Sem tempo para o não fazer
Nós, que vivemos na grande metrópole, sempre estamos correndo atrás de alguma coisa: um compromisso, o trabalho, as compras etc e a agenda sempre lotada.
Quando olhamos para trás, o tempo voou e já estamos no dia seguinte, a postos para dar conta de outro compromisso. Ser produtivo, para nós, é sinônimo de ter o que fazer.
Se ocasionalmente aparece uma folga, tudo bem. Mas se tivermos diversas folgas, aí a coisa complica. Somos mal vistos, pois a sociedade nos empurra para o frenético fazer.
Muitas vezes estamos tão atrelados aos fazeres que não nos é possível relaxar nem nos finais de semana ou nas merecidas férias. Estamos lá na praia, mas ainda absortos com os afazeres. Fazendo equações, diálogos internos para resolver questões que tanto ocupam nossa atribulada rotina. Deixamo-nos seduzir, nos apegamos e nos identificamos com ela, pois, no final das contas, o nosso fazer é que diz quem somos. E com todo este ritmo alucinante, esquecemos do corpo, que mais cedo ou mais tarde, cansado, cobrará.
E se ainda precisamos ouvir música, fazer palavra cruzada ou lavar o carro quando estamos sozinhos; isto pode ser um indício de que está difícil a convivência com nós mesmos.
Podemos até refletir: será que não se tornou insuportável viver dentro desse corpo, em nossa própria companhia?
Com tudo isto, fica difícil se entregar ao que eu chamaria de não fazer. Somos ocidentais e aprendemos, com nossa cultura, a ser racionais. Não nos sentimos em nossos corpos, ficamos fazendo só o trabalho mental, desprezando o agradável contato silencioso com nós mesmos.
Já pensou em se deixar levar pelo não fazer, sem deixar ser pego pelos pensamentos ou preocupações? Ou pelo mesmo deixar que o fluxo dos pensamentos aconteça sem se envolver com eles, só observá-los? Abrir mão da possibilidade do fazer, pois em nossas vidas, muitas vezes, as coisas acontecem sem nossa interferência. Afinal de contas, estamos aqui para nutrir o corpo ou a alma? Ou ambos?
Precisamos urgente de um tempo para o não fazer. Ir a algum lugar, por exemplo, um parque para contemplar a calma paisagem, um jardim florido e respirar o perfume das flores, sentir o toque na relva, andar descalço pela grama etc. Experimentar a entrega pessoal ao simples contemplar.
Quando vamos para o campo ou para a praia, só a visão da natureza nutre a alma. É o movimento necessário (talvez fundamental) de esquecer o que está dentro de nós e se entregar ao que está fora. O cantor, compositor e pensador Facundo Cabral nos ensina: você não está deprimido, está distraído das coisas belas que te rodeiam.
Observar a natureza ilumina a alma, acalma o espírito e torna o nosso viver muito mais rico e agradável. Respirar fundo e desfrutar deste momento é sublime. Aí o não falar reverbera dentro de nós e sentimo-nos mais inteiros e sabendo-se pertencentes à natureza, a este planeta. As flores, com o seu perfume, enchem nossas narinas e a vida fica mais fresca, mais gostosa. É neste não fazer, nesta ausência de expectativa que sentimos o fascínio e a riqueza do viver.
Pode ser que esteja difícil ir a um lugar mais tranqüilo, mas também vale fechar os olhos, respirar fundo e desacelerar. O não fazer pelo não fazer, apenas aquietando a mente e prestando atenção a respiração, aos batimentos cardíacos nesta sua morada temporária. Uma meditação na qual o indivíduo se torna um mero observador indiferente de seus pensamentos, sem atropelar o fluxo dos mesmos, aceitando que pode ser simplesmente uma conexão ao acaso entre os acontecimentos.
Por mais que a rotina seja imperativa, necessitamos nos desligar dela. E assim, talvez algum dia, achemos tempo para o benéfico e importante não fazer. E então, numa destas desconexões, nos seja possível encontrar o que tanto falam os mestres espirituais, a tão famosa essência, o nosso verdadeiro SER