O SUICIDIO SOB O ASPECTO MEDICO LEGAL
O SUICÍDIO SOB O ASPECTO MEDICO LEGAL
O suicídio, através dos séculos, não foi sempre apreciado da mesma maneira. Em Esparta era considerado como ato justificável. Em Roma, o suicídio era desenlace honroso de vidas maculadas.
SCHOPENHAUER, nas “Dores do Mundo”, aconselhava o suicídio, como a única solução lógica à existência humana indefectivelmente presa ao sofrimento.
Em Tebas, a memória do suicida era estigmatizada. Em Atenas, cortava-se a mão do suicida, que era ainda privado de sepultura.
No Direito Romano havia a pena de confisco para o caso de ser procurada a autoquiria como meio de fugir à acusação ou à pena. Punia-se indiretamente o crime, que o suicida tinha impedido de ser julgado, ou cuja pena havia deixado, de cumprir.
O direito Canônico equiparou o suicídio ao homicídio, recusando a igreja sufrágios e enterramento em campo sagrado aos que se suicidavam.
Entre os antigos saxônios, além da privação da sepultura e de solenidade fúnebre, havia o costume de não se permitir que os cadáveres saíssem pela porta, sendo retirados por uma janela , ou por baixo da soleira da porta da rua.
Hoje em dia, qualquer que seja o sentimento particular que nos inspire o desespero de um suicida, o ato é considerado anti-social.
O indivíduo não é dono de seu corpo; não pode dispor de sua vida, que é patrimônio de sua mulher, de seus filhos, de sua família, da sociedade. É esse o motivo por que as leis penais punem o induzimento ao suicídio, desde que o próprio ato não pode ser punido.
Suicídio é a morte voluntária de si próprio; e o homicídio de si mesmo. Excluem-se do conceito de suicídio os que se matam no cumprimento do dever – os soldados no campo de batalha; os médicos, que encontraram a morte tratando doenças infecciosas graves; os que se afogam tentando salvar alguma vida em perigo; os bombeiros, apagando incêndios. Também se excluem os que morrem realizando experiências cientificas perigosas, injetando-se micróbios ou tóxico desconhecidos.
Duas escolas buscam explicar a gênese do suicídio: a biológica ou psiquiátrica e a sociológica. A primeira vê se em todo suicida um alienado ou um anormal psíquico. A segunda encontra a verdadeira causa do suicídio nos fatores sociais e econômicos.
Em geral, perfilham a primeira doutrina os médicos e psiquiatras; filiam-se à segunda os sociólogos e juristas.
São corifeus da escola psiquiátrica: BOURDIN, que descreveu uma monomania suicida, hoje desacreditada; FALRED, que criou uma melancolia suicida, também desprestigiada em nossos dias.
ESQUIROL considerava todos os suicidas como alienado, o suicídio não sendo mais do que forma especial de alienação mental.
ACHILLE DELMAS sustenta o mesmo ponto de vida. Para ele “o suicídio verdadeiro é sempre patológico” e “tem sempre como condição uma perturbação ‘tem sempre como condição uma perturbação cenestésica: a ansiedade. E ocorre essa ansiedade no Transtorno Bipolar do Humor antiga Psicose Maníaco-Depressiva e na Psicose Hiperemotiva (Depressão Maior ), cabendo à primeira 90% dos suicídios e os restantes 10% à Psicose Hiperemotiva (Depressão Maior).
GIULIO MOGLIE também sustenta que “o suicídio, mesmo quando não se apresenta como epifenômeno dependente de alteração mental, é sempre ato menos natural, é ato mórbido”.
Há anos, em Tese de Concurso, o professor NILTON SALES sustentou a doutrina psiquiátrica, escrevendo em seu trabalho (Contribuição ao estudo do suicídio no Rio de Janeiro): “ O suicídio ou é um resultante de perturbação mental, como nas doenças mentais, ou então é uma reação psíquica anormal, inadequada e despropositada em face do meio, apresentada por uma personalidade psicopática, ou então por um portador de doença orgânica, como o câncer, tuberculose, pneumonia, etc.
Muitas vezes, os desvios psíquico são desconhecidos dos leigos, parentes ou amigos, passando o indivíduo como normal e sendo atribuído, por isso, o fato a influências puramente ambientais. Por essas razões cientificamente verificadas, a autoquiria não se contém nos moldes puramente sociológicos, gerais e coletivos, sem preocupação individual, isto é, sem o exame da personalidade no seu conceito moderno”.
A corrente sociológica, chefiada por DURKHEIM e HALBWACHS, entende que o suicídio é fenômeno puramente social. CAIO TÁCITO, no seu importante estudo sobre Suicídio e Homicídio no Rio de Janeiro, filia-se a essa doutrina. Escreve o penalista brasileiro: “A influência das causas coletivas sobre a morte voluntária passou em julgado. O gênero de vida, os costumes familiares e religiosos, o tipo de civilização cultural e econômica determinam, para cada grupo social, aquilo a que DURKHEIM chamado de taxa social do suicídio.
Se a complexidade e a sutileza de tais influências não impossibilitassem a sua mensuração, poderíamos prever, pelo cálculo de suas reações, a estimativa do coeficiente aproximado em uma determinada época e um determinado lugar. A estatística, que é o instrumento de ótica do grupo social, permite, ainda que sumariamente, discernir a correlação existente entre as variações culturais, políticas e econômicas e as alterações na curva do suicídio. A convicção da etiologia social do suicídio não infirma as observações psiquiátricas de uma maior incidência autoquírica entre esta ou aquela constituição psicológica. Se a pressão dos fatores coletivos leva a um aumento ou decréscimo do volume global dos suicídios, nada impede que esta atuação se faça sentir mais definidamente em um grupo de indivíduos psicologicamente desarmados para resistir melhor às oscilações ambientais”.
Vários outros fatores concorrem fatores concorrem na gênese do suicídio. As estações do ano, por exemplo, no verão, o número de suicídios é maior. Quanto aos meses, dezembro é o mais procurado pelos auticidas.
O urbanismo, criando difíceis problemas de adaptação, é fator concomitante do suicídio.
A dissolução do lar, a impotência sexual, a tuberculose, o câncer, o alcoolismo, o desemprego, as crises econômicas, as perseguições, as desordens do amor, também concorrem para o extermínio da vida.
A influência da sugestão, da imitação e do contágio tem sido proclamada por vários especialistas. Um suicida, que põe fim aos seus dias de determinada maneira sensacional, produz logo diversos imitadores.
Certos romances de amor, como o “Werther”, de GOETHE, tem sido acusados de um mundo de suicídios. Werther criou uma verdadeira mania suicida, chamada wertherite.
O suicídio entre nós, é mais freqüente nos homens do que nas mulheres: dois a três homens por mulher. A tentativa, porém, é mais comum na mulher. Mas fraca e emotiva, a mulher torna a decisão extrema precipitadamente, mas, logo após iniciar o suicídio, arrepende-se.
O suicídio não existe na primeira infância; é excepcional abaixo dos 10 anos; raríssimo, abaixo dos quinze. Aumenta até os trinta, diminui até os cinqüenta, subindo novamente, sobretudo entre as mulheres.
Os solteiros e viúvos suicidam-se mais do que os casados.
Quanto à profissão, as classes liberais e militares são as mais poupadas.
A hereditariedade exerce certa influência na origem do suicídio. Há família em que o suicídio é muito freqüente entre os seus membros. ATAVILLA encontra-se a explicação do fato numa deficiência do instinto de conservação ou em taras mentais hereditariamente transmitidas.
Tenho a observação de uma família em que ao pai tentou o suicídio por mais de uma vez, não o levando a termo, entretanto; dois filhos e um irmão, porém, realizaram a autoquiria.
A educação é também fator preeminente. Pode-se educa para a vida e para a morte. A educação pode desfibrar, amolecer o caráter, despreparar para a luta pela a vida, criar débeis morais, desajustados incapazes, que irão mais tarde, sob influência de adversas condições econômicas e sociais, ao suicídio. E esse o motivo por que o suicídio não é raro nos filhos únicos.
Para MIRADOLINO CALDAS, as suas causas são as seguintes:
Desgostos familiares. ______________________30,8%
Amor. __________________________________17,8%
Tédio da vida. ____________________________ 9,8%
Doenças. ________________________________ 3,9%
Alienação mental. _________________________ 2,0%
Embriaguez habitual. _______________________ 1,6%
Miséria. __________________________________1,2%
Infelicidade em negócio. _____________________1,0%
Outros motivos. ____________________________3,4%
Motivos ignorados. ________________________ 28,5%
ALCÂNTARA MACHADO, em estudo sobre o suicídio, em São Paulo, chegou às seguintes conclusões de suas causas, que chama de supostos motivos.
Alimentação______________________________19%
Dificuldades pecuniárias____________________15%
Amores__________________________________14%
Alcoolismo_______________________________12%
Criminosos_______________________________10%
Desgostos domésticos_______________________ 7%
Sofrimentos físicos_________________________ 5%
Mágoa por morte de parente__________________ 3%
Maus tratos_______________________________ 2%
Outras causas_____________________________13%
1 Meio de suicídio
Depende do lugar e da época. Há ocasiões em que o meio empregado é o veneno; ás vazes é a arma de fogo, o enforcamento, a precipitação, etc. Na França, é muito comum o suicídio pelo óxido de carbono.
As pretas e as mulatas têm especial predileção pelo fogo. A profissão às vezes induz o meio; o barbeiro suicida-se com a navalha; o farmacêutico, com o veneno; o operário em andaimes, por precipitação; o transeunte, atirando-se embaixo de um veículo pesado.
Mas ao lado desses meios comuns de suicídio, há outros extravagantes e francamente denunciadores de alienação mental do suicida.
BRIAND e CHAUDÉ narram o auticídio de um oficial que, com uma tesourinha, cortou todos os músculos da parte anterior do pescoço, a traquéia, o esôfago, a veia jugular interna, a carótida direita e todos os nervos regionais.
LOMBROSO o caso de um individuo que deu um tiro de pistola na fronte, outro no peito e depois precipitou-se de uma janela.
TAYLOR refere a autoquiria de um homem que fez em si próprio 30 ferimentos na cabeça.
LEGRAND DU SAULLE cita a observação de um suicídio a golpes de machadinha na cabeça.
A casuística médico-legal registra numerosos outros casos como o do indivíduo que se matou dando com a cabeça violentamente na parede; o de outro, que se suicidou dando marteladas nos crânio; o de um terceiro que se matou enchendo a boca de pólvora e ateando fogo, enfiando um prego no meio do crânio, etc.
Quanto ao local, é extremamente variável; alguns suicidas preferem a própria residência; os passionais, lugares românticos; alguns lugares ermos ou via publica; doentes, hospitais ou casas de saúde, etc; detentos, suicidam-se nas prisões.
2 ESTADO MENTAL DOS SUICIDAS
Não estão de acordo os autores no apreciar o estado mental dos suicidas. A maioria entende que não está em juízo perfeito quem atenta contra a vida, indo de encontro ao instinto de conservação. EQUIROL assevera que “o homem não atenta contra os seus dias, senão quando está em delírio”. ACHILLE DELMAS afirma que o “suicídio verdadeiro é sempre patológico”.
Não é diversa a opinião de GIULIO MOGLIE, para quem o suicídio é sempre “ato menos natural, é ato mórbido”.
O Professor FLAMÍNIO FAVERO, em sua notável Medicina Legal declara: “aplaudo convictamente os que insistem em chamar o suicida de anormal psíquico. O instinto de conservação é uma força poderosa. Seu embotamento é mórbido. Quem deserta da vida não tem perfeita a saúde mental”.
Outros tratadistas, do mesmo porte dos citados, pensam de maneira diferente.
KRAEPELIN, por exemplo, expoente da Psiquiatria universal, admite a existência de indivíduos sãos de espírito capazes de realizar o suicídio, sob a influência de situações penosas.
GEORGE DUMAS, grande psicólogo, afirmou ter observado quatro suicídio “refletindo, preparados, executados com plena lucidez” , não apresentando os protagonistas “distúrbios psicopáticos”.
LAIGNEL LAVASTINE, em sua muito conhecida Pratique Psychiatrique, igualmente aceita, a par dos suicídios patológicos, o que ele chama de suicídio “vulgar”. Há homens, diz LAVASTINE, que se matam depois de madura reflexão” e por motivos perfeitamente razoáveis”.
LEVY VALENSI também sustenta a possibilidade de suicídios não mórbidos, embora admita sua raridade.
LUTALD, mestre de Medicina Legal, escreveu: “Um grande número de patologistas considera o suicídio como um ato de alimentação mental e um sintoma constante de loucura. É um erro perigoso, combatido pela ciência como pela razão.
Sem duvida, um grande número de suicidas está atingindo de alienação, mental, talvez a maioria deles; mas é incontestável que um grande número de indivíduos, se entrega à morte, o faz voluntariamente, cientemente, na plenitude de suas faculdades”.
No Brasil, o professor TANER DE ABREU, mestre de Medicina Legal e figura exponencial do catolicismo brasileiro, em trabalho cuidadoso ( Do Suicídio), sustenta, por igual, a existência de suicidas perfeitamente íntegros das faculdades mentais.
Diz o professor TANERDE ABREU: “É forçoso admitir que nem todo suicídio é patológico. Na verdade, registram-se suicídios impressionantes pela maneira inteligente e tranquilamente refletida por que são deliberados, preparados e executados, sem precipitação, sem ansiedade”.
Mais adiante, escreve o professor TANER DE ABREU: “Assaz instrutivos é o caso Lafargue. O socialista francês e sua mulher deram balanço nos meios de que dispunham a calcularam que poderiam gastar anualmente determinada soma durante certo número de anos. Combinaram os dois, entretanto, que, se falhassem os cálculos e chegassem a consumir todos os bens, praticariam ambos o suicídio. Esse plano foi assentado e inscrito em testamento. Chegando o momento, com antecedência de alguns anos previsto, esgotados os recursos, foi executada a deliberação do casal. Em 1911 houve o duplo suicídio”.
3 PROFILAXIA
O suicídio, não pode ser evitado, pode ser eficazmente combatido. Educação eficiente, sobretudo sexual e para o trabalho; justiça social; amparo econômico; assistência aos psicopatas e higiene mental; tratamento médico especializado para os que tentarem o suicídio; combate ao alcoolismo. Educação eficaz, que propicie a criação de mentalidade pragmática, objetiva, que endureça o caráter e prepare o homem para vencer todos os o0bstáculos da existência.
Proteção à família. Numa palavra: reajustamento social.
Todos os autores, ou pelo menos a maioria deles, culpam a imprensa, através das reportagens sensacionais, como em parte responsável pelo aumento dos suicídios.
Como medida coercitiva , lembram proibição aos jornais de noticiar e comentar os casos de suicídios sensacionais.
SCIPIO SIGHELE, em sua obra sobre literatura e criminalidade, depois de sustentar a ineficácia do meio, pois o controle da imprensa não diminuiu o número de suicídios e após narrar o sucedido com o Diretor do Morning Herald, que quase faliu por ter deixado de noticiar crimes e suicídios, escreve o seguinte: “O remédio não consiste na aplicação de uma mordaça a imprensa, a qual reflete e não cria os gostos do público. O remédio está em nós; consiste na reação de toda a nossa energia contra esta apoteose do mal, que vai se espalhando por toda parte; consiste em uma obra de educação, visando formar consciências mais equilibradas e mais sãs, capazes de se satisfazer com a narração de boas obras e preferi-las às descrições de atos atrozes e covardes; consiste em nosso esforço para elevar-nos à altura do que o nosso cérebro encontra digno de interesse e estudo: o trabalho modesto, os sofrimentos mudos dessas miríades de pessoas ignoradas, que formam a multidão...
É deveras triste e doloroso ver que, em nossos dias, enquanto os crimes são telegrafados e minuciosamente descrito, as virtudes mais sublimes, os mais constantes sacrifícios, as mais dolorosas provações, permanecem desconhecidas do grande público e só, como um raio, atravessam o caleidoscópio rápido da imprensa diária, quando, como dizia ENRICO FERRI, em um de seus magníficos surtos de eloqüência, o supremo protesto do suicídio, ou da morte, pela fome, nas calçadas das grandes cidades, surge como uma bofetada na corrupção inconsciente de uma pretensa civilização humana”
4 ASPECTO PENAL
Nossa legislação filia-se ao grupo das que não punem a tentativa de suicídio, sancionando, porém, o induzimento,a instigação e o auxilio prestado ao suicida. Isso porque, do ponto de vista repressivo, no caso do suicídio consumado, não se pode aplicar pena ao cadáver; do ponto de vista preventivo, seria inútil a ameaça da pena a quem não receia sequer a própria morte. A punição no caso de tentativa viria agravar a situação do infeliz, sem proveito social.
Agiu acertadamente o legislador quando dispôs, no art. 122, que somente constitui crime “induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxilio para que o faça”. Agravada é a pena aplicável a esse delito se quem o comete o realizar por egoísmo, ou se a vítima é menor ou relativa ou absolutamente incapaz ou tem diminuída, por qualquer causa a capacidade de resistência.