OS COMITÊS DE ÉTICA E AS COBAIAS EM PESQUISAS
Após o julgamento de alguns dirigentes nazistas na cidade de Nürenberg, na Baviera alemã, ao final da II Guerra Mundial, esta cidade foi designada como a Cidade da Paz e dos Direitos Humanos. Mas isto não foi somente um título honorífico para o futuro. Elaborou-se também, nesta ocasião, o “Código de Nürenberg” (1947) que alerta, entre outras coisas, para a necessidade de a Comunidade Internacional (ONU, UNESCO) zelar mais efetivamente pela preservação da dignidade humana em todas as circunstâncias da vida. Esta advertência se tornara necessária em função do que os nazistas haviam feito com judeus, ciganos, grupos religiosos e ideológicos, com deficientes físicos e doentes mentais. Por exemplo, entravam, à noite, em clínicas psiquiátricas, sequestravam pacientes para usá-los forçosamente em pesquisas genéticas, lobotomias e outros experimentos.
Os órgãos internacionais, aos poucos, chegaram à conclusão de que todas as pesquisas com cobaias humanas deveriam ser submetidas a uma regulamentação. A participação de ser humano como cobaia em pesquisa deveria ser livre e esclarecida, com pleno conhecimento, por parte do voluntário, dos possíveis riscos e dos benefícios. Com esta exigência, aos poucos, as instituições legais (Universidades e outras Instituições de Pesquisa) criaram Comitês de Ética para examinarem os projetos de pesquisa que envolviam seres humanos.
O Brasil, pressionado pela ONU/UNESCO, despertou apenas em 1996 para a necessidade de legislar sobre as pesquisas com seres humanos. Assim o Conselho Nacional de Saúde (CNS), pela Resolução 196/96 criou a “Comissão Nacional de Ética em Pesquisa” (CONEP). A Resolução CNS no. 466/12 aperfeiçoou a Resolução de 1996. As principais funções da CONEP deveriam ser o exame das questões éticas das pesquisas que envolvem seres humanos, e a coordenação dos Comitês de ética em Pesquisa (CEPs), obrigatórios em todas as Instituições do País que realizassem pesquisas envolvendo seres humanos.
Os CEPs foram sendo criados, aos poucos, em todas as Universidades e Instituições que realizam pesquisas com seres humanos (áreas de saúde, farmácia, educação física, ciências humanas...).
O Comitê de Ética em Pesquisa da UFPE foi reconhecido pela CONEP em agosto de 1997. Até inícios do presente ano (2015) o CEP da UFPE foi coordenado pelo Prof. Dr. Geraldo Bosco Lindoso Couto, que todos os meses presidia a Reunião Ordinária dos seus cerca de 30 membros, na qual se apreciavam os pareceres sobre, aproximadamente, 50 projetos de pesquisa. Nos quase 6 (seis) anos em que fui membro do CEP da UFPE admirei-me da competência e habilidade do Prof. Bosco, pois nenhum projeto permaneceu sem parecer, e, não me consta, que tivessem ocorrido questionamentos maiores em relação a algum parecer polêmico de aprovação ou rejeição pelo CEP. Confio que o substituto do Prof. Bosco, o Prof. Dr. Luciano Tavares Montenegro, nos próximos anos, consiga conduzir o CEP da UFPE com a mesma habilidade e competência do Prof. Bosco, naturalmente com o apoio da dedicada Secretária INEZ.
Realmente, com a prática nazista, que usava abusivamente seres humanos como objetos em suas pesquisas, a humanidade se conscientizou da necessidade de controles legais para que a dignidade do ser humano fosse respeitada em todos os níveis de sua existência. Vejam como isto é importante.
Há poucos anos, professores da USP estavam realizando pesquisas sobre a malária na região amazônica. Contratavam matutos, pagando-lhes uma ninharia, para se deixarem picar pelo mosquito. Depois os pesquisadores da USP, juntamente com pesquisadores dos Estados Unidos, colhiam o sangue destes matutos para verificar se tinham sido contaminados, ou não, pelo vírus da malária. De fato, vários matutos(cobaias) foram contaminados, mas não receberam o devido tratamento por parte dos pesquisadores, permanecendo doentes. Estes pesquisadores não estavam autorizados, para tais pesquisas, pela CONEP, pois eticamente era injustificável o prejuízo para a saúde dos matutos cobaias.
Outro fato, relatado há poucas semanas: pesquisadores americanos vieram ao Brasil e coletaram sangue de índios. Este sangue foi levado aos Estados Unidos para ser pesquisado étnica e geneticamente. Quando os índios foram alertados que haviam entregue (“vendido”) seu sangue “sagrado” a gringos, se pintaram para a guerra, exigindo seu sangue de volta. Esta atitude de pesquisadores se aproveitarem de pessoas ingênuas para coletar material humano para suas pesquisas, objetivamente foi falta de ética. Segundo notícias, o sangue dos índios foi devolvido, mas não se sabe que pesquisas, entretanto, foram realizadas com ele. Há alguns anos, o mesmo havia ocorrido com índios colombianos, que também se revoltaram com os pesquisadores “gringos”, e exigiram seu sangue de volta.
Inácio Strieder é professor de filosofia – Recife/PE