EFEITOS RETARDADOS DO ALCOOLISMO

                                     Sérgio Martins Pandolfo*

                  “Se beber não dirija! Se for dirigir não beba!”

           O alcoolismo, doença (assim considerada pela Organização Mundial da Saúde) marcada pelo consumo habitual, constante, quase diuturno, de bebida alcoólica, não pode ser confundido com a carraspana esporádica, comemorativa de algum fato especialmente prazeroso, ou, ao revés, para “esquecer” uma ocorrência tormentosa, frustrante, infeliz. Este, é o alcoolismo agudo, eventual; aquele, o etilismo crônico, magnamente danoso ao organismo. Alcoólatra é o bebedor que, como se usa dizer, bebe todo dia e o dia todo.
           O uso imoderado e contumaz de bebidas alcoólicas pode afetar praticamente a todos os órgãos e sistemas do organismo. O aparelho digestório, com suas glândulas anexas, é o mais atingido, mas há graves e múltiplas implicações, também, no sistema nervoso, central e periférico.
           A embebição crônica das células cerebrais em etanol (o álcool das bebidas) é terrível. Milhões de preciosos neurônios são inapelavelmente destruídos, levando à baixa das funções intelectuais, vale dizer: memorização; inteligência; raciocínio; percepção dos fatos; deformação da ideação e, mais tardiamente, confusão mental e demência, chegando a quadro que imita, de certa forma, o mal de Alzheimer.
           O tremor das mãos – a princípio fino, depois grosseiro –, um dos sinais mais visíveis pelos circunstantes, é quase uma constante no alcoólico crônico; pode se apresentar mais cedo ou algo mais tardiamente e é conseqüência da lesão neuronal (polineurite alcoólica) imposta pela prolongada e constante ação do álcool e, também, pela carência secundária de vitamina B1.
           A irritação permanente da mucosa gástrica (gastrite alcoólica) prejudica ou impossibilita a absorção de elementos nutricionais vitais ao organismo (vitaminas e minerais, principalmente), que, associada à conhecida inapetência dos ébrios contumazes (por ser o álcool elemento altamente calórico, competindo com os alimentos) levam, inexoravelmente, a deficiência nutricional severa, pluricarencial, que exacerba e empiora o dano neuronal. A sobrecarga alcoólica constante do fígado — responsável principal pela metabolização do álcool, transformando-o inicialmente em aldeído acético e a seguir em ácido acético — pode levar à lesão degenerativa irreversível do órgão, a cirrose hepática. A pancreatite é outra eventualidade assaz encontradiça, que nos episódios agudos representa grave risco à vida do paciente.
           O abuso crônico do etanol pode conduzir, dentre outras, às seguintes complicações: 1) embriaguez patológica, marcada pela modificação do humor, seja para a exaltação (violência, agressividade, ira), seja para a depressão, que pode chegar ao coma; 2) delirium tremens, caracterizado, máxime, por tremor (das mãos, notadamente), incoordenação motora e disartria (dificuldade na articulação das palavras); perturbação da marcha; insônia e confusão mental onírica (em que sonhos se confundem com a realidade); alucinações terrificantes; costuma manifestar-se, ou acentuar-se, caracteristicamente, nos espaços de tempo livres da ingestão de álcool (síndrome de abstinência), cessando, ou minorando, tão logo o paciente ingira a droga, novamente; 3) epilepsia, que pode ser induzida ou deflagrada pelo alcoolismo cronificado e costuma agravar-se nos indivíduos com intoxicação alcoólica crônica importante e de longa duração; 4) encefalopatia alcoólica, bastante peculiar ao exame microscópico do tecido cerebral, que associa, à rarefação e alterações neuronais diversas, proliferação do tecido de enchimento interneuronal (entre as células nervosas) e, mesmo, pequenas hemorragias nos casos mais graves e na ausência de tratamento conveniente, podendo evolucionar para demência progressiva; 5) atrofia cerebelar (do cerebelo), caracterizada, mormente, por alterações da estática e da marcha; 6) cirrose hepática de evolução progressiva, que pode levar o indivíduo à ascite (barriga d’água), ao coma e à morte; 7) miocardite, acompanhada de arritmias, seguida de insuficiência cardíaca congestiva (edema).
           Demais disso, o etilismo crônico mina o organismo do dependente pela desnutrição multicarencial, diminuindo-lhe a resistência frente às infecções, tornando-o, assim, mais vulnerável a doenças como a tuberculose e viroses em geral, especialmente a AIDS. O processo de cicatrização das feridas fica, também, retardado. Há degradação física e mental do alcoolista. Nos casos mais avançados da enfermidade (etilicodependência) é comum a diminuição da potência sexual.
           O tratamento do alcoolismo crônico apresenta dificuldades expressivas. Há que suprimir, tão logo seja possível, a ingestão alcoólica, o que nem sempre é fácil. Muitas vezes é necessário internar o paciente em clínicas especializadas para a “desintoxicação”, seguida de medidas terapêuticas específicas, que incluem a correção das deficiências nutricionais e apoio psicológico feito por especialistas. Esse tratamento costuma ser bastante longo e tem que contar com o decidido apoio e vontade do paciente para manter-se longe da droga, pois, a ingestão de bebida por um único dia pode deitar por terra todo o longo e dispendioso tratamento, voltando o paciente ao estado de embriaguez contumaz. Por outras palavras, o alcoólatra, por ser dependente químico do etanol, não pode tomar o primeiro gole, pois isso desencadearia a volta à condição de contumácia etílica. O alcoolismo é doença que não tem cura. Há marcação genética irreparável.
           O abuso de bebidas alcoólicas gera muitos problemas na sociedade moderna e, sem ponta de dúvida, nesta conjuntura de globalização comportamental (hábitos, costumes, procedimentos), à humanidade como um todo.

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(*) Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 03/07/2009
Reeditado em 25/07/2012
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