Virtudes e Vícios: frutos e doenças do caráter e do espírito - dos afrescos de Giotto na Capela Arena em Pádua-Itália
A Capela Scrovegni, também conhecida como capela Arena, fica na cidade de Pádua, na Itália, e tem medidas internas aproximadas de 29 metros de comprimento, 13 metros de largura e 8 metros de altura. Pintada entre 1303 e 1305, antes das destruições que o modernismo promoveu nas artes, arquitetura, política e religião, sua decoração pictórica eleva esta capela a uma das maiores obras-primas da arte clássica. São cerca de 900 metros quadrados com afrescos de imensurável valor educativo, histórico, artístico, teológico e salvífico.
O tema central da capela é a salvação humana. Seus afrescos, organizados de cima para baixo em espiral, retratam as principais cenas da vida da Santíssima Virgem Maria, desde a sua concepção, até a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. A imagem de destaque é a do Juízo Final, que ocupa uma parede inteira, e chama a atenção a representação das Virtudes e Vícios, que fica ao nível dos olhos dos visitantes. É a respeito destes últimos que tratarei nos artigos seguintes, das virtudes e vícios, que são, respectivamente, frutos e doenças do caráter e do espírito. Do caráter, por depender de hábito humano. Do espírito, por depender de graça divina.
Para ver as imagens dos afrescos em alta definição, acessar https://bit.ly/ArenaHD.
As virtudes teologais são aquelas que tem como origem, motivo e objeto o próprio Deus: fé, caridade e esperança; Elas existem como complemento às quatro virtudes cardinais, que são perfeições habituais e estáveis da inteligência e da vontade humanas, que regulam os nossos atos, ordenam as nossas paixões e guiam a nossa conduta segundo a razão e com base na fé.
O afresco do juízo final ocupa a parede onde se localiza a porta principal da capela. Olhando para o altar, na parede do lado esquerdo, estão ordenados os afrescos dos vícios. Do lado direito, estão os afrescos das virtudes opostas a estes vícios. Os vícios e virtudes são representadas por figuras humanas com características e posturas descritivas do respectivo vício ou virtude. Nos artigos a seguir descrevemos as imagem representativas de cada par Virtude x Vício e dicas de como desenvolver as virtudes e eliminar os vícios.
A ordem em que os pares de virtude e vício são dispostos nas paredes, no sentido do altar para a parede da porta principal, que retrata a cena do juízo final, tem ainda um sentido pedagógico de uma caminhada da vida temporal rumo ao à vida eterna, de salvação ou de condenação. Durante nossa vida temporal, por atitudes e por graça, podemos trilhar o caminho das virtudes e encontrar a graça da salvação. Ou desprezar a salvação e trilhar o caminho dos vícios e encontrar a desgraça da condenação eterna.
A partir do altar, rumo à porta principal, os pares Virtudes x Vícios são:
1- Prudência e Estultice: virtude e vício associados à inteligência, à reflexão sobre a ação cotidiana e às escolhas sobre o que é importante. A inteligência de desenvolve por meio do estudo. A dignidade que se dá ou julgamento que se faz a respeito do objeto de culto determina a percepção sobre si mesmo e sobre seu entorno. Por isso o prudente, guiado pela fé e pela razão, almeja prioritariamente os bens eternos. Busca conhecer a si mesmo, amar a Deus e imitar a Cristo, e tem apreço pela salvação. O estulto, por sua vez, se deixa levar por suas vontades e emoção. Desenvolve amor exacerbado a si mesmo e almeja exclusivamente os bens temporais. Busca prazeres terrenos tornando-se escravo deles, desprezando a salvação.
2- Fortaleza e Inconstância: virtude e vício associados à vontade, que é determinante para enfrentar os contratempos da vida na busca do bem maior. A vontade pode se descontrolar a partir do que se vê e se ouve. Pela luxúria, a razão e a vontade ficam desordenadas. Como na ação humana o mais importante é o fim, é preciso prudência para não trocar bens maiores, que levam à salvação, por bens menores, como prazeres e riquezas; e é preciso constância para não desistir da busca pela salvação, o bem maior.
3- Temperança e Ira: virtude e vício associado à emoção, à capacidade de governar a paixão da ira que afeta o espírito e se reflete no corpo. O amor exacerbado a si, leva ao descontrole emocional. As paixões da alma são eticamente neutras, não são boas nem más. As iras más, que ofuscam a inteligência, são a aguda, a amarga, e a difícil. A aguda é da pessoa que se irrita por motivos leves, picuinhas. A amarga são os ressentimentos guardados na memória por muito tempo. A difícil é a que busca vingar-se da pessoa que praticou ou propagou o mal. As iras boas são as indignações motivadas ante o mal, cujas ausências significam falta de senso moral, prevaricação, falta de afetividade e de solidariedade aos injustiçados e indefesos.
4- Justiça e Injustiça: virtude e vício associado ao outro, ao irmão, à coisa pública, que afeta a capacidade de liderar e governar. O estudo dos bens humanos conduz ao senso de justiça. O “justo” aristotélico é “dar a cada um o que lhe é devido”. É preciso que o governante seja justo para que seus governados possam exercer seus trabalhos e buscar a felicidade para si e para os seus. O governante precisa premiar o justo e punir o malfeitor, com separação clara entre governante justo e governados. Um governante sem essa virtude produz crime e violência ao povo e a si mesmo. Em um governo injusto não há uma separação clara entre governante e governados, e o mal se retroalimenta e cresce, em um ciclo vicioso.
5- Fé e infidelidade: virtude e vício associados ao direcionamento do intelecto à justiça divina e à priorização que se tem entre o celestial e eterno e o terreno e passageiro. Ter fé é ter consciência de que o mundo é mais que matéria; e que o invisível e espiritual são mais abundantes e sustentam o material. Ideais romantizados de plenitude que o homem anseia, como sucesso, saúde eterna, felicidade ininterrupta, poder e prazer sem limites, fraternidade universal, compreensão angélica, certezas universais, amor perfeito e religião indefectível cegam o homem e podem cronificar uma doença espiritual.
6- Caridade e Inveja: virtude e vício associados ao direcionamento do intelecto, sentidos e vontade para com o outro e para com Deus. A contemplação do belo, e o exercício da gratidão são remédios para cultivar a caridade e combater a inveja. A caridade se constitui em uma antecipação do Céu, na alegria do amor a Deus pelo servir ao irmão. A inveja, por sua vez, é a vivência de um inferno terreno, uma tristeza por não enxergar méritos e bens no outro e em si mesmo.
7- Esperança e Desespero: virtude e vício associados à inclinação do espírito do homem à promessa de salvação dada no batismo em Cristo. Assimilar a realidade concreta da ação divina na humanidade e na nossa vida particular, por meios dos grandes milagres e das graças cotidianas, é útil para se desenvolver a esperança. Encarar a vida sob a perspectiva da eternidade é útil para dimensionarmos adequadamente os acidentes da vida e evitar o desespero. "Quem tem porque viver, suporta quase todo como". O desespero e a esperança são dois extremos que dependem tanto do hábito humano, frutos do caráter, quanto da graça divina, fruto do espírito. O caminhar sob vícios ou virtudes são rotas de condenação ou de salvação.
O modernismo é a mentalidade-mãe de diversos enganos da humanidade, e a igreja denunciou estes erros nas encíclicas "Singulari Nos" de 1834, e "Pascendi Dominici Gregis", de 1907. A cura contra o modernismo encontra-se descrita na encíclica "Aeterni Patris", de 1879.
Em síntese, o modernismo se origina do o amor excessivo por novidades e do orgulho em (i) não se submeter à verdade, corrigindo-se a si mesmos; (ii) impor estas novidades aos outros; e (ii) insistir nos erros.
Para fazer estes artigos usamos a estrutura e o conteúdo do livro Ecce Homo - Os vícios à luz dos afrescos de Giotto, https://bit.ly/LivroVicios, do Robson Oliveira, como modelo e inspiração. Complementamos com informações das virtudes em pesquisas na internet. Os afrescos da capela podem ser vistos em ultra alta definição por meio do link https://bit.ly/ArenaHD.