Disputas Teológicas I: Questões de 1 a 5 sobre pecado, sexualidade e amor

Que a paz de Jesus e o amor de Maria estejam com todos, independente de cor, gênero, classe, sexualidade ou raça, agora e para sempre, amém!

1. O pecado deve ser visto dentro de uma chave ontológica e não moral. Ver o pecado como uma falta moral é reduzir Deus a um legislador preocupado com sua listinha de “certos” e “errados”. Quando falamos de pecado, falamos daquilo o que nos afasta do Bem e do Amor, que são os conteúdos que nos preenchem enquanto Ser. Pecado é aquilo que nos esvazia, que tira a nossa razão-de-Ser (Que é Deus). Ora, se Deus é aquilo o que É, e se todas as coisas são através e pela graça de Deus, pecado não se trata de uma listinha de certo e errado, mas das condições que nos mortificam e que nos afastam do Ser que confere entidade aos entes. Como afirma o Santo Doutor, o mal se trata de uma ausência ou privação de bem. Ele escreve: “O mal é a privação de uma perfeição devida” (Summa Theologiae, I, q. 48, a. 1), conectando o pecado a um afastamento do bem supremo, que é Deus, e não a meras violações morais.

2. Deus é O Amor. Quando falamos de Adonai, Elohim, El-Shadai, YHWH, Javé ou Jesus não estamos falando de um Deus que ama, que sofre da condição de amar, mas de um Deus que É O Amor (1 João 4:8), que confere a capacidade de amar a todo o ser que ama e que é amado, essa é a grande diferença do cristianismo para as demais religiões. Como afirma São Tomás, Deus é o ato puro de amar, em quem reside toda a perfeição de amor e bondade (Summa Theologiae, I, q. 20, a. 1), ou seja: onde há verdadeiro amor, verdadeira bondade e verdadeira alegria, lá Deus estará.

3. Minha religião é o Amor. O cristianismo é uma religião sobre um Deus que se fez homem e veio à terra para nos ensinar e nos incentivar a amarmos uns aos outros da forma mais pura e sincera possível, ele se ofereceu em sacrifício para perdoar e redimir a humanidade de seu pecado e de seu ódio, mostrando para sua criação a grandeza e a extensão e seu amor: um amor como nunca antes foi visto. Seu ensinamento sobre o amor pelo seu sacrifício está como em João 15:12-13: “O meu mandamento é este: amem uns aos outros como eu amo vocês. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos". São Francisco de Sales reforça essa visão em Tratado Sobre o Amor de Deus, onde ele ressalva: "O amor é a fonte e a razão de tudo o que Cristo fez por nós"

Amar com um coração puro é o que nos salva, e manchar o coração com a impureza do ódio ou daquilo que nos afasta do amor é o que nos condena. Ser cristão é ter o coração como estrela-polar, como um norte a seguir. Pôr o coração no centro de nossas vidas não se trata de ceder aos nossos apetites e nossas paixões, mas de entender que o amor está acima de todas as coisas terrenas e sensíveis e, portanto: que dá sentido a todas elas. Sobre isso, São Tomás de Aquino comenta que o amor perfeito de Deus é aquilo que transforma o homem e o conecta com Deus: "O amor é a forma da virtude, o princípio que governa todas as ações humanas para Deus” (Summa Theologiae I. q. 48)

Ter o coração como estrela-polar é, sobretudo, querer ter um coração como o de Jesus. Somos maus, nascemos maus e somos pecadores, mas pelo amor, pela graça e pelos ensinamentos de Jesus temos a oportunidade de superar a nossa condição de miserabilidade ontológica e dedicar as nossas vidas a cultivar aquilo o que tem valor de Eternidade: o amor, a amizade, a comunidade, a caridade e a esperança. (Gálatas 5:22-23)

Existimos para o amor e para ele devemos nos dedicar, é disso o que o cristianismo se trata. O ódio, a violência e a iniquidade reduzem e diminuem a nossa condição de humanos, ser escravos das paixões, dos vícios e dos prazeres reduzem e diminuem a nossa condição de humanos, ser cristão é escolher ser escravo do Amor, é ter o Amor como Senhor e portanto, dispensar tudo aquilo o que nos afasta do amor puro. Como afirma Santa Teresa D’Ávila: "O fim último do amor é nos unir a Deus". Amar com um coração puro é o que nos conduz à nossa verdadeira finalidade

É por isso que o cristianismo pede uma mudança radical de vida: Jesus nos ama e quer salvar a nós e a toda humanidade e é por nos amar que ele deseja que sejamos a nossa melhor versão, para tanto, devemos nos livrar daquilo o que nos afasta de amar genuinamente e de todo o nosso coração.

4. Homossexualidade e transsexualidade não são pecados. Fomos criados à imagem e semelhança de Deus, fomos criados pelo Amor e para amar, esse amor envolve amar a Deus, aos outros e a si mesmo. "Deus criou o homem à Sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou." (Gênesis 1:27) Sendo assim, toda a diversidade humana pode ser vista como uma manifestação da graça de Deus. Homossexualidade e transexualidade não são desvios de caráter, de moralidade, do amor ou da sexualidade, são apenas outros nomes que damos para diferentes formas de amar aos outros, a si (e, porque não, a Deus?). Acreditamos que a Bíblia foi escrita e reunida pela intervenção do Espírito Santo, isso se estende as cartas de Paulo, que possuem não só uma condenação da homossexualidade e da feminilidade como um incentivo à escravidão e a submissão das mulheres. Ora, que Paulo foi um homem santo disso não temos dúvidas, no entanto, ele é um homem que escreve para outros homens em um contexto sacerdotal, será que a sua escrita não foi nem um pouco contaminada pelo espírito e pela cultura de sua época? É isso o que algumas teólogas feministas pontuam e esse é um ponto que deve ser levantado nesse debate. Ademais, os efeitos simbólicos de considerar a homossexualidade e a transsexualidade como pecados são a violência categórica contra esses grupos marginalizados, esses efeitos devem ser combatidos e abominados inclusive teologicamente.

5. A mulher não deve ser submissa ao homem. São Paulo de Tarso subestima a escravidão e incentiva os escravos a serem mansos e obedientes. Naquela época não existia horizonte para o fim da escravidão (que demorou quase 2 mil anos para ser abolida). Sabemos hoje que a escravidão é um horror e que a liberdade deve ser um direito inegociável, no entanto, não estendemos o equívoco de Paulo sobre os escravizados ao que ele fala sobre os homossexuais e sobre as mulheres, que devem também ser entendidos enquanto equívocos socioculturamente motivados. A história da humanidade é a história da dominação de um gênero sobre o outro, as mulheres sofrem e sofreram durante milênios os horrores da violência e as máximas paulinas incentivam esse tipo de opressão. Dizer que as mulheres devem ser submissas é naturalizar e normalizar a violência de gênero, inclusive colocando-a enquanto princípio comum às relações heterossexuais. Se somos a favor do verdadeiro amor e abominamos todas as formas de violência, devemos ser contra as máximas da submissão feminina e da homossexualidade e transsexualidade enquanto pecados.