Bioética e a Dama da Morte
Muita gente tem medo da morte. Alguns não gostam nem de ouvir a palavra. A grande maioria entende que vida e morte são fatos diferentes, opostos. Nada disso ! A morte é “parte” da vida ? Não, vida e morte são inseparáveis, imanentes. Uma não existe sem a outra. Quando o espermatozoide do seu pai fecundou o óvulo no útero da sua mãe, iniciavam-se ali dois fatos importantes : começavam a sua vida e a sua jornada em direção à morte. Ou você conhece alguém que nasceu e nunca morreu ? E não é privilégio dos homens, acontece com todos os outros animais e com plantas e vegetais também.
Portanto, olhe para a “morte” com olhos de esperança. Todos nós temos uma grande expectativa de vida além da morte. Não importa se cristão, espirita, muçulmano, judeu, hare krishna ou ateu. Isso mesmo, até o ateu, no fundo, tem esperança de vida futura. Se tudo termina ao final dessa existência, qual o sentido da vida ? A ordem social que existe no mundo está totalmente ligada a essa expectativa. Caso contrário, “ordem” para quê ?
Sem essa perspectiva somos como sacos vazios e não paramos em pé. O que fazemos aqui ? Sendo assim, para que fazer o bem ? De que serve a ética ? Para que ser honesto, caridoso, justo ou solidário ? De que vale a sabedoria, a inteligência, o discernimento e a prudência ? Respeito e alteridade, para quê ? Onde nos levará a fé, a esperança e a caridade ? A lugar algum. Apenas, ao final de tudo seremos “deletados” como se fossemos uma planilha imprestável ocupando espaço no arquivo virtual do computador.
Contudo, a “dama da morte” chama-se : vida ! O grande desafio do século XXI, onde impera a alta tecnologia, quando a medicina atinge estágios elevados, jamais vistos, é preciso que os profissionais da saúde tenham discernimento e sabedoria para respeitar os limites da “vida”. Essa fronteira se encontra na autonomia dos pacientes e no tratamento com dignidade tanto na doença quanto na morte. Se é preciso dar dignidade à vida, é preciso, também, dar dignidade à morte, pois ela é imanente à vida. O homem deve ser o centro das atenções e não a vaidade, a ganância e o poder.
A bioética está nascendo e lutando bravamente para discernir e mostrar ao homem as portas que devem ser abertas e as que devem continuar fechadas. Na bioética temos vários modelos de referência, que confrontam entre si, citamos apenas dois, para alimentar as suas reflexões. O modelo personalista e o modelo pragmático, assim você poderá tirar as próprias conclusões e se posicionar perante a vida.
O modelo personalista : Este modelo leva em consideração todas as dimensões do ser humano, o homem é visto como uma unidade “alma corporificada” e deve ser respeitado na integra em todos os aspectos de uma visão e pesquisa bioética. O que é bioética ? É a ética da vida, então não há como tratar o ser humano de forma diferente. Este modelo respeita a identidade das pessoas, biologicamente, psicologicamente, moralmente, espiritualmente, mentalmente, emocionalmente, socialmente, enfim na totalidade do que se chama “ser humano”. E deve ser colocado em lugar especial, longe de quaisquer riscos de “usos e abusos” por parte de profissionais que colocam os interesses do poder e do dinheiro acima do respeito humano. O modelo personalista faz uma abordagem verdadeira e adequada, considerando o paciente como uma “pessoa” e não como uma mera “ferramenta” ou “produto” de experiência que pode ser descartado ao final do procedimento. Este modelo tem destaque especial junto ao magistério da Igreja em razão do seu respeito à vida.
O modelo pragmático : Este modelo coloca o utilitarismo social como valor fundamental, para ele é ético o que é útil à sociedade. Não leva o indivíduo em consideração, entende que a “floresta” é mais importante do que a “árvore”. Aqui, os fins justificam os meios e se dá uma grande importância à intersubjetividade, pois como dissemos o que prevalece é a utilidade. O útil é consenso social, prevalece a política da maioria, o indivíduo tem valor secundário. Este modelo dá grande destaque ao fator “custo/benefício”, muito em voga nos tempos atuais, onde tudo é medido dessa forma e vive-se sob a eterna pressão para resultados e lucros, sobressaindo as injustiças sociais, os abusos e desmandos, onde os valores éticos do modelo personalista, por exemplo, são descartados. Aqui, a ética subordina-se à economia. No modelo pragmático, os velhos, os doentes crônicos, os incapazes, são considerados como um estorvo social. Este modelo, obviamente, apoia e aprova a eutanásia, pois leva em consideração os altos custos sociais no caso de internações por longos prazos. Trata-se de um modelo desprovido de valores humanitários.
O avanço da medicina e da tecnologia colocam o homem em sérios riscos. Até onde podemos ir ? Os fins justificam os meios ? O progresso e a ética, como harmonizá-los ? A tecnologia está a serviço do homem ou é o homem que é “servo” da tecnologia ? A cultura muda, está sempre em evolução e essa evolução pode colocar a ética a serviço da economia, e se isso acontecer, o que virá depois ?
A solução está na “educação” e na conscientização de todos os profissionais das ciências biológicas e de forma “maciça” de que o homem vem em primeiro lugar, nada pode superá-lo : nem economia, nem poder, nem direitos, somente o “dever” de protegê-lo de todos os riscos. Como diz o professor E. Sgreccia “não podemos permitir que o homem transforme a si mesmo em objeto”, pois se assim for, tudo perderá o sentido e para alcançarmos o status de seres humanos ficará cada vez mais longe.
Portanto, você não tem que se preocupar com a morte, preocupe-se com a vida, pois o progresso da humanidade coloca em risco os conceitos éticos pelos quais tanto lutamos. Neste início de século e com a modernidade quem anda correndo “perigo” é a vida e não a dama da morte !
Não deixe de assistir o filme abaixo recomendado. São apenas 8 minutos, mas complementa esta reflexão de forma brilhante.
http://www.youtube.com/watch?v=xjtLJI12Fh4
Leandro Cunha
julho 2012.