PARTO DOMICILIAR AINDA
Sérgio Martins Pandolfo* Dada a inusitada repercussão que causou o artigo anterior (O Liberal, 2/7/12), a julgar pela quantidade de telefonemas e vero enxame de e-mails que nos foram dirigidos, voltamos ao assunto analisando outros aspectos.
Em nosso País o parto domiciliar não tem o endosso da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia – Febrasgo e nem do CFM, em função do risco potencial a que mãe e filho ficam expostos, pois, embora o trabalho parturiente e o parto não sejam doenças e sim eventos fisiológicos, as complicações que podem advir deles são muitas e inesperadas e no mais das vezes graves, de difícil contorno, podendo mesmo levar ao êxito letal em pouco tempo se não contarmos com um ambiente hospitalar/cirúrgico adequado para seu atendimento.
Essas as razões por que atualmente a grande maioria dos partos é efetuada em hospitais ou maternidades, visando a dar solução eficaz e presta quando isso se fizer imperioso, mas também permitindo à gestante ter seu parto de forma absolutamente natural e humanizada (já foi desumanizada?). O parto hospitalar também permitiu a redução drástica da mortalidade perinatal (ante, trans e pós-parto) que matava milhares de mulheres, em todos os países, de todas as camadas sociais (rainhas e servas), décadas atrás, restando o parto domiciliar assim contraindicado. Chamou-nos a atenção em especial este comentário feminino postado na internet: “Cama de casa serve para fazer a criança e não para tê-la”.
Outro fator, e nada despiciendo, é o da maior possibilidade de infecção, dada a ausência de providências locais para evitá-las, o que pode comprometer a vida do binômio materno-fetal e foi responsável, durante muitos anos, por grande número de mortes maternas em todos os estamentos sociais. A contaminação bacteriana do canal parturitivo, levando à temível e terrível infecção puerperal, é situação que quase sempre leva ao choque séptico, à mutilação, pela necessidade imperiosa de extração da matriz afetada, ou ao êxito letal, só passível de prevenção e/ou tratamento em adequado ambiente nosocomial. Não se pode, assim, brincar com o parto, que tem que ser conduzido com perícia e responsabilidade. Nossos mais de 40 anos de vivência com a especialidade deram- nos a precisa dimensão do problema e tranquilidade para opinar e emitir conceitos.
O parto normal, inda que evento fisiológico, é processo biológico sério, que requer cuidados especiais e atenção permanente em seu transcurso. Um parto que até uma determinada altura evoluía em mar de tranquilidade pode passar, de um momento a outro, aparentemente sem causa presumida, para uma situação de tempestade tropical. Por isso que o grande mestre Fernando Magalhães, criador da Escola Obstétrica Brasileira, sentenciou que “o parto não admite prognóstico, mas sim diagnósticos sucessivos”.
Somente quem nunca presenciou uma hemorragia copiosa, cataclísmica, em catadupa, deflagrada por um descolamento placentar insuspeitado, ou pela ruptura de um colo uterino à passagem abrupta do polo cefálico, ou mesmo por um desgarro mais alargado da trave perineal pode imaginar, candidamente, que os trâmites da parturição, máxime ao tempo do delivramento (saída do feto) e da dequitação (saída da placenta) são fases de um curso fisiológico sempre bem-sucedido.
Ledo engano! As complicações que podem assolar o trabalho parturiente são, pelo geral, de extrema gravidade e subtaneidade, daí a exigir reciprocidade de ação saneadora presta, razão soberana para a assistência ao parto em centro hospitalar bem equipado. Para o Prof. José Geraldo Ramos, da UFRGS, “o parto humanizado domiciliar chega ser um retrocesso quanto a tudo que a Medicina conquistou em todo esse tempo”. “Ressuscitar” o parto em casa, que nos desculpem os áulicos e simpatizantes, é retrovolver ao medievo.
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*Médico e escritor. ABRAMES/SOBRAMES
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