A dignidade no envelhecer
Vivemos em um momento social onde ocorre o prolongamento da vida em razão do avanço científico que oferece condições para uma longevidade com qualidade. No entanto, isso ainda é para poucos, pois a realidade cruel para a maioria da população de idosos ou membros da chamada “terceira idade” é o isolamento, o desrespeito e até mesmo os maus-tratos.
Para a nossa sociedade - que adota parâmetros do imediatismo, da solução mágica e onipotente do “aqui e agora”, onde valores como dignidade, respeito à vida e preservação estão longe de serem cultuados - tornar-se velho é sinônimo de descarte, de exclusão. Em sociedades onde os princípios éticos e morais prevalecem, a exemplo daquelas de cultura oriental, envelhecer é conquistar respeito, sabedoria, ser reverenciado como depositário de todos os valores que norteiam a conduta humana. O novo se espelha no velho que representa possuir tudo o que foi engendrado no passado e servirá de base para a construção do futuro. É continuidade, é gratidão e celebração da vida, que é cíclica e renova-se constantemente.
Por essa razão, embora se fale em progresso e busque-se estabelecer leis mais arrojadas e vinculadas ao interesse comum, a verdadeira ética se ausenta, quase sempre, das ações humanas pois ela não nasce no interior do indivíduo como o desabrochar da maturidade emocional que respeita a vida em suas várias manifestações e diversidades perfazendo todo o corpo social. A criança ao nascer traz em si a semente dos seus velhos antepassados e também os velhos do futuro. Recebe a transmissão de tudo o que foi produzido pela humanidade até então, ao mesmo tempo em que nela é depositada a esperança do porvir. Esse é o movimento perpétuo de vida e morte, presente em tudo na Natureza. Entender e aceitar isso é perceber-se a si mesmo em toda a plenitude, aceitando a finitude, tão difícil em uma sociedade que cultua o superficialismo e o individualismo predatório.
É preciso que cada um de nós, como seres sociais, tenha em mente que quando não se consegue aceitar o velho, também, está se decretando uma sentença para si mesmo no porvir, uma vez que uma parte, ou fase, do ser humano lhe está sendo negada.
Mas, o que é o envelhecer, se desde o momento de nosso nascimento, todos nós, sofremos, de certa forma, uma regressão fisiológica e, como ser vivente, inexoravelmente, estamos fadados à morte?
Podemos dizer, de forma simples, que o envelhecer, apesar ser uma fatalidade biológica, é um processo muito complexo que envolve diversos fatores e necessita, portanto, ser compreendido não só por aqueles que sofrem seus efeitos diretamente mas, sobretudo, por aqueles que estão envolvidos com os que envelhecem.
Se, por um lado, o envelhecimento é a soma total das modificações que ocorrem no indivíduo e que causam uma diminuição em suas atividades, por outro lado, o desenvolvimento psicológico de todas as pessoas, independente de idade ou estatus social, é uma constante até o final de nossos dias, uma vez que as experiências se sucedem e, conseqüentemente, promove em nós o crescimento individual. Isso equivale dizer que estamos em permanente transformação interior, independente da idade. E, depois, é preciso considerar que é possível ter, ao mesmo tempo, várias idades, entre as quais a cronológica, a biológica, a emocional e a psicológica, além de outras como a profissional, social e intelectual, razão pela qual é sempre difícil, num primeiro momento, estabelecer a idade de alguém, qualquer que ela seja.
Como outra fase ou época qualquer da natureza humana, tais como a infância, a adolescência e a maturidade, o envelhecimento pode exigir acompanhamento e orientação de profissionais da área da saúde, como médicos e psicólogos, principalmente nos dias atuais quando não basta garantir o prolongamento da vida, mas, principalmente, promover qualidade de vida.
Todos, de certa forma, sabem que viver é uma arte de conciliar nossas necessidades às realidades dos mais diferentes meios aos quais nos relacionamos. Portanto, todos podem, também, envelhecer com dignidade oferecendo toda a bagagem de experiência e conhecimento acumulado para o bem comum, continuando a ocupar um lugar no seio da sociedade. Para isso, é necessário que se crie mecanismos sociais e oportunidades de participação para o ser social em todas as fases de sua vida e principalmente na velhice, pois o maior patrimônio de qualquer país é a sua gente que nasce, cresce, atinge a maturidade e morre.
José Paulo Ferrari – Psicólogo Clínico, especializado em psicooncologia – CRP 06/74090