A dança da Luz

 

A Luz do Criador dança no infinito e nossas almas precisam acompanhá-la em sintonia para que ela reflita em nós todas as suas possiblidades de Criação. Quando essa harmonia for alcançada pela humanidade em conjunto, a Obra de Deus terá atingido a sua finalidade e os seres humanos, como seus pedreiros, alcançarão aquela plenitude que toda tradição religiosa chama de Paraíso, ou Éden, onde serão novamente revestidos daquela “roupa” espiritual que ostentavam quando seus ancestrais foram criados.

Por isso é que Pitágoras (c. 570 a.C - 493 a.C), desenvolveu uma teoria relacionando a música ao funcionamento do universo. Para ele havia no infinito cósmico uma melodia que precisava ser ouvida se nós quiséssemos entender como o universo funciona, A cosmologia grega da sua época imaginava um mundo ordenado a partir de uma série de esferas, cada uma governada por uma deidade. A terra ficava no centro dessas esferas concêntricas e para ela convergiam todas as vibrações sonoras emitidas pelos deuses na sua atividade de pensar.

Pitágoras acreditava que havia uma relação numérica entre as esferas e essa relação era a responsável pelo equilíbrio entre elas, promovendo a harmonia. Mesmo que esses sons não pudessem ser percebidos pelos nossos ouvidos, eles podiam ser sentidos pela nossa alma, porque revelavam a harmonia fundamental do universo.

Platão (423 a.C. - 348 a.C) e Aristóteles (348 a.C - 322 a.C) também acreditavam na existência de uma harmonia sonora na dança da Luz que dá vida ao universo. Só que eles, ao invés se preocuparem com a origem e a compostura dela, tentaram entender mais os efeitos que ela tinha sobre a sociedade. Tanto que Platão, no terceiro livro da República, tentou especificar o tipo de música ideal para um homem virtuoso. Isso mostra o quanto esse grande filósofo acreditava na influência da música sobre a vida humana, porque achava que ela seria capaz de modelar uma alma para o bem ou para o mal, conforme a sua utilização.

Por outro lado, os adeptos da doutrina cabalística sabem que a Cabalá tem uma relação muito estreita com a música.  Por isso é que todos os versos do Zhoar foram compostos para serem lidos com entonação musical, da mesma forma que os Salmos, que é o exemplo mais claro da importância que a música tem na busca da harmonia entre o corpo e o espírito. Daí podemos entender o porquê de todas as tradições religiosas terem na música um momento de fundamental importância em suas liturgias. Essa é razão de a Maçonaria atribuir uma grande importância à música, tanto que mantém, entre os oficiais da Loja, um mestre de harmonia para cuidar da parte musical, por que esta é um elemento fundamental na sua liturgia.

Corroborando essa tradição temos também nos graus filosóficos um capítulo que trata especificamente desse tema, como um dos mais importantes ensinamentos do currículo maçônico. É o trigésimo grau do Rito Escocês Antigo e Aceito. Esse é um grau que se refere às chamadas Artes Liberais, como era conhecido, na Idade Média, o currículo de disciplinas que um estudante deveria aprender para entrar em uma universidade. Servia como preparo obrigatório para todos aqueles que quisessem tornar-se doutor, mestre, filósofo, ou seguir carreira em qualquer outra profissão de nível superior.

      Essas atividades eram divididas em dois corpos distintos, chamados trivium, que compreendia a retórica, a gramática e a lógica, e o quadrivium, que reunia a aritmética, a música, a geometria e astronomia. A utilização dessas disciplinas para preparo dos estudantes de nível superior já vinha desde os tempos de Aristóteles, que as utilizava em sua famosa Academia. Durante o Império Romano elas também tiveram larga aplicação no ensino dos romanos bem educados, como informa Sêneca em sua obra de Tranquilitate Animi. [1]

Assim, podemos dizer que a música é um elo que une a nossa mente com as esferas superiores, e nos coloca em harmonia com o universo.

E nós completamos essa ideia com o nosso soneto abaixo transcrito:

 

A música de Deus

 

Se você puder abrir seu coração,

E verificar se a noite está calma;

Receber a luz, aceitar a emoção,

Deixar o cosmo falar à sua alma;

Talvez, trazida pela voz do vento,

Possa ouvir a música da Criação,

Onde Deus toca um instrumento

Do qual a natureza é o diapasão.

Através dela Ele ajusta a sintonia

Do mundo nascido em confusão,

E põe nele um tom de harmonia.

Porque no fim, é o nosso destino,

Nos reunirmos, um dia, no salão,

Onde o Criador toca o seu violino.

 


[1] Na imagem, uma alegoria da música das esferas, gravura de Agostino Carracci a partir de um original de Andrea Boscoliu. Fonte: Wikipédia Foundation- Sobre as Sete Artes Liberais no currículo maçônico veja-se a nossa obra Mestres do Universo- Biblioteca 24x7- 2015