CARÊNCIA AMOROSA

A insatisfação interior leva o individuo a se isolar do mundo. Como se fosse uma concha oprimida por sua própria limitação, o individuo carente evita o contato porque ele mesmo não acredita que pode ser feliz sem que, necessariamente seja preenchido por fora, por algo que ele não procurou realmente, mas que veio em busca de si como resultado do seu pensamento. Os semelhantes se atraem. Se me acho carente, vou infalivelmente atrair outros em busca das mesmas necessidades. Pensar que a minha falta de afeto, de carinho e de atenção tem, inevitavelmente, que ser preenchida por algo que está lá fora, é armadilha a me envolver ainda mais na malha opressora da baixa estima. Isto porque o outro, embora possamos não perceber, também traz em si o seu quinhão de carência.

Em outras palavras, busca em nós o que buscamos nele. Há vazios a serem preenchidos; há lacunas de alma que se quebrantaram no confronto com o mundo. Reconhecer que a grandiosidade dos sentimentos está intrinsecamente ligada às ações de amor é abster-se de confrontos entre o Eu interno e a realidade física. Em outras palavras, se eu me completo por mim mesmo, não existe carência, mas desejo de amar mais do que ser amado.

E o que seria o amor senão uma eterna troca? Buscar ser amado é inverter valores. Isto porque não há como não ser amado. Amor pode estar não menos em um “obrigado”, “por favor,” “com licença” do que num “te amo perdidamente”, “não vivo sem você” ou “és o grande amor da minha vida”. É evidente que não vou amar o meu livro predileto ou mesmo o meu cão mais do que um filho, marido ou mulher. Mas é perfeitamente possível ter neles um aliviador de tensões, um bálsamo nas dores diárias.

A sociedade nos impõe comportamentos que, inconscientemente, vamos assumindo e isto acaba por nos igualar às massas que buscam avidamente valores estereotipados. Há que fugir desta mesmice, deste ramerrão de crenças que levam o ser humano às zonas infinitamente distantes da independência mental. Somos seres manipulados por emoções e são essas tanto mais fortes e opressoras quanto a nossa tendência de aceitar o comércio de ideias e até de sentimentos dos mais fortes sobre os mais fracos. Por que o ser humano insiste em nunca estar bem consigo? Se nos preocupássemos mais em dar amor do que correr desesperadamente a sua busca, sofreríamos menos.

A alegria de viver o dia com prazer e gratidão não se compara a um oceano de companhias, tampouco a mil shopping centers lotados. Isto não é um manifesto à solidão, mas uma tentativa de diferenciar sentimentos.

Quem não gosta de ter ao seu lado um grande amor, alguém que compartilhe os bons e os maus momentos e traga felicidade? Isto é inerente à vida e não deixa de ser um fator de felicidade. O grande problema está em focar exclusivamente numa relação amorosa como sendo a única forma de alcançar ou de perpetuar a felicidade. A própria vida em si é um grande manancial de alegrias e amor e vai muito mais além de uma relação a dois. Achar que, se não tem alguém ao lado, esvaíram-se as chances de ser feliz é minimizar ao extremo a vida e o seu propósito. O que não dizer então de um padre, de um sacerdote ou de um monge que dedicam cada minuto de sua vida ao objetivo ecumênico de amar a Deus e a humanidade?

Não precisamos ir tão longe. Não é de admirar, uma mulher que, ao ficar viúva ou optar pelo celibato, dedica sua vida inteira a uma causa social, aos animais ou a algo do gênero?

Carente é quem carente se acha. Nunca vi um cachorro chorar ou lamentar-se porque tem que dormir sozinho ou um cavalo pular de uma ribanceira porque sua companheira o abandonou. A comparação parece descabida, mas não somos diferentes por sermos humanos e por possuirmos uma mente que raciocina e é neste raciocínio que se encontra o grande empecilho. Por reconhecermos a carência é que ela se manifesta como muitas outras coisas que se manifestam em nossas vidas por força do reconhecimento.

O mundo está cheio de novidades. As opções de vida estão cada vez mais facilitadas e podemos ter acesso a escolhas e adaptações que seriam impensáveis há alguns anos. Somos o resultado das nossas próprias decisões. Tabus, preconceitos e impedimentos deram lugar a opiniões inatacáveis; tomamos o nosso próprio partido, não temos que dar decisões à maioria dos nossos atos senão a nós mesmos, a nossa própria consciência. Por um lado, isto não deixa de ser positivo. Têm-se no ar o sentimento incômodo de que se esfriaram as relações e que pairam interesses no mais bem intencionado dos relacionamentos. Se o amor permear a relação, o interesse torna-se aceitável e até bem vindo, uma naturalidade, já que há uma troca. O problema é quando a unilateralidade faz quebrar o pêndulo da harmonia e do amor; quando um vê no outro a salvação da sua carência. Uma relação assim nunca vai longe.

A procura ávida em ser amado leva o desesperado pretendente a encontrar alguém na mesma situação que a dele. Quando se tenta conhecer melhor o futuro parceiro aumentam as chances de esta relação dar certo. As fraquezas e as diferenças começam a surgir à medida que a relação prossegue. A tolerância com as falhas e os defeitos do outro só tendem a neurotizar ainda mais a relação. O melhor é não haver tolerância, mas aceitação.

Numa família onde há amor, união e harmonia, seus membros vivem felizes, as doenças desaparecem e a sociedade recebe com alegria os benefícios que certamente advirão de componentes de uma família assim. É por isto que tudo começa na família, mas que não seja ela exclusiva em si mesma e sim uma provedora de bem estar social. Não há carência onde há união. Partindo da alegria com que se vive e da gratidão por manifestar essa vida maravilhosa surgem todas as outras coisas. Daí, não importa se sozinho ou acompanhado, casado ou solteiro, o importante é ser feliz. Na companhia de um, muito bom, na companhia de muitos, melhor ainda.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 01/12/2013
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