SUS - GESTÃO DO TRABALHO – CUIDANDO DOS CUIDADORES.
Por Carlos Sena
No SUS – Sistema Único de Saúde, colocar servidores à disposição do RH nível centrais é uma prática difícil de ser revertida. Os argumentos gerenciais dessa prática são por demais conhecidos tais como: servidores “inadaptados”, que não se “adéquam às condições de trabalho”, ou porque o funcionário é alcoolista, deprimido, etc. Repassar essa conduta, bem como não assumir a culpa é no mínimo incompreensível. Aceitar essa situação sem refletir reveste-se de uma comodidade que não justifica a inércia do setor público neste sentido, principalmente em se tratando SAÚDE. A grande maioria dos nossos gestores tem essa prática como única alternativa de se ver livres de alguns servidores “lentos”, pois não existe em suas unidades assistenciais, um APOIO PSICOSSOCIAL que, em nome da gestão, cuide disto como deve – sistemática e organizadamente e com o apoio gerencial do ALTO ESCALÃO hierárquico.
Independente de haver serviço especializado ou não para cuidar do cuidador, o servidor pela condição humana adoece, desmotiva-se, adere ao álcool e outras drogas, delinqüe, deprime-se, sofre por amor, abandona ou é abandonado pela família, etc., da mesma forma que os gestores. Contudo, quando o fato acontece com os funcionários, muitos gestores encontram a saída mais confortável: colocá-los (equivocadamente) a disposição! Entendendo que o nível central (RH) receba o servidor, nada irá ser alterado em relação ao mesmo, pois lá, da mesma forma, não existem serviços especializados, sequer atuação mais enfática das equipes de Saúde do Trabalhador. Inicia-se, por conseqüência, mais uma via crucis com o funcionário então disponibilizado: encaminhado para outra unidade da rede assistencial as chances são diminutas de o servidor lá permanecer. Logo, essa unidade, como de praxe, irá fazer o mesmo procedimento. Isto contribui para se formar uma uma "roda viva" humana que transforma o servidor em ioiô. Como se não bastasse o funcionário irá, gradativamente, se transformando em “figurinha carimbada” na rede e, certamente, provocando nele o sentimento ainda maior de abandono e inutilidade. Rapidamente ele fica "patrulhado" pelos gestores que, não raro, rejeitam-no em sua unidade de saúde. Ele fica, literalmente no “limbo organizacional”, na “sala de talentos (tá-lento)”, meio na função de lixo humano que o serviço público, no geral, prefere ignorar a desenvolver uma política agressiva de adequação, apoio e recuperação funcionais.
Não desconhecemos que nesse bojo haja aqueles funcionários dolosos – que agem sabendo que o que fazem está errado e contrariando as leis vigentes. Mesmos esses, as nossas unidades preferem repassá-los para os níveis centrais, ao invés de enquadrá-los nas legislações constituídas. Muitos são os trabalhadores comprovadamente flagrados cometendo infrações e que os gestores (há exceções) não tomam as medidas legais cabíveis (outro chavão), levando-os a permanecerem com suas fichas limpas, mas com o passado funcional questionável. Esquecem-se, os ditos gestores, que no serviço público só vale o que está escrito. Evidente que não se pode alimentar a cultura equivocada da culpa como forma de repassar responsabilidades, tipo: "já encontrei o hospital assim"; "se ninguém nunca fez nada não sou eu quem vai fazer" e coisas do gênero. Não se pode ignorar que o sistema público tem lá suas culpas. O problema é que essa culpa do sistema não deve servir de justificativa. Muitos permanecem nele com o beneplácito e a comodidade dos que, em determinados momentos, como gestores, são seus féis representantes. O primeiro passo para mudar essa situação é a consciência do erro; outro, é que em tendo esse reconhecimento, não se repasse a culpa mais uma vez, estimulando a lógica popular de que “o uso do cachimbo é quem faz a boca torta”... Certamente que não dispomos de receita para minorar isto, exceto o bom senso que tem que ser traduzido em decisão política de CUIDAR DOS CUIDADORES. Esse CUIDAR não pode ser responsabilidade apenas dos Recursos Humanos (hoje mais conhecidos como GESTÃO DO TRABALHO), posto que se trate de um sistema complexo de saúde – o SUS. Enquanto rede, ele não pode tergiversar nas questões do cuidado com os servidores posto que são eles, espalhados por todas as Secretarias Executivas e Diretorias Gerais e Regionais de Saúde, quem mantém o funcionamento de todos os serviços. Instituir uma política de apoio e assistência ao servidor talvez seja a alternativa que mais recomendamos. Buscar uma intersecção com a política de Saúde do Trabalhador é outro caminho. Este é um “remédio” genérico que cabe em qualquer paciente com a mesma sintomatologia. Basta somente que se entenda que um dia os gestores poderão precisar de acolhimento e, certamente, não gostarão de serem “repassados” da mesma forma como um dia fizeram com os outros quando gestores foram. Esta tem sido, grosso modo, uma prática recorrente na grande maioria das Instituições de Saúde integrantes do SUS.
Estruturar os setores jurídicos é fundamental no sentido de que os servidores que cometem infração respondam legalmente e que lhes seja garantido amplo direito de defesa. Atualmente, os setores encarregados disto ficam assoberbados de processos e as comissões de inquérito geralmente são insuficientes para dar conta do grande volume de processos abertos. Muitas vezes esses ditos processos se expiram nos prazos regimentais causando, desta forma, uma situação iatrogênica.
A determinação política de estabelecer uma ação efetiva de apoio e assistência aos servidores tem que ser integrada, dotada de instrumentos legais eficazes que garantam alguma dotação orçamentária para execução da política de CUIDAR DO CUIDADOR. A dimensão disto estaria, necessariamente, com representatividade nas diversas Regionais de Saúde e estruturada de forma multiprofissional, a partir das sedes das próprias Secretarias de Saúde. A Secretaria de Saúde de Pernambuco dispõe, embora timidamente, de um projeto que se aproxima disto – O QUALIVIDA – Unidade de trabalho ligada ao Apoio Psicossocial, funcionando na sede da própria Secretaria, mas com dificuldades de se efetivar nos grandes hospitais da rede e nas onze Diretorias Regionais em todo Estado. Talvez essa dificuldade de consolidação encontre amparo, provavelmente, na pouca dimensão que historicamente se tem dado às questões de valorização do trabalho e do trabalhador. Na iniciativa privada, as condições de se programar alguma política neste sentido poderão ser estabelecidas sem maiores burocracias. A favor disto está o capital que é privado e não dispõe de impedimentos legais para acontecer. No serviço público tudo nunca pode, inclusive em casos onde a lei é clara como a compra de medicamentos e assemelhados. Romper com essa visão burocratista talvez seja mais um caminho a se buscar enquanto forma, não enquanto conteúdo.
O trabalho do QUALIVIDA na Secretaria de Saúde de Pernambuco tem de alguma forma procurado fazer com que todas as unidades de saúde do SUS consolidem sua política de CUIDAR DOS CUIDADORES nos grandes hospitais e nas Diretorias Regionais. Apesar das dificuldades, as unidades já estão sintonizadas com os princípios de que não se devem devolver servidores ao nível central, repassando, como dissemos as responsabilidades. No bojo de suas ações/atividades, o QUALIVIDA vai se estabelecendo num verdadeiro trabalho de “formiguinha”, mas com significativos sucessos de "recuperação" de servidores (Retorno Assistido) nos mais diversos níveis profissionais, inclusive médicos. Além desse trabalho de convencimento junto a rede acerca do acolhimento que se deve prestar aos servidores inadaptados ou com outros tipos de sintomatologia, o QUALIVIDA dispõe de equipe multidisciplinar que executa atividades tais como:
Concluindo, melhor do que devolver servidores inadaptados sob as diversas denominações, é cuidar deles como se um deles fosse. Compete aos gestores de todas as esferas e complexidades defender esse projeto com unhas e dentes. O bom dele é que está legalmente constituído, razoavelmente implantado, mas com dotação orçamentária insuficiente, espaços físicos inadequados, equipes multidisciplinares desfalcadas e com tímida participação de alguns gestores de hospitais e gerências regionais de saúde. No bojo desse cuidado dos cuidadores, estão não só a devolução de servidores, mas o contexto geral que envolve: assédio moral, lotação, exclusão de direitos, relações desrespeitosas servidor X gestor, adoecimento físico e mental dos funcionários, dentre outros.
CARLOS SENA
Diretor Geral de Gestão do Trabalho. – Para publicação no RECANTO DAS LETRAS.
RECIFE, 20 de setembro de 2011
Por Carlos Sena
Independente de haver serviço especializado ou não para cuidar do cuidador, o servidor pela condição humana adoece, desmotiva-se, adere ao álcool e outras drogas, delinqüe, deprime-se, sofre por amor, abandona ou é abandonado pela família, etc., da mesma forma que os gestores. Contudo, quando o fato acontece com os funcionários, muitos gestores encontram a saída mais confortável: colocá-los (equivocadamente) a disposição! Entendendo que o nível central (RH) receba o servidor, nada irá ser alterado em relação ao mesmo, pois lá, da mesma forma, não existem serviços especializados, sequer atuação mais enfática das equipes de Saúde do Trabalhador. Inicia-se, por conseqüência, mais uma via crucis com o funcionário então disponibilizado: encaminhado para outra unidade da rede assistencial as chances são diminutas de o servidor lá permanecer. Logo, essa unidade, como de praxe, irá fazer o mesmo procedimento. Isto contribui para se formar uma uma "roda viva" humana que transforma o servidor em ioiô. Como se não bastasse o funcionário irá, gradativamente, se transformando em “figurinha carimbada” na rede e, certamente, provocando nele o sentimento ainda maior de abandono e inutilidade. Rapidamente ele fica "patrulhado" pelos gestores que, não raro, rejeitam-no em sua unidade de saúde. Ele fica, literalmente no “limbo organizacional”, na “sala de talentos (tá-lento)”, meio na função de lixo humano que o serviço público, no geral, prefere ignorar a desenvolver uma política agressiva de adequação, apoio e recuperação funcionais.
Não desconhecemos que nesse bojo haja aqueles funcionários dolosos – que agem sabendo que o que fazem está errado e contrariando as leis vigentes. Mesmos esses, as nossas unidades preferem repassá-los para os níveis centrais, ao invés de enquadrá-los nas legislações constituídas. Muitos são os trabalhadores comprovadamente flagrados cometendo infrações e que os gestores (há exceções) não tomam as medidas legais cabíveis (outro chavão), levando-os a permanecerem com suas fichas limpas, mas com o passado funcional questionável. Esquecem-se, os ditos gestores, que no serviço público só vale o que está escrito. Evidente que não se pode alimentar a cultura equivocada da culpa como forma de repassar responsabilidades, tipo: "já encontrei o hospital assim"; "se ninguém nunca fez nada não sou eu quem vai fazer" e coisas do gênero. Não se pode ignorar que o sistema público tem lá suas culpas. O problema é que essa culpa do sistema não deve servir de justificativa. Muitos permanecem nele com o beneplácito e a comodidade dos que, em determinados momentos, como gestores, são seus féis representantes. O primeiro passo para mudar essa situação é a consciência do erro; outro, é que em tendo esse reconhecimento, não se repasse a culpa mais uma vez, estimulando a lógica popular de que “o uso do cachimbo é quem faz a boca torta”... Certamente que não dispomos de receita para minorar isto, exceto o bom senso que tem que ser traduzido em decisão política de CUIDAR DOS CUIDADORES. Esse CUIDAR não pode ser responsabilidade apenas dos Recursos Humanos (hoje mais conhecidos como GESTÃO DO TRABALHO), posto que se trate de um sistema complexo de saúde – o SUS. Enquanto rede, ele não pode tergiversar nas questões do cuidado com os servidores posto que são eles, espalhados por todas as Secretarias Executivas e Diretorias Gerais e Regionais de Saúde, quem mantém o funcionamento de todos os serviços. Instituir uma política de apoio e assistência ao servidor talvez seja a alternativa que mais recomendamos. Buscar uma intersecção com a política de Saúde do Trabalhador é outro caminho. Este é um “remédio” genérico que cabe em qualquer paciente com a mesma sintomatologia. Basta somente que se entenda que um dia os gestores poderão precisar de acolhimento e, certamente, não gostarão de serem “repassados” da mesma forma como um dia fizeram com os outros quando gestores foram. Esta tem sido, grosso modo, uma prática recorrente na grande maioria das Instituições de Saúde integrantes do SUS.
Estruturar os setores jurídicos é fundamental no sentido de que os servidores que cometem infração respondam legalmente e que lhes seja garantido amplo direito de defesa. Atualmente, os setores encarregados disto ficam assoberbados de processos e as comissões de inquérito geralmente são insuficientes para dar conta do grande volume de processos abertos. Muitas vezes esses ditos processos se expiram nos prazos regimentais causando, desta forma, uma situação iatrogênica.
A determinação política de estabelecer uma ação efetiva de apoio e assistência aos servidores tem que ser integrada, dotada de instrumentos legais eficazes que garantam alguma dotação orçamentária para execução da política de CUIDAR DO CUIDADOR. A dimensão disto estaria, necessariamente, com representatividade nas diversas Regionais de Saúde e estruturada de forma multiprofissional, a partir das sedes das próprias Secretarias de Saúde. A Secretaria de Saúde de Pernambuco dispõe, embora timidamente, de um projeto que se aproxima disto – O QUALIVIDA – Unidade de trabalho ligada ao Apoio Psicossocial, funcionando na sede da própria Secretaria, mas com dificuldades de se efetivar nos grandes hospitais da rede e nas onze Diretorias Regionais em todo Estado. Talvez essa dificuldade de consolidação encontre amparo, provavelmente, na pouca dimensão que historicamente se tem dado às questões de valorização do trabalho e do trabalhador. Na iniciativa privada, as condições de se programar alguma política neste sentido poderão ser estabelecidas sem maiores burocracias. A favor disto está o capital que é privado e não dispõe de impedimentos legais para acontecer. No serviço público tudo nunca pode, inclusive em casos onde a lei é clara como a compra de medicamentos e assemelhados. Romper com essa visão burocratista talvez seja mais um caminho a se buscar enquanto forma, não enquanto conteúdo.
O trabalho do QUALIVIDA na Secretaria de Saúde de Pernambuco tem de alguma forma procurado fazer com que todas as unidades de saúde do SUS consolidem sua política de CUIDAR DOS CUIDADORES nos grandes hospitais e nas Diretorias Regionais. Apesar das dificuldades, as unidades já estão sintonizadas com os princípios de que não se devem devolver servidores ao nível central, repassando, como dissemos as responsabilidades. No bojo de suas ações/atividades, o QUALIVIDA vai se estabelecendo num verdadeiro trabalho de “formiguinha”, mas com significativos sucessos de "recuperação" de servidores (Retorno Assistido) nos mais diversos níveis profissionais, inclusive médicos. Além desse trabalho de convencimento junto a rede acerca do acolhimento que se deve prestar aos servidores inadaptados ou com outros tipos de sintomatologia, o QUALIVIDA dispõe de equipe multidisciplinar que executa atividades tais como:
- RETORNO ASSISTIDO – O servidor é cuidado pelos cuidadores até que tenha condições de retornar ao seu locar de trabalho de forma assistida. A equipe técnica poderá optar por uma nova lotação, após avaliação.
- TERAPIAS ALTERNATIVAS – Bioenergética e aplicação de Florais, têm agenda lotada e apresenta ótimos resultados na recuperação dos funcionários.
- PRÉ-APOSENTADORIA – É uma atividade que está em implementação. Consiste na formação de grupos composto por servidores que estão prestes a se aposentar. Esses grupos discutem e, sob orientação dos técnicos, buscam alternativas que levem os funcionários a enfrentarem uma nova etapa da vida com mais tranqüilidade e prazer.
- GRUPO DE TABAGISMO – Funciona um pouco dentro da lógica da terapia de grupo para auxiliar os usuários de tabaco a se livrarem do vício. Ações medicamentosas fazem parte do contexto.
- TERAPIA E ATENDIMENTO PSIQUIÁTRICO – Em grupo ou individual, o servidor dispõe desse apoio particularizado. Concomitante, um médico Psiquiatra é acionado e, após avaliação, prescreve-se medicação adequada a cada caso.
- POSTO MÉDICO – Funcionando no horário do expediente da Secretaria de Saúde, o posto dispõe de médico Clinico, Otorrino, Psiquiatra e Oftalmologista. Dispõe também de profissional técnico em enfermagem para exeutar procedimentos de vacina, aferição de pressão arterial. Há servidores administrativos para cuidar das atividades de apoio burocrático.
- AlumiARTE – Projeto de arte focado no talento dos servidores. Compõe-se de comemorações diversas tais como dia do Funcionário Público, dia da Mulher, das Mães, da Diversidade, Dança de Salão, Canto Coral, Missa e culto religioso, publicações culturais na forma de poesia, conto, etc.
Concluindo, melhor do que devolver servidores inadaptados sob as diversas denominações, é cuidar deles como se um deles fosse. Compete aos gestores de todas as esferas e complexidades defender esse projeto com unhas e dentes. O bom dele é que está legalmente constituído, razoavelmente implantado, mas com dotação orçamentária insuficiente, espaços físicos inadequados, equipes multidisciplinares desfalcadas e com tímida participação de alguns gestores de hospitais e gerências regionais de saúde. No bojo desse cuidado dos cuidadores, estão não só a devolução de servidores, mas o contexto geral que envolve: assédio moral, lotação, exclusão de direitos, relações desrespeitosas servidor X gestor, adoecimento físico e mental dos funcionários, dentre outros.
CARLOS SENA
Diretor Geral de Gestão do Trabalho. – Para publicação no RECANTO DAS LETRAS.
RECIFE, 20 de setembro de 2011