Por uma liturgia de iguais
'Por uma liturgia de iguais, resposta em diálogo com o texto “despatriarcalizar - uma condição para a sinodalidade," da Ir. Eurides Alves de Oliveira.
Li o texto “Despatriarcalizar - uma condição para a sinodalidade" da Ir. Eurides Alves de Oliveira, que me foi enviado no mesmo dia por várias pessoas diferentes. E se me mandaram o texto insistentemente algo de muito interessante haveria nele. Li. Reli. Li outra vez.
Por motivos óbvios o texto me fez pensar no Sínodo para a Amazônia. E em tantos sonhos que algumas propostas do Sínodo despertaram em nós. Sabíamos que nada viria facilmente, mas acreditávamos que era o momento de dar passos, aqueles que retrocederam há milênios. Afinal, é sempre tempo de acreditar.
Mas o que vimos na mídia e na própria igreja durante o Sínodo foi uma destilação de ódio e fake news, tão comuns entre nós de alguns anos para cá, que nos levou a perguntar: somos da mesma igreja ou há uma igreja triunfante e outra, subjacente, das catacumbas, das pessoas mais pobres, que não obtiveram o status eclesiástico, localizadas onde ninguém quer ir, que passam meses, até anos sem celebrar a Eucaristia porque não interessam a nenhum ministro ordenado? Seguimos a Comunidade Crística de Nazaré, que deu atenção a todas as mulheres que encontrou, curando-as, libertando-as, dando-lhes dignidade, incluiu as pessoas pobres convidando-lhes à mesa sem nada esperar em troca, expulsou os vendilhões do templo, chamou os homens poderosos, doutores da Lei de Moisés e grandes chefes religiosos de sepulcros caiados e disse aos príncipes dos sacerdotes que as prostitutas os precederiam no Reino dos Céus?
O que a gente bebeu na fonte de mulheres bíblicas corajosas como Maria, Mirian, Maria Madalena, Ana de Aser, Jael, Raabe, Débora, Priscila, Lídia, Maria de Betânia, a mulher cananeia e tantas outras do nosso tempo, como Ivone Gebara, Ione Buyst, Penha Carpanedo, Lusmarina Garcia, Odja Barros, Romi Márcia Bencke que ousaram pensar e realizar o novo, precisa tornar-se nossa prática cotidiana. E não são os homens que nos darão isso de presente, mesmo porque não queremos presentes nem concessões. Não podemos esperar que a Igreja, mesmo com Francisco, nos devolva os lugares aos quais temos direito porque não é o modelo de igreja hierárquica aquele que queremos. Desejamos uma comunidade de fé, uma igreja feita em mutirão com uma liturgia de iguais porque como mulheres não somos seres de segunda categoria. Se a circuncisão era a iniciação apenas para os homens, o batismo nos iguala.
E a liturgia de iguais despatriarcada se faz com equidade entre mulheres e homens, entre jovens, adultas(os)e idosas(os), entre héteros e todas as sexualidades, entre ordenados e leigas(os), entre todas as etnias. A sinodalidade verdadeira só se faz com o sopro da Divina Ruah sobre a participação ativa das mulheres em todas as instâncias da igreja, inclusive de decisão, não apenas onde os homens do sagrado deixam. Não precisamos de permissões dos homens do sagrado para a liturgia de iguais.
Assim como a família, tenha ela o formato que tiver, se senta ao redor da mesa e coloca em prática a liturgia de iguais, a igreja peregrina precisa beber da fonte da equidade. Desse modo, a liturgia deixará de ser um ritualismo desprovido de sentido praticado por homens porta-vozes de Deus aos quais devemos obediência, para alavancar a igreja em todas as suas dimensões à equidade da ciranda do nós (mulher e homem). Demos as mãos, mesmo que virtualmente por causa da terrível crise humanitária que vivemos. Afinal, já passou da hora de fazermos a ciranda da liturgia de iguais, uma liturgia onde o reconhecimento das mulheres ultrapasse ínfimas concessões da hierarquia e seja de fato inclusiva e transformadora da própria hierarquia.
Cátia Cristina, liturgista – 13/01/2022