Traumas e maus tratos por abandono

Nossa vida é pautada em exemplos e observações que vivenciamos ao longo de nossa vida.

Já no ventre de nossa mão, começamos a nos basear e acumular dados que irão influenciar nosso caráter de acordo com as informações de comportamento que nossa mãe está vivenciando,ou seja, dos ambientes que ela frequenta, das músicas que prefere ouvir, do tom de voz que costuma usar, das atividades que exerce e até a maneira que reage frente as atitudes de outras pessoas ao seu redor.

Depois do nascimento, tudo se torna ainda mais marcante. Temos a noção mais apurada de tudo através das imagens e dos sons, principalmente da voz de nossos pais, que é o que será marcado para sempre como nosso primeiro registro de amor, ou seja, a suavidade ou não da voz nesse primeiro momento, exprime como somos recebidos para a vida. Daí para frente, qualquer alteração brusca na atitude de nossos pais ou em nossa casa poderá ser interpretado pela criança como um abalo afetivo importante, que ela não entenderá.

Assim começa a formação de nossa personalidade. Não é pelo quarto bonito ou pela quantidade de brinquedos que a criança tem que sentirá o quanto é amada, mas pelo amor e segurança que lhe é transmitido nas pequenas coisas e assim sua formação como pessoa começa a delinear sua identidade de pessoa íntegra e que estará pronta também para retribuir a esse amor, de maneira espontânea .

O comportamento do ser humano é adquirido, ou seja, nossa personalidade é formada ao longo dos primeiros anos de vida com tudo que vivenciamos na nossa infância com nossos pais e familiares e se complementa ao longo da vida, com o contato que iremos ter com outras pessoas , situações e conhecimentos que nos cercarão, mesmo que sejam conhecimentos teóricos, empíricos ou espirituais que poderão ou não influenciar em nosso comportamento final.

Quando acontece uma situação de trauma e maus tratos na infância, mais precisamente o trauma de abandono afetivo parental (pai ou mãe), uma marca profunda atinge de maneira destrutiva o comportamento da criança ou do adolescente. Muitas vezes, esse abandono não é de ausência física, mas de desprezo afetivo de um dos pais que não se importa com a presença dos filhos, que fala coisas de maneira desonrosa e aos berros, podendo chegar a brigas onde um deles é espancado até ficar sem condições de reação e a criança no berço chorando, assistindo a tudo aquilo, apavorada, sem entender nada e até achando que a culpa é dela.

Existe, ainda, o lado do abandono físico, do desprezo incondicional, da criança abandonada literalmente, numa rua, numa lixeira ou num orfanato. Esse abandono não tem como estancar esse mal, será para sempre uma ferida aberta, que poderá até ser amenizado, se tiver sorte, por alguém que lhe oferecerá amor, cuidado, proteção e um lar e, quem sabe, dependendo das condições como tudo ocorreu, ainda ser possível uma vida sem amarguras e até com dignidade.

Mas existe o abandono presencial, a meu ver o pior de todos, que é o abandono onde o desprezo atinge o auge, ou seja, os pais estão ali, mas é como se não existissem. A presença dos pais ou de um deles é só corpórea, não existem atitudes a serem espelhadas, não existe afeto com proximidade e atenção, brincadeiras calorosas e nem conversas que transmitam orgulho de dizer " esse é meu pai", mas muitas vezes existe um olhar triste e distante da criança, comparando com os pais de seus amiguinhos ou mesmo de seus primos e a eterna indagação: "Por que meu pai não gosta de mim?".

Nesse mesmo tipo de abandono existe a situação de um dos pais que vai embora e nunca mais volta e a criança se sente como algo descartável - e uma pergunta em seu coração insiste: "O que eu fiz?.

E ela convive sempre com a espera por alguém que nunca vem, de um aniversário sem um telefonema, da mão que não irá esperá-la na saída da escola, do Natal sem abraço.

Um abandono que gera alguém com um vazio imenso, um abismo nas emoções e comportamentos agressivos e até vingativos em alguns casos.

Pesquisas vem sendo realizadas, com o intuito de se traçar um perfil de uma geração criada apenas por um dos pais, onde o outro ignora a existência e a necessidade afetiva do seu próprio filho. São feridas que não cicatrizam e, muitas vezes, alimentam uma personalidade com traços destrutivos e agressivos ou autopiedosa e acomodada, baseada na ampla destruição da autoestima - sentimento infinitamente necessário para a convivência do ser humano com os demais de sua espécie -, pois a autoestima é que dá brilho ao caráter do ser humano tornando único.

Portanto, se a falta dos bens básicos como alimentação e moradia podem influenciar diretamente os riscos no desenvolvimento físico da criança, os danos psicológicos causados por traumas e maus tratos causam prejuízos irreparáveis na formação da personalidade. Estes prejuízos não terão possibilidade de aferição quantitativa. Trabalhar-se-á, outrossim, sempre no intuito de amenizar os danos sofridos, pois estes são de difícil reparação.