Fragrâncias naturais
Publicado originalmente no Jornal Lotus Bem Estar (Brasília – DF), Nº. 276, Jan. 2012, pg. 4.
A neurociência afirma que o sentido do olfato possui conexão direta com o processamento de emoções e memórias. A maioria das impressões sensoriais passa primeiro pelo córtex cerebral, responsável pelo julgamento crítico. O que cheiramos, porém, passa direto pela “censura” e atinge em cheio o sistema límbico, região do cérebro responsável pelas emoções. É por isso que uma fragrância pode nos trazer lembranças de ocasiões especiais e evocar os sentimentos mais profundos. O aroma do bolo que sua avó fazia, o cheiro da chuva sobre a grama, o perfume da pessoa amada... Mas também pode fazer a gente torcer o nariz – como a fumaça do trânsito, aqueles alimentos que a gente não gosta, o lixo, e por aí vai. É por isso que a indústria investe cada vez mais no marketing olfativo. Por exemplo, shopping centers que aplicam óleos essenciais no ar condicionado, lanchonetes que espalham aromas de café e pão de queijo para estimular o apetite, etc. Na indústria cosmética, esse é um campo sem limites para a criatividade dos fabricantes.
Todo perfume é sentido em três etapas. Primeiro, temos aquelas notas mais leves, voláteis, percebidas imediatamente. Segundo, as notas que expressam a personalidade do perfume, que evaporam mais devagar. E finalmente, as notas mais densas, que evaporam ainda mais lentamente e permanecem por horas e até dias. Em perfumaria, isso é conhecido respectivamente como “notas de saída”, “notas de coração” ou “corpo”, e “notas de fundo” ou “base”. O cheiro é uma soma dos efeitos desses três notas. Mais ou menos como na música, onde temos três níveis de notas (agudas, médias e graves) formando acordes.
Na alimentação, o aroma é fundamental para a percepção do sabor. “Temperar” tem a mesma raiz latina da palavra “tempo”, e significa relacionar, equilibrar, harmonizar. A palavra inglesa season designa tanto as estações do ano quanto o ato de temperar, pela mesma razão. Alimento “temperado” significa alimento maduro, colhido no ponto certo.
Podemos relacionar as três notas da fragrância com os três sistemas do corpo humano segundo a antroposofia: o neurossensorial (mais ligado à cabeça, pele e órgãos dos sentidos), rítmico (sediado no tórax) e metabólico (membros e genitais). Rudolf Steiner dizia que o cheiro de uma planta é reflexo da influência cósmica com a qual ela está relacionada. Assim, o aroma de lavanda acalma; o alecrim desperta; o limão equilibra; a violeta alegra, o incenso eleva, e assim por diante. Comparando as plantas umas com as outras, podemos ver claramente como os quatro elementos da natureza atuam de forma distinta sobre elas.
Óleos essenciais como limão, laranja, lavanda, eucalipto são exemplos de notas de saída. Rosa, gerânio, magnólia, são exemplos de notas de coração. E por fim, fragrâncias obtidas de resinas e madeiras como o pinho e a canela são exemplos de notas de fundo. A arte da perfumaria consiste em harmonizar essas tendências. Porém, a indústria cosmética convencional usa algumas fragrâncias sintéticas, não existentes na natureza. E também os “fixadores”, feitos principalmente a partir de secreções e hormônios animais. O almíscar, extraído das glândulas do cervo-almiscareiro, é um dos aromas mais penetrantes e persistentes que se conhece. Com ela, o animal é capaz de transmitir o seu odor a quilômetros de distância, atraindo as fêmeas e afastando outros machos. Quem tem cachorro em casa sabe muito bem disso.
Pela ação dos aromas sobre as emoções, já descrita acima, percebe-se claramente como alguns aromas atuam diminuindo a consciência e despertando os instintos, ao passo que outros nos elevam no sentido da espiritualidade. Por isso, a cosmética natural e orgânica rejeita o uso de hormônios animais em suas formulações e não utiliza fragrâncias sintéticas, por acreditar que mais do que um simples “cheiro”, o aroma traz em si as propriedades terapêuticas da planta. As fragrâncias dos cosméticos verdadeiramente naturais são suaves e saudáveis para o corpo e para a mente.