Noventa Anos da Morte do Patriarca de Juazeiro
Recentemente a Igreja no Brasil celebrou a memória do patriarca do Nordeste com significativas celebrações por toda a região, evidenciando seu finamento depois de uma longa e profícua existência, cheia de perseguições e incompreensões, principalmente na Igreja do seu tempo.
Nascido na cidade de Crato, no Cariri cearense nos idos do distante 1844, Cícero Romão Batista seria um dos ícones do catolicismo romano que ultrapassaria as barreiras de sua aldeia, o Juazeiro. Teve infância difícil, dada a situação precária de pobreza e misérias que assolavam a região, então denominada de Norte, uma vez que o termo nordeste ainda inexistia, passando a ser grafado nos idos de 1910.
O jovem Cícero Romão cresceria nos tempos do Brasil imperial, de muitos latifúndios – protegidos pela famigerada Lei de Terras de 1850 –, dos coronéis despóticos e da chaga do escravismo, tanto em fase local ou comércio transatlântico de escravos.
Manifestou o desejo de seguir o sacerdócio e assim teve sua formação acadêmica feita em Fortaleza, no antigo Seminário da Prainha, lugar onde passaram as figuras mais proeminentes do clero cearense, a exemplo de Dom Hélder Câmara. Ao final dos seus estudos foi ordenado padre pelo primeiro bispo da então diocese do Ceará, Dom Luís Antônio dos Santos, em 1870, contrariando o parecer do reitor do Seminário, o francês padre Pedro Augusto Chevalier, um sacerdote lazarista, preconceituoso e profundamente moralista que ironizou os eventos do Milagre da Hóstia e fora contrário ao ato de ordenação do seminarista Cícero Romão.
Padre Cícero Romão Batista fixou morada na povoação de Juazeiro em substituição ao padre Pedro Ferreira em 1872. Profundamente devotado à sua gente fez de sua nova morada seu porto seguro e de onde não sairia jamais, excetuando-se o tempo que passou em Roma no intuito de dar resolutividade aos eventos dos Milagres da Eucaristia na boca da beata Maria de Araújo no ano de 1889. Exerceu seu ministério sacerdotal influenciado por outro grande santo nordestino, o padre mestre José Antonio de Maria Ibiapina, apóstolo dos sertões e defensor dos pobres e oprimidos e influenciador do beato Antonio Conselheiro.
Profundamente amado por sua gente, a gente paupérrima dos grotões do Nordeste, padre Cícero pastoreou sua gente nos períodos de secas, principalmente em 1877, 1915 e o último efeito climático que viveu em 1932, quando chegaria ao final sua jornada terrena dois anos depois.
Respeitado por muitos, imensamente amado pela maioria e odiado por uma minoria, foi duramente perseguido por seu bispo, D. Joaquim José Vieira, que o detestava ao ponto de tentar manchar sua reputação em todo o estado do Ceará através das suas Cartas Pastorais e da suspensão das ordens impostas ao Padre, sob intensa pressão do cardeal Arcoverde. Tais passos de D. Joaquim foram seguidos pelo primeiro bispo do Crato, D. Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva, a quem padre Cícero ajudara, acolhendo-o em Juazeiro quando das primícias do seu sacerdócio.
A ereção canônica da diocese de Crato, em 1914, proporciona nova roupagem nas perseguições ao vigário de Juazeiro quando é excomungado e vem a falecer sem tomar conhecimento de tal medida extrema, a pior que um católico poderia receber à época.
Foi o responsável pelo famoso Pacto dos Coronéis, em 1911, sendo seu principal signatário, tentando colocar termo à violência no Cariri cearense. Prefeito de Juazeiro encaminhou a cidade aos níveis de desenvolvimento em toda a região, promovendo riquezas e novas benfeitorias para a localidade. Combateu a Coluna Prestes/Miguel Costa aliando-se aos jagunços de Floro Bartolomeu e aos cangaceiros de Virgulino Ferreira da Silva. Antes, porém, viu seu Juazeiro envolto na guerra da Sedição, culminando tal movimento na derrocada do governo Franco Rabelo em Fortaleza, amparado nos coronéis corruptos e violentos de todo o Cariri.
Padre Cícero deu apoio aos mais pobres e especificamente ao mundo beato. José Lourenço Gomes da Silva – beato Zé Lourenço – foi o ícone mais influente do beatismo iniciado no Caldeirão de Santa Cruz do Deserto. Contudo, tal experiência foi interrompida pelos latifundiários de então, mancomunados com autoridades civis, eclesiásticas e os militares na expulsão da gente ambientada nesta localidade, tachada de comunista.
Já nonagenário nos princípios da década de 1930 padre Cicero começa a definhar aproximando-se do final de sua existência terrena. Fina-se aos 20 de julho de 1934, desgastado pelas dores, solitário em sua missão, mas, amado por todo o Nordeste, terra de sua gente, os campônios de muita fé, devoção e muito abandono.
A caminho do centenário de sua morte padre Cícero Romão, reabilitado pela mesma Igreja que o perseguiu durante toda sua vida, segue como um farol a alumiar os caminhos dos nordestinos, sob a Mãe das Candeias.