CABALÁ- JESUS, MESTRE CABALISTA

Jesus, mestre cabalista

 

O homem bom, na tradição cabalista, é o homem competente, capaz de refletir, com eficiência, no plano da existência terrestre, a Luz do Criador. É o que consegue realizar, com empenho, o Desejo de Compartilhar. Mas para compartilhar é preciso ter. Ninguém pode compartilhar o que não tem. Então é preciso exercer também, com denodo, o Desejo de Receber. E nesse sentido o homem bom constrói para si e para a sociedade. Ele busca a abundância, não só para si, mas para compartilhá-la com os outros. E acima de tudo, procura aperfeiçoar o seu espírito na sabedoria do Criador, na recepção da sua Luz. A santidade, nesse caso, consiste em ser iluminado, ou seja, refletindo a Luz Infinita, realizar, no mundo, a plano divino, o trabalho para o qual o Criador o designou.

O ser iluminado recebe suprimentos robustos de Luz. Por isso, tudo que ele faz é bem sucedido. Essa proposição contrasta, naturalmente, com a ideia de que o sofrimento é necessário para que alguém possa receber a Graça de Deus. Há quem pregue a ideia de que o Reino de Deus pertence aos pobres, aos humildes, aos que nenhum sucesso consegue obter na terra, aos sofredores do mundo. Esse conceito foi desenvolvido a partir de uma equivocada interpretação dos ensinamentos de Jesus, e também de Sidarta Gautama, o Buda, que aconselhavam aos seus seguidores a prática pelo desapego aos bens materiais. Esse desapego é necessário sim, para que a nossa alma possa se livrar das kelipots (cascas que lhe são aderidas pelos desejos da vida material), mas não significam, necessariamente que devamos passar a nossa vida como mendicantes, submetidos a todas as agruras da vida para poder conquistar o Reino dos Céus. Como já dissemos em outra parte deste trabalho, o fundo da agulha só se torna estreito para os avaros e os egoístas, mas não para o rico. Especialmente quando ele exerce, com plenitude e espontaneidade de espírito, o Desejo de Compartilhar a Luz Infinita que o :Criado reflete em sua alma.

O culto à pobreza e ao sofrimento como forma de obter a Graça de Deus não fazem parte da proposta da Cabalá. Nelas não se conclama o indivíduo a doar primeiro para receber depois. A proposta é que primeiro o indivíduo realize o seu Desejo de Receber, e por ter recebido tudo a que tem direito, ele possa compartilhar esse dom com o restante do universo. Nisso consiste a dualidade do sistema cabalístico: Um Desejo de Receber, alimentado pelo Desejo de Compartilhar.

Assim o homem cumpre o famoso mandamento de Jesus: Dai de graça o que de graça recebestes. E não estamos falando aqui de esmolas. Como diz o Zaratustra de Nietzsche, só os pobres dão esmolas. E ao dar esmolas fazem com que quem as recebe continue pobre e quem as deu também acabe empobrecendo.

Não nos referimos aqui aos bens materiais, dinheiro, fama, reconhecimento, ou qualquer outro objeto de desejo dos nossos sentidos. Como disse Jesus, quem os tem já recebeu a sua recompensa. Se souber usá-los, exercitando com alegria, empenho e entusiasmo o seu Desejo de Compartilhar, terá recompensas ainda maiores. Deles Jesus também disse: a que mais tem mais será dado.

Falamos sim, de plenitude espiritual, de felicidade, paz, um estado de espírito que só se atinge quando estamos plenos da Luz do Criador. Não importa se acumulamos bens materiais ou não. Aqui, riqueza não é sinônimo de perdição. Aliás, seria ótimo que a abundância ocorresse para mais pessoas, pois assim teríamos mais a compartilhar. Porém, se todos tivessem tudo que precisam, não haveria campo para a execução do Desejo de Compartilhar. Ninguém necessitaria e de novo a Luz do Criador seria obstruída por falta de recipientes para recebê-la e de difusores para irradiá-la. 

Talvez a opulência de uns poucos e a carência de muitos se justifique nesse pressuposto. A Luz Infinita do Criador precisa de emissores e receptores. E que cada um realize essa dupla função, necessária para a construção da Obra. Por isso vivemos muitas vidas. Em umas somos mais receptores, em outras mais transmissores.

Realiza-se, dessa forma a famosa parábola dos talentos, em que Jesus nos ensina que quem recebe mais, deve devolver mais, quem recebe menos devolve menos, mas a ninguém é lícito receber e não devolver nada. Cada um deve devolver na medida em que recebe. Por isso pensamos também que, se Jesus não era adepto da Cabalá, ele conhecia muito bem os seus pressupostos, pois a sua doutrina tem muitos paralelos com ela.

A metáfora abaixo pode nos ajudar a entender melhor esse conceito.

 

A quem mais tem mais será dado
 

Certa vez um multimilionário, conhecido como Sr. M. publicou num jornal de grande circulação diária um estranho anúncio: Precisa-se de uma pessoa que saiba gastar dinheiro. Enviar currículos para o Sr. M...., na rua X, nº ......, historiando as experiências que já teve nesse trabalho.

Como é óbvio, centenas de candidatos, de todas as idades e procedências se apresentaram. Estelionatários, estróinas, pródigos, bon vivants, playboys de todos os tipos e muitas, muitas mulheres, pois é de domínio público que ninguém, melhor do que elas, sabem gastar dinheiro.

Todavia, depois de uma rígida seleção, foi escolhido um pródigo jovem que já havia solapado duas grandes fortunas: a que o pai lhe deixara, e depois uma herança de um tio rico, que também lhe caíra nas mãos.

”Eu já fui um homem muito pobre e era muito feliz. Hoje eu sou um homem muito rico, mas me sinto muito infeliz” disse o milionário. “Cheguei à conclusão que o dinheiro não me traz felicidade, por isso quero livrar-me dele. Seu trabalho será gastar toda a fortuna que eu vou lhe mostrar. Não importa como você vai fazer isso, mas tem que desaparecer com esse dinheiro até o último tostão. Não receberá nenhum centavo enquanto tudo isso não for gasto e eu ficar pobre novamente. Já reservei uma parte da minha fortuna e ela será sua depois de feito o serviço. Mas você tem que torrar esse monte de dinheiro aí. Não vale rasgar, nem doar, queimar ou jogar nenhuma nota fora.” 

E mostrou ao rapaz um quarto repleto de dinheiro, cheio até o teto com notas de cem reais, empacotadas em maços de dez mil cada um. Havia milhões e milhões de reais ali.

“Que trabalho mais estranho,” pensou o rapaz. Mas torrar grana era com ele mesmo.

Por isso aceitou a incumbência com o maior prazer. A primeira coisa que fez foi comprar um caminhão baú e colocar nele todo o dinheiro. Depois saiu gastando a rodo. Comprou um avião e um iate e saiu pelo mundo afora, visitando os melhores balneários, se hospedando nos melhores hotéis, namorando as mulheres mais bonitas. Comprou joias para elas, e vários carros de luxo, que usava apenas um dia e no dia seguinte doava para amigos e parentes. Almoçou e jantou nos restaurantes mais finos, levando uma multidão de parentes e amigos para comer de graça. Comprou casas, apartamentos e terras, que doou para os sem teto e para os sem-terra. Promoveu suntuosos banquetes, para os quais convidou todos os mendigos da cidade. Presenteou, com presentes caros, milhares de conhecidos e desconhecidos. 

Tanto fez que conseguiu gastar toda aquela montanha de dinheiro. Por fim, depois de gastar o último real na compra de um sorvete, compareceu ao escritório do milionário para receber o pagamento pelo trabalho. Mas o que encontrou foi um sujeito sentado sobre uma montanha de dinheiro três vezes maior do que aquela que ele gastara. E o homem estava possesso. 

“Não adiantou você gastar todo aquele dinheiro. Eu estou agora três vezes mais rico do

que antes. Por isso não vou lhe pagar nenhum centavo.”

“Mas como isso aconteceu?”, perguntou o jovem gastador. “Eu torrei sem dó todo

aquele dinheiro.” 

O contador do milionário explicou: “Um milionário excêntrico andou pelo país gastan-

do uma imensa fortuna. Comprou joias nas joalherias do Sr. M, vários carros de luxo nas lojas do Sr. M, adquiriu diversos imóveis construídos pela construtora do Sr. M, almoçou e jantou, pagando a conta para centenas de pessoas, nos restaurantes do Sr. M; comprou até um iate no estaleiro do Sr. M e um avião feito em sua fábrica. De modo que não adiantou nada você ter gasto toda aquela fortuna. Agora temos outra três vezes maior. Você vai ter que ralar mais duro ainda para gastar tudo de novo se quiser receber o seu salário.” 

E assim foi. O pródigo rapaz recomeçou umas e outras vezes o serviço de gastar dinhei-

ro, até que ele mesmo começou a achar aquilo muito enfadonho. Pois a cada montanha de dinheiro que gastava, outra muitas vezes maior aparecia para ele gastar. 

Para terminar, vamos dizer que o Sr. M. acumulou uma fortuna incalculável, e o jovem estroina morreu de enfado, sem nunca receber o seu pagamento.

 

A dor e o prazer

 

Pobreza é sinônimo de dor. A carência é inimiga da Luz. Para pensar é preciso comer, disse Teilhard de Chardin, um dos maiores filósofos do século vinte. E é verdade.

A carência atrai para as nossas almas as cascas que a tornam impura. Essas cascas, na Cabalá são chamadas Kelipots, ou seja, aderências espirituais que a contaminam e a tornam pesada. Nós conhecemos essas “cascas” pelos nomes de inveja, despeito, ira, maledicência, preguiça, mentira, descrença, luxúria, ambição egoísta e mesquinha, autopiedade e falta de autoestima, e todos os pensamentos e sentimentos que nos assaltam quando a dor da falta do necessário para que o nosso organismo, ou o nosso Ego, sinta prazer, se instala em nós.

A massa que constitui o organismo humano também é feita da Luz do Criador. Por isso

ela não está preparada para sentir dor, para sofrer. Ela é feita sim, para realizar a felicidade. Por que a felicidade também é um atributo de Deus e ele está presente na sua Luz Infinita. Ela é um dos arquétipos, ou formas ideais, que saem da mente dos deuses, no dizer de Platão, para inspirar os homens em suas vidas na terra. E tudo que fazemos na vida é para conquistar

esse estado de plenitude sensitiva e espiritual.

Por isso tudo que fazemos visa esse resultado: viver sem dor e sentir prazer em viver.

Para isso trabalhamos, estudamos, lutamos. O Desejo de Receber também hospeda coisas ruins. A guerra, a disputa por poder, a arrogância e a violência, tudo isso também faz parte desse Desejo. E também ocorre de procuramos os prazeres fáceis das drogas, do sexo, do álcool, do jogo. E quando essas fontes começam a provocar dores maiores do que o prazer que trazem, procuramos nos livrar deles, às vezes com maior sofrimento ainda.

Não há felicidade na pobreza, na dor e na promiscuidade que geralmente acompanha a indigência. Tudo isso é apenas ausência de Luz. É escuridão. A Luz Infinita contém bondade, paz, amor, felicidade, prosperidade. O seu oposto é a escuridão, sinônimo de sofrimento, carência, estresse, angústia e de dor.

Mas para que a Luz possa brilhar ser realizada é necessária a presença das trevas. Por isso o sofrimento e a pobreza existem. É o mecanismo do positivo/negativo, o yin e yang em ação e não há como fugir dessa dicotomia. Como disse Jesus, “aos pobres sempre os tereis convosco, mas a mim nem sempre o tereis”. [1] Isso quer dizer: sempre haverá necessidade da carência para que incentivar a disposição em superá-la.

Assim, não é a riqueza material que impede a nossa alma de alçar-se ao território onde reina a Luz Infinita do Criador. É o seu apego a ela. Quando deixamos que a nossa alma se apegue à massa que a envolve ela se torna tão pesada que não consegue alçar o voo necessário para voltar ao centro irradiador de onde veio. E quanto maior é esse apego, mais aderente e mais pesada se tornam essas “cascas” (kelipots). Por isso a maioria das religiões dizem que no céu só se entra em forma de Luz. Por que a luz não tem peso nem massa. E para entrar no céu não se admite que a alma leve qualquer carga.

Essa é razão de a Cabalá ensinar o desapego. Podemos muito bem ser ricos em bens materiais. A riqueza e o prazer não são inimigos da virtude. Não prejudicam a salvação da nossa alma. Só não podemos viver por eles. Não é o rico que terá dificuldade para entrar no céu, mas sim o avarento. Nem o pródigo, mas sim, o mesquinho. Ou o ambicioso, e sim o ganancioso. Ou seja: aquele que recebe e não compartilha. O que tem muito Desejo de Receber mas mitiga o de Compartilhar, retendo só para si a Luz do Criador.

Não é para o rico que o buraco da agulha é estreito, mas sim para o egoísta.

 


[1] Mateus 26:11, João 12:8.

João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 23/08/2023
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