MIOMAS DO ÚTERO

                               Sérgio Martins Pandolfo*


          Leiomiomas ou simplesmente miomas (de leio = liso + mio = músculo + oma = tumor) são tumores formados a partir de músculos e, portanto, passíveis de encontrados em qualquer víscera ou estrutura corporal que contenha tecido muscular.
         Também chamados fibromas (quando o tecido muscular tumoral está alterado por fibrose) e essencialmente benignos, só excepcionalmente podem sofrer transformação maligna. Como são muito frequentes no útero, produzindo distúrbios variados, seu estudo interessa particularmente ao ginecologista, sendo motivo de curiosidade e aflição de muitas mulheres.
         O útero tem forma aproximada de pera e se divide em duas partes: o colo e o corpo. Está estruturado em três camadas superpostas: a interna, ou endométrio, que forra a cavidade da víscera; a média, ou miométrio, mais espessa e essencialmente muscular, constituída por fibras que se sobrepõem em camadas de orientações diferentes e se entrecruzam; é nessa camada intermediária que se formam os miomas; a externa, ou serosa, a mais delgada das três, é formada por fina membrana de peritônio, intimamente aderida ao miométrio (Fig. 1).
         O colo pode ser visível, em parte, ao exame ginecológico, afastando com espéculo (“bico de pato”) as paredes da vagina. O corpo não pode ser visto desse modo por estar, todo ele, situado dentro da cavidade abdominal, mas pode ser percebido com bastante precisão pelo toque bimanual: com os dedos indicador e médio de uma das mãos introduzidos na vagina o médico empurra e mobiliza o colo, enquanto a outra mão calca e apalpa a parte mais baixa da parede abdominal, sentindo e analisando o corpo do útero.  Este simples, preciso, indolor e não-invasivo exame é suficiente, em mais de 90% dos casos, para o diagnóstico dos miomas, Somente os nódulos diminutos ou então os incidentes em pacientes obesas ou que não relaxam adequadamente ao serem examinadas podem passar despercebidos ao exame feito por profissional experto. Com o advento da ultrassonografia aumentou sobremodo a possibilidade de detecção desses tumores, bem como sua precisa localização, número e distribuição na pera uterina, dados importantes, às vezes, para o estabelecimento da conduta terapêutica a ser seguida.
         Há grande variabilidade quanto ao tamanho, número e localização dos miomas. Podem ser encontrados desde minúsculos nódulos até massas tumorais volumosas, disformes, assim como é possível a existência de tumor solitário ou de múltiplas nodulações, de tamanhos diversos.
         Maioria das vezes ocupam o corpo do útero, mas também podem localizar-se no colo. Essas tumorações podem, finalmente, desenvolver-se na espessura da parede do útero, projetar-se para a cavidade interna da víscera ou proliferar, como protuberância extrínseca, para fora do útero (Fig, ao alto).
         Os sintomas mais importantes e assíduos são o sangramento anormal (fora das menstruações) e/ou o aumento apreciável do fluxo menstrual, em quantidade e/ou duração, alterações essas nitidamente relacionadas à localização do mioma e menos ao tamanho e número deles.
         Menstruações com fluxo aumentado e/ou prolongado acabam levando à anemia, via de regra de difícil compensação, pois a melhoria qualitativa sanguinea ganha com a medicação é perdida com a sangria menstrual subsequente.
         A dor não é sintoma relacionado aos miomas, a não ser, exceptuadamente, se um tumor volumoso comprime outra víscera. Portanto, pacientes que têm mioma e sentem dores, estas provavelmente se devem a outras causas, no mais das vezes inflamatórias, que precisam ser investigadas e tratadas.
         No que concerne ao tratamento é ele eminentemente cirúrgico. Tratamentos clínicos (com hormônios, anti-hemorrágicos, contraturantes uterinos, etc.) são paliativos, temporários e quase sempre protelatórios da cirurgia. Alguns deles, apontados mirabolantemente em publicações leigas e não-confiáveis, são ineficazes e até perigosos ou francamente maléficos. Pequenos tumores, sem sintomas e principalmente na perimenopausa, dispensam tratamento.
         A cirurgia pode ser conservadora, limitada à simples remoção dos tumores (miomectomia), em pacientes jovens e que desejam ainda ter filhos ou continuar a menstruar. Conserva-se a função procriadora e a funcionalidade da matriz uterina (Fig. 4).
         Na maioria das vezes, encerrada a etapa procriativa, a operação proposta é a extração total do útero (histerectomia), que para além de isentar a paciente do aparecimento de novos tumores também a exime do terrível câncer uterino (do colo ou do corpo), com suas nefastas e sombrias repercussões. A histerectomia efetuada para tratamento de miomas deve sempre preservar os ovários, a fim de manter normal a produção dos hormônios femininos, garantindo a integridade da função sexual e dispensando, assim, a administração exógena subsequente desses hormônios, medicação cara e nem sempre acessível às clientes, e que não suprem, integralmente, a função dos ovários suprimidos. A retirada de ovários sadios junto com o útero, para tratar mioma, é demasia injustificável, incoerente e onerosa (Fig. 5) à saúde e à bolsa.
         A remoção do útero isoladamente não provoca nenhuma alteração hormonal ou sexual na paciente, posto que esse órgão não produz hormônios, não participa do ato sexual nem interfere em outras ações orgânicas. Suas funções precípuas são abrigar e nutrir o feto durante a gravidez. A histerectomia não leva, portanto, à frigidez ou à inadequação sexual que, quando referidas, certamente se devem a problemas de fundo psicológico. A integridade hormonal feminina fica mantida, garantindo a plenitude da sexualidade e das demais funções corporais hormônio-dependentes.


--------------------------------------------------------------------
(*) Prof. Livre-Docente Doutor da UFPA. Tocoginecologista titulado. Emérito do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e da Associação Paraense de Ginecologia e de Obstetrícia. Ginecologista do Hospital de Clínicas “Gaspar Vianna”. Membro da ABRAMES E DA SOBRAMES. E-mail: serpan@amazon.com.br - sergio.serpan@gmail.com -  www.sergiopandolfo.com

Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 02/07/2009
Reeditado em 25/07/2012
Código do texto: T1679328
Classificação de conteúdo: seguro