ABORTO, QUESTÃO ÉTICA OU POLÍTICA?
Sérgio Martins Pandolfo*
“O homem é o mais cruel dos animais”. Nietzsche
Na acirrada campanha de caça aos votos do segundo turno eleitoral emerge a questão - quem sabe decisória? - de saber dos candidatos quem é favorável ou contrário à liberação do aborto.
Deixar-se levar pelos argumentos de uma pequena facção de “feministas” – sim, facção, pois que nem todas as feministas endossam esses “argumentos” - favoráveis à legalização do aborto é a negação extremada do instinto maternal – este sim, comum às mulheres e, indissociadamente, às fêmeas de todos os animais. Aborto é assassinato, é matança pura e simples de um ser vivo inocente, indefeso. O que muda é, tão somente, o tamanho do ser a sofrer a pena de execução. E mais: se a Lei brasileira é tradicional e peremptoriamente contrária à pena de morte, como aceitá-la imposta a um serzinho cândido, inerme, débil e, portanto, sem pecados a purgar, estraçalhado em seu abrigo de forma covarde, sorrateira e traiçoeiramente sem que lhe seja dado o mínimo direito de defesa? Seria mesmo jocoso, não fora assaz doloroso.
Proibir o aborto nada tem a ver com razões e/ou dogmas religiosos para que se invoque a mais-valia do Estado laico, mas sim, com a defesa da vida pelo Estado, a quem cabe zelar, inarredavelmente, pela proteção e sobrevivência da vida humana, do ser humano, pelo direito essencial à vida. A vida é o maior de todos os direitos. Por isso que as leis brasileiras vigentes em tão boa hora e extrema lucidez dos legisladores a protegem e a garantem. E o ser que está em desenvolvimento, abrigado no claustro materno, criatura humana desde os primórdios da gravidez e igualmente amparado pelas leis de proteção à vida, é ente especialmente caro e necessário, eis que a ele se deverá a perpetuação da espécie. E o mais ignóbil: "patrocinar a prática do aborto com dinheiro público é pretender impor tal ignomínia a todo cidadão, mesmo que seja contra seus princípios", a redizer a premiada escritora Nelsi Inês Urnau. Hitler, certamente, aplaudiria de pé!
Determinadas “teses” defendidas por “feministas”, ao alegarem que a mulher deve ter direito integral sobre seu próprio corpo, para justificar a descriminação - ou despenalização - do aborto incorrem em erro grosseiro e insubsistente, de extrema debilidade, que não se sustenta aos contra-argumentos mais simplórios da moral e da ética: a mulher é sim dona de seu próprio corpo, mas não do outro que lhe ocupa as entranhas da matriz uterina, que tem vida própria e personalidade jurídica assegurada em Lei. Ademais, o direito sobre seu próprio corpo não é ilimitado, absoluto, mas sim relativo, também sujeito às disposições legais que regem o assunto. Assim, a mulher não pode, por exemplo, vender um rim, um pulmão ou um olho ou, até mesmo, “alugar” seu útero mediante paga, ou vender o próprio sangue a bancos que manipulam o produto, conquanto componham parte de seu patrimônio corpóreo. É antiético, imoral e proscrito, severamente punido.
No caso específico da gravidez, o novo ser que seu útero aninha não lhe pertence, nem de fato nem de direito, eis que os tecidos que o compõem e conformam são sim propriedade desse novo ser e, como tal, garantida sua integridade e preservação pela lei dos homens e pela lei maior, a Lei da Natureza. Na gravidez indesejada advinda por meio de relação sexual consentida a mulher, deliberadamente, sob impulsos libidinosos e a gozo pleno expôs-se ao risco de engravidar e, por isso, a nosso juízo, se pratica o crime de aborto deve sim responder por homicídio doloso (no jargão jurídico: com intenção de matar), pois estava ciente de que de seu ato amoroso, voluptuoso, prazeroso no momento da conjunção, havia possibilidade grande de sobrevir gestação e, mesmo assim, não se empenhou para evitá-la (p.ex. usando camisinha ou mesmo pela tomada de “pílula do dia seguinte”).
Já no caso de estupro também aqui deve ser soberana a preservação da vida do novo ser, é nosso ponto de entendimento, em que pese seja este um dos dois casos em que a Lei ampara o cometimento do aborto (aborto legal). Temos o julgamento que nesse caso, uma vez esgotados os elementos suasórios para que a mulher aceite este ente que haverá de vir - quantas vezes bem sucedidos! - e de todo modo a grávida se recuse a admitir o nascituro como filho legado à sua guarda e cuidados, eis que gerado sob violência ou grave ameaça, pela ominosa falha de segurança do poder público, cremos cumpre ao Estado, guardião da vida dos cidadãos, encarregar-se desse ainda indefeso ser, responsabilizando-se pelas despesas de acompanhamento da gestação (com medicamentos e suporte psicológico à gestante) e assistência ao parto, a ser consumado sob anestesia, para que a mulher nada sofra, incluindo o constrangimento de ver sair, de suas entranhas, o fruto indesejado, repudiado e repelido. O Estado, a partir daí, encarregar-se-ia do recém-nato assegurando-lhe boa e total assistência.
Para finalizar, também somos contrário à manutenção, nos dias correntes, da segunda condição prevista no já velho e carcomido Código Penal para a licitação do aborto: risco de vida da mãe. Ora, a Medicina tem avançado nos últimos tempos com botas de sete léguas e a maioria das enfermidades que há para bem mais de meio século impunham o aborto preservacional da vida da mãe hoje já não mais o condicione e, destarte, no mínimo não deverá ser levado ao pé da letra, em tese, mas sim minudentemente analisado, caso a caso, sob assistência de junta médica para tal especialmente constituída. Mesmo assim, há que se pensar bem: uma mãe que esteja tão gravemente enferma a ponto de não suportar uma gestação rigorosa e judiciosamente acompanhada por médicos especialistas é uma vivente de curtíssima expectativa de vida razoavelmente saudável, ao passo que o ser abrigado em seu casulo-cosmo maternal tem toda uma provável, longa e produtiva jornada pela vida à frente. É ponto a ser meditado, estudado, sopesado e – quem sabe? – reformulado.
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(*) Médico (ginecologista/obstetra) e Escritor. SOBRAMES/ABRAMES
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