas pelos outros como impotentes para sustentar seus próprios desejos. Ser mãe não se resume a uma operação fisio-biológica. Antes, requer que a mulher se invente mulher, que ela descubra a sua maneira de se fazer mulher e mãe. E para que esta invenção possa ser realizada, ela precisará aprender como sustentar o seu desejo.
Por fim, a maternidade não é, sobretudo para a mulher, uma obrigação. O fato de que ela pode gerar um filho não significa que ela é obrigada a fazê-lo. Muitas mulheres sofrem com o fato de que se veem na obrigação de cumprir um ciclo de vida que inclui ser mãe, pois a sua criação e a cultura impuseram a ela uma educação para tal destino como se a sua anatomia fosse este destino inexorável. Hoje em dia, as mulheres estão cada vez mais buscando alternativas de vida que não passa necessariamente por ser mãe. O importante é que ela esteja preparada para tomar a decisão quando sentir que é o momento apropriado e, sobretudo, ser respeitada quando uma gravidez conflituosa ou o desejo de não engravidar tornarem-se uma realidade.
SP21/01/2016
Referência bibliográfica
parto vem do Latim PARERE, “dar à Luz”. In:
"Renasce a mãe no filho, volve à puerícia, para simultaneamente com ele, a par e passo (pari passu), de novo percorrer a mocidade e a existência."
In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pari_passu
http://www.dicionarioetimologico.com.br/puerperio/