Voluntários em risco de vida. Posfácio de "COM POUCOs também SE INVESTIGA"
Posfácio de “COM POUCOs também SE INVESTIGA”
No sábado, 18 de Março de 2006, estava já a imprimir-se o livro cujo título acima se refere, o jornal “Público” noticiou o que adiante se transcreve na íntegra:
“VOLUNTÁRIOS DE ENSAIO CLÌNICO EM RISCO DE VIDA”
Seis homens estão hospitalizados sob cuidados intensivos desde segunda-feira, por terem participado, em Inglaterra, no ensaio de um medicamento para tratar de doenças inflamatórias crónicas e leucemia. Dois dos homens, de 21 e 29 anos, estão em estado crítico. O mais novo pode ficar em coma pelo menos um ano, avisaram os médicos.
Os restantes doentes apresentaram algumas melhorias, embora ainda inspirem cuidados. Mas as autoridades britânicas iniciaram um inquérito para apurar se os voluntários foram alvo de sobredosagem ou se o problema é o medicamento. Estão a ser consultados peritos internacionais em toxicologia e imunologia para compreender os sintomas, que nunca tinham sido relatados.
Esta foi a primeira vez que o anticorpo monoclonal TGN1412 foi testado em humanos. A droga é produzida pela TeGenero, uma pequena biofarmacêutica alemã, e os testes estavam a ser conduzidos em Inglaterra pela Parexel, uma empresa norte-americana especializada em levar a cabo ensaios clínicos. Responsáveis desta empresa dizem que foram observadas todas as regras no ensaio.
A farmacêutica alemã pediu desculpas às famílias dos hospitalizados, mas sublinhou que não tinham sido encontrados problemas de segurança nos testes de laboratório. Mas a advogada de um dos doentes em estado crítico declarou que a família recebeu informações que contradizem esta garantia de segurança.
Numa primeira declaração, a farmacêutica alemã terá dito que nos testes, realizados em macacos e cães, um dos animais terá morrido. Mais tarde, a empresa terá feito saber às famílias que os testes tinham sido conduzidos em macacos e coelhos e que não se tinham verificado quaisquer efeitos secundários.
Os sintomas – desmaios, febres intensas, dores de cabeça e vómitos – começaram a ser sentidos pelos voluntários logo após a administração da droga. Algumas horas depois, o pessoal médico (trabalhadores da empresa de ensaios) conduziu os homens aos cuidados intensivos do hospital onde a experiência estava a decorrer. O diagnóstico indicou falência múltipla de órgãos. Alguns pacientes sofreram um inchaço anormal, de cabeça e pescoço.
Ao todo, oito homens, todos saudáveis, acederam em submeter-se à experiência a troco de um pagamento de 3300 euros. Dois constituíam o grupo de controlo e foi-lhes dado apenas um placebo.# J. P. P. “
As questões que levanta a notícia acabada de transcrever são muitas e deveriam ser, mas não são, tratadas a vários níveis. Aqui só se abordarão alguns aspectos que se relacionam com o título e o texto do trabalho “COM POUCOs também se INVESTIGA”.
Como se vê, empresas especializadas de países desenvolvidos promovem investigação experimental em seres humanos com poucos sujeitos – 8 no caso noticiado, 6 no grupo experimental e 2 no de controlo. Se se tivessem contentado com o mínimo que o método convencional comporta - 6 como descrito na obra referida, 3 no grupo experimental e outros 3 no de controlo, teriam poupado, em pagamentos aos voluntários, 6600 euros e, muito mais importante do que isso, evitariam 3 internamentos nos cuidados intensivos. Quem tiver entendido o que no texto da obra se descreve, não terá dificuldade em verificar que com 8 indivíduos experimentais, 4 no grupo experimental e outros 4 no de controlo, os casos possíveis (o conjunto das classificações dos sujeitos de qualquer dos grupos) são 70 e que o melhor resultado possível teria a probabilidade (o erro de tipo I) de 1/70; não se teria poupado dinheiro mas evitavam-se 2 internamentos em cuidados intensivos. Com 6 no grupo experimental e dois no de controlo os casos possíveis são apenas 28 e o melhor sucesso possível sê-lo-ia com um erro de tipo I de 1/28, bem maior do que 1/70 e acabou por provocar 6 internamentos nos cuidados intensivos. O menos que pode dizer-se é que é caso para duvidar muito seriamente das competências, nesta e em outras áreas, dos técnicos (e dos dirigentes) das empresas envolvidas.
Se o projecto de ensaio fosse integrado nos SSED (single subject experimental design) – ou métodos de sujeito único numa tradução tão pouco feliz como a designação em inglês – de que se descrevem na obra referida três procedimentos diferentes com mínimos de 5 até 3 sujeitos experimentais, os riscos e os custos podiam e deviam ter sido ainda muito melhores. Como esses procedimentos obrigam a “tratar” apenas um sujeito de cada vez, no caso concreto do ensaio noticiado apenas um teria ido parar aos cuidados intensivos e a redução de custos com sujeitos experimentais poderia ter atingido os 16500 euros.
Aos leitores de “COM POUCOs também SE INVESTIGA” deixa-se como um último problema (aqui já parcialmente resolvido), o de quantificar as máximas economias em dinheiro e em número de internamentos em cuidados intensivos que cada procedimento dos descritos no texto permitiria, no caso concreto do medicamento ensaiado, com um erro de tipo I igual ou menor do que os 5% que a comprovação estatística aceita.