A saúde pede socorro

A cena em que uma médica protesta com veemência ante as câmeras, por conta do caos instalado no pronto atendimento onde presta serviços, percorreu o país. Naquele momento, tomando para si a responsabilidade de se manifestar (com toda a razão, amparada em sua percepção enquanto partícipe de um sistema deficitário ao extremo), personificou o padecimento sem fim do cidadão e o descaso do Estado para com um povo que é desrespeitado diariamente em seus direitos mais elementares.

A Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF) vigorou no Brasil de 1997 a 2007 e destinava-se especificamente ao custeio da saúde pública, da Previdência Social e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. No início, a lei estipulava que a totalidade da arrecadação seria destinada exclusivamente ao Fundo Nacional de Saúde. Porém, a partir de 1999 a CPMF passou a destinar parte de seus recursos à Previdência Social. No seu fim, a Previdência Social e a Erradicação da Pobreza recebiam aproximadamente 26% e 21% da arrecadação, respectivamente. E o que a princípio seria uma fórmula inteligente para se tentar oferecer alguma qualidade no atendimento à saúde no país, acabou diluída pela necessidade em cobrir os rombos da incompetência administrativa.

Durante todo o tempo de vigência da mencionada lei, o atendimento à saúde no país teve poucos avanços. O contribuinte brasileiro viu seus suados impostos esvaindo-se pelos ralos da improbidade (principalmente dos ocupantes de altos cargos) e do gigantismo do sistema. A inércia governamental atingiu níveis absurdos, envolta num emaranhado de procedimentos burocráticos, transformando as verbas provenientes da arrecadação tributária (via contribuinte) numa evidente demonstração de malversação dos parcos recursos públicos. De lá para cá, pouca coisa mudou. A saúde vai muito mal das pernas. É possível assegurar com toda a propriedade que se assemelha a um paciente terminal sem perspectivas de recuperação. É desalentador constatar que não se vislumbra qualquer providência efetiva para se mudar a situação.

O usuário dos sistema público de saúde padece e implora por atendimento. E não espera por excelência nos procedimentos médicos (similares aos praticados nos hospitais particulares de referência), apenas deseja ser atendido. O cidadão almeja apenas e tão somente o respeito à sua dignidade, sem ter que esperar por horas na dolorosa e interminável fila da omissão. Mas a realidade é cruel. A cena se repete em todos os hospitais públicos do país. Pacientes são espalhadas pelos corredores, consultórios, salas de cirurgia e em qualquer cômodo onde se possa acomodar um leito ou uma maca. As condições de higiene são precárias, os equipamentos deterioram-se por falta de manutenção, a carência de medicamentos e materiais para procedimentos mais simples é evidente. O quadro agrava-se à medida que os médicos migram para o sistema privado de saúde, em que o atrativo maior é o salário compatível com a função, aliado a melhores condições de trabalho. Dessa forma, as vagas não são preenchidas e o povo (mais uma vez) sofre com a irresponsabilidade governamental. De nada adiantam as exaustivas e impactantes reportagens sobre o tema, exibidas pelas diferentes redes de emissoras. O efeito desejado não acontece, pois as medidas visando solucionar (ou pelo menos amenizar a situação) estão longe de serem viabilizadas como deveriam. O marasmo e a ineficiência acabam emperrando as já desgastadas engrenagens da máquina administrativa.

O calvário diário do contribuinte brasileiro na busca pela assistência médica da rede pública não tem limites. As senhas para atendimento são insuficientes, obrigando os usuários a pernoitarem na fila, na maioria das vezes à mercê das intempéries. E quando finalmente o paciente se vê diante do tão requisitado profissional de saúde, eis que o tempo de consulta resume-se num monólogo breve e superficial, pois a alta demanda exige celeridade, fazendo com que o paciente sequer consiga descrever os principais sintomas do incômodo que lhe aflige. Chega a soar como uma ironia a iniciativa governamental ao instituir o chamado PSF - “Programa Saúde da Família”. Sem gerenciamento adequado, infraestrutura necessária e investimentos significativos, o programa tende a se juntar a tantas outras siglas que só oneram o bolso do contribuinte.

Há muito o que fazer para se reverter essa situação. Tudo depende de boa vontade política. Resta ao indefeso contribuinte brasileiro torcer para que as longas madrugadas sejam amenas e a paciência se torne fiel parceira nos momentos mais difíceis. E que nossos governantes tenham a devida consideração com esse povo sofrido e passem a cumprir o estabelecido pela Constituição Federal. Mesmo que isso seja uma utopia.