Vício e hipnose
Há pouco interesse sobre o estudo da hipnose e dos níveis de sugestão. Subjetivamente produzimos todos os elementos necessários para alienação. Quando analisamos um processo de “compulsão” encontramos em cada relato uma gama de razões que se encaixam perfeitamente ao tipo de convencimento empregado para saciar a necessidade de consumo em cada substância desejada.
Partimos do primado de que a escrita é uma forma de hipnose suportável. Aos poucos começamos a dominar nosso mecanismo de produção de prazer pelo discernimento. Vamos imaginar todas as garrafas para consumo alcoólico marcadas com um rótulo dizendo apenas “álcool”, e sendo assim, fossem distribuídas “gratuitamente” em Postos de Saúde. Toda a hipnose cultural com essa droga modificaria a recordação da substância como desejo rápido de satisfação. Ocorre que nosso organismo não se ilude tanto quanto nosso cérebro e em cada nova ingestão ele apenas reage por força do aumento da substância, esta que em si mesma vai perdendo o efeito, ou não garantindo mais o encanto solicitado. Então se estabelece um clima ideal para compulsão pela repetição. O truque químico ganha tom de mistério, magia e misticismo. “Mas funcionava e agora?” Neste caso do álcool é bom lembrar que é líquido, mas não hidrata o que é a posteriori grande engano.
Viver é girar o mundo em torno de um domínio que vaga pela distração antes do predador. Tudo pretende ofuscar nossos medos e temores. Basicamente a noção de felicidade reside numa boa dose de esquecimento. Narcose é hipnose, porém nem toda hipnose é narcose. Antes resiste a embriaguez subjetiva feita de certa fome inexplicável. Embriaguez sem substância como quem observa a magia do fogo. Ebriedade ilusória e desse espaço nasce o vício no dizer de Marco Aurélio: aquilo que vimos muitas vezes. Buscamos certa concordância entre ilusão e prazer na compensação da resposta. Necessidade de penetrar novamente num estado de excitação e euforia que é rara sem o esquecimento de tanta brutalidade competitiva. De alguma maneira precisamos compreender a hipnose simbólica das substâncias, recordando que aquelas proibidas têm maior poder de atração para o ritual do esquecimento no contexto do lucro, incerteza e risco. O risco tempera de odisséia a alienação desejada.
A compreensão do vício como doença se resume pela recordação do mal sobre os rótulos, partindo da interpretação do efeito da substância em si mesma. É problema sanitário que deveria ser dimensionado com redução de danos pela liberdade de escolha de acordo com o respeito à individualidade. Hoje doença transformada pela compactação dos danos em severa discriminação. A informação criou níveis desejáveis de aceitação cultural para certos vícios como o alcoolismo. Exemplo: quando alguém chacina em acidente de carro narra o repórter: motorista embriagado mata e nunca drogado atropela e mata em alta velocidade. Bebida também é droga. (Sublinhar os enganos das manchetes em momento algum deve coadunar a idéia de repressão à liberdade de imprensa). É a rapidez dos meios de comunicação no destituir dos tópicos sua profundidade que está novamente em jogo, pois a hipnose da compactação produz exclusão social dos dependentes químicos como os aleijados durante o período nazista de Hitler.
A sobriedade é o antônimo do estágio hipnótico. A sobriedade é novamente o reino do hipnotizador. Para muitos drogados é o que justifica a busca de auto-hipnose para longe da dominação produzida pelo universo quadriculado. É a autofagia da antropofagia num único espelhamento.
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