SUSto

Por ter uma família grande de pessoas com tendência a viverem muito além dos 70 anos, a saúde pública sempre me preocupou muito, porque já tive a triste experiência de ver meu pai uma semana na emergência do Hospital Roberto Santos, em uma maca emprestada da Vitalmed e em condições precárias de atendimento, e veio a falecer no mesmo dia em que conseguiu uma vaga na UTI. Depois desse fato, começamos a nos preocupar em fazer plano de saúde para minha mãe e irmãos que tinham idade acima de 50 anos, mas infelizmente a nossa situação financeira não permitia, os preços são exorbitantes nessa faixa de idade.

Há cerca de 4 meses, meu irmão com 50 anos, começou a sentir dores fortes na região do tórax e estômago, não conseguia comer nada. Por ter um histórico de alcoolismo e tabagismo, não nos preocupamos tanto, achando que era apenas a dita “ressaca”. Porém o caso se agravou e começamos a perceber a perda de peso (10 kg em um mês) e tentamos levá-lo para todos os hospitais públicos da cidade. No HGE deram um remédio pra dor e mandaram embora para casa. No Roberto Santos, nem o atenderam, alegavam que o estado dele “não era grave, já que não tinha sofrido acidente, não havia sangue, não estava desmaiado.....”.

Foi quando alguém nos indicou um posto de saúde relativamente novo que fica no Imbuí, Posto Irmã Dulce. Lá ele conseguiu um atendimento mais detalhado, onde o médico solicitou exames decisivos para a descoberta da doença. O grande problema é que nesse posto não realizava os exames solicitados. Aí começou nossa luta. Nenhum hospital fazia uma simples endoscopia pelo SUS. E quando fazia, só tinha vaga para daqui a meses. O meu irmão estava morrendo de inanição, já não comia nada há mais de um mês, e nem água conseguia ingerir. Fui obrigada a lançar mão de grandes amigos influentes para conseguir que o Hospital Roberto Santos o recebesse e colocasse uma sonda para que pudéssemos alimentá-lo em casa.

Nesse período, um amigo nos disse que na Graça havia uma clínica que realizava esse tipo de exames pelo SUS. E foi aí que surgiu a solução para nosso problema!!! O Instituto Geraldo Andrade de Medicina nos atendeu através do SUS, porém com um diferencial: Era como se pagássemos o plano de saúde mais caro da cidade. Excelente atendimento, realizaram a endoscopia, a biópsia, diagnosticaram a doença do meu irmão, um câncer de esôfago em estado avançado, e imediatamente emitiram uma guia de internamento no Hospital Santa Izabel, na ala de oncologia atendida pelo SUS. O meu irmão, já medicado, aguardou cerca de dez dias para ser chamado e internado.

Hoje ele está sendo tratado no Hospital Santa Izabel, já fazendo Quimioterapia e se preparando para Radioterapia. O clima é dos melhores, auxiliares de enfermagem sempre bem humoradas, enfermeiras competentes e a equipe médica que o atendeu no Instituto Geraldo Andrade de Medicina, continua acompanhando de perto seu tratamento. O único problema é que solicitaram uma tomografia que só será feita com autorização da Secretaria Municipal de Saúde, e estamos aguardando há mais de um mês.

A imagem de humilhação, depressão e tristeza que temos quando falamos de um atendimento pelo SUS em qualquer hospital público, desaparece quando esse atendimento é feito em um hospital como o Santa Izabel ou qualquer outro que atende convênio e particular. Vejo uma reação diferente, uma vontade de viver muito grande em meu irmão, mas acredito que isso acontece em virtude do ambiente em que está sendo tratado.

Para minha surpresa, fui informada de que esse é um dever do estado. Caso não haja vagas em um hospital público, o governo é obrigado a cobrir despesas em qualquer hospital. E todo hospital tem uma cota de vagas pelo SUS, exatamente para casos como esses. Fui informada inclusive de que, caso um cidadão brasileiro esteja no exterior, pode ser tratado em qualquer hospital e sua despesa será coberta pelo SUS brasileiro, o governo assume essas despesas. Sei também que, teoricamente, isso é muito bonito, mas na prática não acontece assim. Muitas pessoas entram na justiça para conseguirem seus direitos, até conseguem uma liminar, mas às vezes já é tarde. Morrem antes do atendimento. Enfim.... esse é o nosso sistema de saúde, e é dele que dependemos. Só nos resta acreditar que um dia a teoria será colocada em prática e nenhum cidadão brasileiro perderá sua vida por falta de atendimento adequado e digno.

_____________________________________________________

Esse artigo foi publicado 6 meses antes do falecimento do meu irmão que, como eu imaginava, necessitou de uma liminar para ser internado em um Hospital público e morrer com dignidade. O Hospital Santa Izabel se recusou a continuar o tratamento, quando identificaram a ineficácia do mesmo e, meu irmão já em estado terminal, foi mandado para casa, para morrer “no seio da família”.

Como a minha mãe tinha quase 90 anos, não poderíamos permitir que visse o final triste da vida de seu filho, então batalhamos na justiça para interná-lo no Hospital Aristides Maltez, referência oncológica na Bahia, mas sem condições de atender e internar um paciente que já vinha de outro hospital e não foi acompanhado pela equipe médica do local. E foi assim que essa via crucis terminou, com muita dor, muita correria e muita tristeza ao constatarmos que somos absolutamente impotentes nessa selva em que vivemos.

Solange Sampaio

Sol Sampaio
Enviado por Sol Sampaio em 17/11/2010
Código do texto: T2620984
Classificação de conteúdo: seguro