PARTO DOMICILIAR “HUMANIZADO”
Sérgio Martins Pandolfo*Há um tempo vêm os órgãos normativo-disciplinadores da categoria médica – conselhos regionais e federal de Medicina - e os respectivos de Enfermagem desentendendo-se acerca de problema que se cria já resolvido e consumado, o da não realização do parto em domicílio. Na semana que passou o Cremerj proibiu que médicos façam parto domiciliar, pelo risco maior de morbidade e mortalidade materno-fetal, de acusação de imprudência profissional, ou mesmo, em caso de morte, de dolo eventual , pelo conhecimento que obrigam-se a ter do que essa prática, retrógrada e perempta, pode ensejar ao binômio materno-fetal. Além disso, o Cremerj proibiu a presença, nas salas de parto, das doulas. Da decisão soberana do Cremerj recorreu o Conselho Regional de Enfermagem, que entrou com ação civil pública contra a sentença do órgão, alegando não possuir o mesmo atribuições legais para impedir o médico de integrar grupo que preste assistência domiciliar ao parto normal, composto por enfermeiro obstétrico ou por obstetriz e, eventualmente, com a ajuda das doulas.
Para que se possa garantir um razoável entendimento por parte da grande maioria dos leitores vamos tentar caracterizar cada uma das categorias supracitadas.
Doula (grego = mulher que serve) aplica-se hoje às mulheres não instruídas nas artes do parto nem de enfermagem, que dão suporte físico e emocional (?) a outras mulheres antes, durante e após o parto, adjuvando-as.
Obstetriz: profissional de formação intermediária (não médico ou enfermeiro) habilitado por curso profissionalizante, autorizado a dar assistência pré-natal e a fazer parto normal.
Enfermeiro obstétrico: profissional de nível superior com especialização em Obstetrícia, que o habilita a conduzir o pré-natal e assistir ao parto normal. Ressalta patente, pois, que tanto a um como ao outro fica vedada a feitura de parto cirúrgico, i.é, aplicação de fórceps, vácuo-extrator, versões fetais e cesáreas, só executáveis por médico habilitado (obstetra).
Para que uma gestante a priori seja considerada apta ao parto normal é necessário que esteja entre os 18 e os 35 anos, fase ideal para a procriação, todos os seus exames avaliativos e os do feto estejam rigorosamente dentro dos parâmetros da normalidade, não seja obesa ou hipertensa, tenha bacia favorável, feto único em apresentação cefálica; se secundigesta, que o primeiro parto tenha sido normal, além de vários outros requisitos de segurança, o que, por si só, já reduz expressivamente o número de candidatas à eleição da via transvaginal.
O fato de a paciente ir para o hospital para parir não significa ou sugere que se esteja “medicalizando” o parto, como tem sido inculpado pelo conselho de enfermagem, mas tão somente garantindo a tomada de ação justa e presta, caso algo de anormal sobrevenha. Em todas as ações de saúde o médico sempre ocupou o ápice da pirâmide hierárquica, dadas as aptidões que só ele tem para o desempenho de funções que lhe são imanentes, tais a prescrição de medicamentos especiais, a solicitação e interpretação de exames subsidiários diferenciados, a manipulação de instrumental cirúrgico-obstétrico e, por fim, ocorrido óbito, sua certificação em atestado próprio.
O que se está pretendendo fazer, a nosso ver e salvo melhor juízo, é a inversão da pirâmide hierárquica na Obstetrícia; pretextando tratar-se o ato parturiente de evento fisiológico caberia “humanizá-lo” – estampilha redescoberta e a basto evocada para tudo justificar -, ficando assim estabelecido: enfermeiro obstétrico e obstetriz encarregam-se do pré-natal, do parto normal “humanizado” e do puerpério; caso complique chame-se o “doutor”, a quem restaria tentar “consertar os estragos” porventura ocorridos e arcar com as injunções e as penas decorrentes das repercussões desses.
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*Médico e escritor – ABRAMES/SOBRAMES
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