MANUSCRITO ACHADO NO METRÔ (V)
MANUSCRITO ACHADO NO METRÔ (V)
PASSOU-SE UMA semana sem que eu novamente pegasse o caderno encontrado no metrô e voltasse a lê-lo. Meus olhos descobriram um estranhamento. No bloco de papel em minhas mãos, que parecia tão irrisório, pequeno, a história nele contida ia longe no despertar meu interesse. interesse já agora para lá de inusitado. Eu adiava o momento de recomeçar a leitura, porque ainda cismava no absorver completamente o que havia lido. E o que havia lido me questionava para além da tradução superficial de suas ideias.
OS ARGUMENTOS nele, caderno, contidos, me despertavam para o estar consciente da sonolência em que viviam as pessoas habitantes da cidade, os transeuntes nas calçadas habitadas nessa dimensão deste mundo. Uma sonolência em que eu também me encontrava. Seria por causa dessa apatia com relação às reflexões por seu conteúdo sugeridas, que eu começava a me interessar demasiadamente por sua leitura???
A AVERSÃO que mantinha por leituras estava sendo vencida pela atenção gradativa que se intensificava na leitura do manuscrito encontrado no metrô. O texto me estava a suscitar uma série de reflexões as quais, até este momento, não me cobrava disposição em refletir, considerar, meditar. Eu pensava: “será por isso que na eleição presidencial passada, 58 milhões de eleitores, grande parte dos quais evangélicos, pessoas sem formação escolar adequada, sem leitura crítica da sociedade, com pensamentos simplórios sobre a própria vida, refugidas medrosas, com medo da sobrevivência no ambiente hostil das periferias esquecidas, inseguras.
AÍ APARECE UM político maluco, a elogiar em plenário da Câmara, torturadores sádicos dos “ânus de chumbo da ditadura”, e eles, o gado desgarrado, se deixam aglutinar em torno dele. Querem acreditar em suas mentes carentes de valores, numa moralidade de família inexistente, num patriotismo de fancaria, no “mito do pinico” que pede pinico a tudo e a todos para ver se, de algum lugar, há possibilidade de escapar das grades que as quatro linhas da Constituição impõe àqueles que conspiraram contra o Estado democrático de direito. O “mito do pinico” odeia democracia.
EU ME PERGUNTAVA: por quê??? Era por falta de alguém em quem confiar, em quem depositar suas esperanças??? Era para ceder a um impulso irracional, tipo “efeito espelho” que conduz pessoas a se aglomerarem em grupos, turba e multidão??? Multidão ou magote de gentes, vozes dissonantes que querem acreditar em qualquer ajuntamento que possa, pelo menos por momentos, tirar deles a enorme perturbação mental, espiritual em que se encontram há muito tempo.
AOS QUE NÃO SABEM para onde ir, nem porque, qualquer aventureiro que lhes aponta um horizonte, por mais odioso e desqualificado seja, lhes parece, em seus delírios interiores, melhor do que nada. Continuei lendo o caderno encontrado no metrô. Ele dizia:
“BASTA ALGUÉM nascer num ambiente fragilizado pelo desamor, sob o comando de uma estatística de desemprego ou subemprego... Basta alguém ser parido em meio a uma família desorganizada, sem certeza de que vai ter com que se alimentar, mais que simplesmente para matar a fome, uma família esquecida pela assistência social, uma família vulnerável, na qual a precariedade do vínculo social se estabeleceu... A família que a sociedade dos demagogos concentrados em aumentar a própria esperteza e riqueza...”.
“AÍ APARECEU O Capetão Brancaleone falando em deus, pátria, família e muita safadeza escondida por baixo do tapete de suas piores intenções. Pronto: bastou para o gado sapiens acreditar em ser cooptado pelas falas do palanque do “rei das fachadinhas”. O narcisismo político pessoal do Bozo magnetizou os corações e mentes na coletividade evangélica dos medos e do espelho traiçoeiro do Inconsciente Nacional Coletivo”. Inconsciente este que eles nem desconfiam o que é”.
“OS APROVEITADORES do momento político social favorável ao negacionismo, às articulações políticas nas redes sociais monitoradas pelo Gabinete do Ódio, caíram matando em cima dessa comunidade evangélica cheia das aberrações sociais mais degradantes. O que é Deus para o gado evangélico do Bozo??? O que é Deus para ao gado evangélico que frequenta os Templos dos simbolismo mágicos do rei Salomão??? O que é Deus para o gado sapiens de modo geral, nas várias religiões???
— “Meu Deus é o Deus”. — “Meu Deus é o melhor”. — “Meu Deus abriu o mar para meu povo passar”. — ““Meu Deus é um “promoter” de grande sucesso universal””. — “Meu Deus é Pentecostal”. — “Meu Deus é o Messias. De seu povo surgiu Einstein, o criador da fórmula E=Mc2”. — “Meu Deus é o da Pedra Negra da Caaba”. — “Maomé é o único Deus”. — “Meu Deus é o Deus do Muro das Lamentações”. — “Meu Deus é o Deus das Sinagogas de Hambúrgueres”. — “Meu Deus é o Deus do povo que criou a bomba atômica”. — “Meu Deus é o da Arca da Aliança...”. — Deus é Jesus Cristo.