Amadas, temidas, senhoras tecelãs de destinos...
Desde os primórdios da civilização à figura feminina são atribuídos poderes sobre a vida e a morte. A mulher-mãe por sua ambigüidade
é temida, odiada, amada, dotada de forte intuição contrapondo-se a racionalidade é envolta em atmosfera misteriosa. Na mitologia à elas é atribuída a responsabilidade de tecer o destino dos mortais , as deusas Moiras, irmãs tecelãs, são tão poderosas que nem o próprio Zeus pode interferir no que por elas foi determinado; Cloto tece os fio da vida, Láquesis enrola-os e determina os destinos e Átropo inflexivel, encarrega-se de cortar os fios dando fim às existências.
Freud cita e de forma enfática as irmãs tecelãs supracitadas, que aparecem na Ilíada e Odisséia em seu ensaio < O tema dos três escrínios- 1913>. As questões sobre o vir a ser do feminino sua indefinição e dual substância psíquica“ Amor-te” é registrado desde
os primórdios da civilização através de mitos nas diversas culturas e é material de investigação . Freud após trinta anos de estudo lançou a pergunta “ o que quer uma mulher?”
Brevemente passeio sobre os mitos e lendas que envolvem o poder sobre a vida e a morte, atribuído à mulher sobre a vida e morte, raízes de perseguições, preconceitos em quase todas culturas. O devir mulher remete-nos aos registros históricos e nos mitos trágicos ; a intuição, o mistério e o irracional da mulher e o dual de sua substância psíquica “ Amor-te” é material de investigação psicanalítica.
Por um lado temos a mãe que invade a psicosfera do filho produzindo o “ sufocamento assassino” do desejo não desejado e a mãe que ama, suficientemente passando ao filho a marca do simbólico, entendendo-o na acepção grega da palavra symbaleim definido como “junção”.
Na mitologia a deusa mítica da terra Deméter representa a mulher-mãe que junta os componentes psíquicos do filho e o traz à vida.
Já Medéia representa a “A mãe homicida” .
“Tem, assim, a Mulher-Mãe um rosto de trevas: ela é o caos de que tudo saiu e ao qual tudo deve voltar um dia; ela é o nada. Dentro da noite confundem-se os múltiplos aspectos do mundo que o dia revela: noite do espírito encerrada na generalidade e na opacidade da matéria, noite do sono e do nada....”
Prossigamos relendo mitos e narrativas sobre a ambiguidade e metamorfoses da mulher-mãe . Na Bíblia Sagrada Eva cede a sua curiosidade cede à tentação da serpente e come do fruto da “árvore
do conhecimento do bem e do mal”, desta forma transmite aos seus filhos a mácula do Pecado Original.
No Talmud a primeira companheira de Adão é Lilith, levada por desejos lascivos deixa o paraíso furiosamente transformada em um demônio alado e seus filhos se transformam em diabretes e povoam o mundo habitado com suas maledicências.
Já na mitologia grega Zeus cria Pandora e a oferece a Epimeteu. Embora alertada para não abrir uma caixa ela cede à sua curiosidade e ao abri-la ( caixa de Pandora) libera do interior desta doenças do corpo de toda espécie e da alma tais como; inveja, desespero, vingança, etc. O que os viria explicar.
“... No fundo do mar impera a noite: a mulher é o Mare tenebrarum temido dos antigos navegadores; a noite impera nas entranhas da terra. Essa noite pela qual o homem receia ser tragado, e que é o inverso da fecundidade, apavora-o.”
Na mitologia hindu acredita-se na existência de deusas que apregoam
a morte e a vida. A consorte negra de Xiva é a sanguinária deusa da destruição, Durga ou Cali; representada com grande língua vermelha de fora. Em sua forma mais agradável (benfazeja) ela é conhecida como Pavarte ou Uma. Como Deusa-Mãe, Cali Ma (Negra Mãe- Terra), é a deidade principal da seita Sacti. Ela é retratada nua até os quadris e usando como adorno cadáveres, cobras e caveiras. No passado, vítimas humanas estranguladas eram oferecidas a ela por crentes conhecidos como tug.
No culto dos mistérios, datados de períodos diferentes da história humana, o grande e o primeiro é o de Elêusis, de cunho patrilinear,
que faz suceder diferentes formas de cultos. Os telestêrion orientais
do Egito, com a deusa Ísis e o deus Osíris; o fenício, com Adonis; o iraniano, com Mitra; e o frígio, das deusas Cybele e Átis. Este último, retrata com fidelidade a adoração a deusas representantes do antagonismo, da dubiedade do Eros versus Thanatos. Os ritos frígios argumentam o enigma da vegetação, da Terra-Mãe. Assimilado nos primeiros séculos da Era Cristã e introduzido na Roma antiga, a ritualística de Cybele e Átis conota devoção e honra, fidelidade e sofrimento. Divindades como Hécate, Lâmia, Lilith, Perséfone, as
Eríneas e as sacerdotisas de Dionísio, as bacantes, todas representam
o imaginário dominado pelos desejos (in)faustos que comungam a feminilidade muitas vezes não velada, daí o significado da palavra verdade, vindo do grego Aletheia( (des)velamento). Mostrar-se no desvelamento é a forma de despir-se, mesmo que no mito, mas que se torna possível a entrada ao mundo encoberto pelo véu enigmático da vacuidade sígnica da mulher. As bacantes, enunciadas por Eurípides, detém em suas mãos o desterro e a vida.
No Cristianimo um dos aspectos da Mãe de Deus é da “Nossa Senhora das Graças” imagem na qual aparece pisando a serpente; símbolo da tentação mítica do paraíso, desta forma protegendo a humanidade dos desvios e do pecado adâmico.
Na Idade Média a caça às bruxas e aos rituais pagãos. Freud, na
carta 57, endereçada a seu discípulo Fliess, em l897 desmitisficando
o mito da mulher malévola: “Ganha força a idéia de trazer a tona à cena as bruxas, e penso que ela vai direto ao alvo. Começam a avolumar-se os detalhes. O seu ‘voar’ está explicado; o cabo da vassoura em que montam provavelmente é o grande Senhor Pênis...”
Algumas mulheres mães culpam-se por não “morrerem” de amor por seus filhos, bem sabemos que todo exagero é nefasto e que evoluímos muito deste os primórdios da civilização e que as leis estão à serviço
da vida, mas não nos iludamos quanto ao passado, sempre houve mães malévolas, assassinas no sentido literal e simbólico e, não são poucas nem raras as mulheres-mães, na atualidade, que em nome do amor-cuidado (supermães) continuam castrando, sufocando, manipulando, controlando os filhos sejam biológicos ou não...
Lembremos o Poeta Gibran; seus filhos não são seus filhos...
Fato é que as mulheres-mãe continuam tecendo o fio da vida e seu relacionamento é determinante no destino, escolhas de vida de seus filhos, sejam biológicos ou não e, consequentemente da sociedade, sejam como a consorte adâmica do pecado origina, Lilith, Pandora, Medéia, Demeter , a redentora Maria...
Citação de **Simone de Beauvoir na obra O segundo Sexo-