A Proibição a Fumar

 

 

 

A questão do combate ao vício do tabagismo parece ser o modismo do momento. Entretanto, por vezes o que se percebe é que por detrás de aura de boas intenções virtuosas que acabam por ‘demonizar’ o fumante, existem efetivos interesses econômicos que se não prevalecem sobre as alegadas motivações de saúde, no mínimo andam juntos. Não há dúvida que o fumo causa mal, mas me parece que se for medida a sua ação nociva em comparação ao vício do álcool e dos entorpecentes, em termos sociais ainda é o mais ameno, e nem por isto se vê a pregação ortodoxa contra dependentes de álcool e entorpecentes, tratados como espécies de coitados, enquanto o fumante como espécie de sem vergonha. Para que não se pense estar aqui fazendo proselitismo em causa própria, sou ex-fumante já há mais de uma dezena de anos. Mas sei que sou viciado no tabaco, pois sinto vontade até hoje, mas prefiro, por opção racional, respirar melhor enquanto estiver vivo.

 

O que há de verdade é que o governo arrecada muito imposto com o setor tabagista, o que, a curto prazo, é vantajosa arrecadação que chega a 80% do valor da carteira de cigarros. Mais do que isto, é um setor sempre sujeito a receber mais tributação, pois tem a anuência social graças à estigmatização do fumante, sendo que no Brasil, ainda que pesem tais circunstâncias, temos um dos cigarros mais baratos do mundo. O problema está no longo prazo, ou seja, se o orçamento acresce de receita no presente, no futuro os gastos com saúde e previdência acabam por levar tais recursos. Existem estudos que fecham esta conta entre tempos diferentes no sentido de que para cada U$1 arrecado serão devolvidos U$1,5 sob a forma de previdência e saúde. Ou seja, o combate não se trata meramente de ação de saúde humana, mas de saúde financeira a longo prazo. Neste sentido é bom lembrar que os governos são eleitos para o médio prazo, assim se recebem herança de doentes do passado, também arrecadam e deixam uma herança de doentes para o futuro.

 

 

Um fato primeiro na campanha contra o tabagismo é o ‘fumante passivo’. A este respeito foi feito estudo econômico denominado "Impacto do Custo de Doenças relacionadas com o tabagismo passivo no Brasil" encomendado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), patrocinado pelo Bloomberg Brasil, onde se concluiu, conforme divulgado no Jornal O Estado de São Paulo de 28 de Outubro de 2008, que o governo gasta

em torno de R$ 37 milhões com os 2.655 fumantes passivos que morrem anualmente das três principais doenças relacionadas ao fumo: enfarte, derrame e câncer de pulmão. São R$ 19,15 milhões com tratamentos pagos pelo Sistema de Saúde; e R$ 18 milhões na previdência social com o pagamento de pensões ou benefícios aos parentes das vítimas.

São números assustadores, mas o fator aí envolvido é a vítima passiva do fumo, ou seja, é mostrado aquele que não quer fumar e acaba tendo a saúde comprometida pelo fumante. Entretanto, o álcool e entorpecentes fazem também vítimas passivas, e o resultado é mais deletério, normalmente situações que terminam em vários tipos de violência, que também afetam a saúde daquele que é roubado, violentado, assaltado, atropelado, acidentado ou assassinado, normalmente algo bem mais contundente, ou seja, se o fumo mata a prazo, o álcool e entorpecentes são colaboradores da morte à vista. Se doenças como infarto e derrame matam, a violência também o faz, aliás em algumas regiões brasileiras temos índices de mortalidade típicos de região de guerra.

 As doenças do fumo costumam demorar de 25 a 30 anos para matar, a violência mata em segundos. Assim, entendo que, no mínimo para justificar a virtuosidade do tratamento dado aos fumantes, o mesmo tratamento deveria ser destinado aos alcoólatras e drogados, ou vice-versa. Não sendo assim, fica claro que o fumante é alvo preferencial das conveniências políticas.

Assim, vejamos a atual situação do fumante. No caso do Estado de São Paulo, o governador do Estado, José Serra, sancionou lei aprovada pela Assembléia Legislativa que reforça a Lei Federal de 1996 e baniu o cigarro de quatro lugares, onde o fumo já era restrito: repartições públicas, bancos, hospitais e escolas, e em locais fechados em geral, tais como bares e restaurantes. Trata-se do tabagismo em geral, pois a lei sancionada cita a proibição ao uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos e cigarros de palha e traz como novidade não abrir exceção a fumódromos.

O resultado é que a partir de 7 de agosto de 2009 quem desobedecer o estabelecido será punido com multa por infração de 37,59 UFESPs, algo em torno de R$ 560,00 (quinhentos e sessenta reais), e aí algo interessante: o multado não é o autor da “pitada”, mas o lugar onde estiver ocorrendo o delito. A meu ver, uma distorção; é como se alguém entrasse na sua casa, cometesse algum delito e você, como proprietário, seria o punido. Uma lógica que presume a conivência do proprietário do local onde o infrator incendeia o seu tabaco.

É uma transferência de serviço que caberia ao setor público, ou seja, ao invés de um fiscal do estado punir com multa o infrator, o poder público transfere ao proprietário do estado o poder de polícia preventiva, mas sem o poder de ação punitiva, pelo contrário, ele é punido. Imaginemos a situação: um sujeito está no estabelecimento e insiste em fumar. Vai lá o proprietário e pede para parar, ele insiste que não, o proprietário pede para se retirar, o sujeito diz que não, e aí? Quais são as sugestões do estado, tira no braço, contrata seguranças, adota uma arma? E mesmo assim, como não resolver a questão sem cometer uma ação a ser enquadrada no código penal? Do meu ponto de vista, o governo transfere a ação de vigilância do ‘poder de polícia’, mas não transfere meios de coerção, a transferência em questão é incorreta e indevida.

A coisa ganha um certo humor negro se transferirmos aos usuários de álcool e drogas, aos acidentes da rodovia, multa à concessionária, ‘bebum’ atropela em região urbana, multa para a prefeitura, assaltante drogado entra, assalta o banco, mata uns dois ou três: multa para o banco. Ou as vítimas em questão não são passivas também? E talvez mais prejudicadas do que os fumantes passivos. Conter o uso de substâncias nocivas e suas conseqüências sobre a sociedade me parece algo benvindo, mas é preciso ser tratado com ponderação, e com efetiva vontade política de resolver a questão, e não apenas suprir a fúria arrecadatória, tão comum no Brasil, geralmente travestida da melhor das intenções. E dá-lhe multas...

 

 

Gilberto Brandão Marcon, Professor e Pesquisador da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação, Comentarista Econômico TV União.

Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 31/08/2009
Reeditado em 28/04/2012
Código do texto: T1784813
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