A HISTÓRIA DE JÓ
Uma assembleia no céu
Um dia, numa reunião no céu, Deus chamou todos os seus anjos para uma conferência. Todos compareceram. Miguel, Rafael, Salatiel, e também Satanás, um anjo rebelde e contestador por natureza, que não raras vezes, entrava em conflito com o Criador. Deus, que já tinha uma certa querela com ele, antevendo que ele pretendia tumultuar a reunião, perguntou o que ele estava fazendo ali. Então o tinhoso respondeu que tinha andado pela terra observando os homens. Viu quanta maldade havia nos corações humanos e quanta desgraça acontecia no mundo. Questionou Deus sobre seus propósitos e sua pretensa bondade e sabedoria, que não refletia na terra nem no comportamento humano.
"Se os homens foram feitos à sua imagem e semelhança, meu Criador, então me desculpe, mas o Senhor deve ter errado na fórmula, porque os homens não valem o que comem", disse Satanás. "Não houve um só momento até agora, na história da raça humana, que eles não brigassem entre si, que um quisesse tomar o que é do outro, que o mais forte não escravizasse o mais fraco etc," completou ele.
"Nem tudo é como parece", respondeu Deus. Você só olhou o lado errado das coisas. Tem muitas coisas boas no coração do homem e na terra não acontecem só desgraças".
"Eu não vi nada que prove isso", respondeu Satanás.
Deus então lhe perguntou se ele não tinha visto um indivíduo chamado Jó, homem íntegro e fiel, cheio de fé, virtude e que e nunca praticava o mal.
Satanás, sarcástico como sempre, respondeu que conhecia o tal de Jó e que ele só era virtuoso porque Deus tinha abençoado sua vida com uma boa saúde, muitos bens e uma prolífica e bonita família. Com tantas bençãos assim, quem não seria?
Deus logo entendeu que Satanás o acusava de comprar a fidelidade e a fé das pessoas com presentes e agrados, como fazem os homens com os animais e geralmente, com seus próprios filhos. E principalmente os políticos com seus eleitores.
“Manda para o Jó um pouco de sofrimento, que eu quero ver se ele continuará virtuoso, bonzinho e fiel ao Senhor”, desafiou Satanás, com isso querendo dizer que todo homem era corrupto passivo e Deus um corruptor ativo.
Satanás atormenta Jó
Foi então que o Senhor permitiu que Satanás voltasse a terra para atormentar Jó com muitas dores e sofrimentos, para ver se essas acusações que o sinistro anjo das trevas lhe imputava eram verdadeiras ou não.
E assim começou os sofrimentos de Jó. Primeiro o tinhoso tirou todos os seus bens. Matou seus bois, jumentos e camelos, todos os animais que faziam a riqueza pecuária do pobre homem. Depois fez secar as suas roças e o deixou sem um mísero grão, raíz ou verdura para comer. A mesma coisa fez com seus servos. Matou-os todos com doenças e pestilências. Depois deu um jeito de liquidar com os próprios filhos do infeliz.
Jó resiste às desgraças
Com essa desgraçeira toda, Jó não amaldiçoou o Senhor. Apenas se lamentou, rasgando as vestes e aspergindo cinzas sobre a cabeça, como era feitio naqueles tempos antigos.
Vendo que a pobreza e a desgraça não corrompiam Jó, Satanás se propôs a feri-lo na sua própria carne. Cobriu seu corpo de feridas pustulentas, desde a cabeça até a planta dos pés, de tal modo que Jó tinha que raspar suas chagas com um caco de telha. O coitado virou uma pústula só.
Ainda assim, ele não maldisse a vida, nem se corrompeu na sua alma. Continuou virtuoso e fiel, louvando a Deus e agradecendo a ele pela vida que lhe foi dada. Ao contrário do que Satanás previra, o sofrimento lhe serviu para desenvolver uma sólida filosofia de vida, baseada na confiança na Divina Providência, e na certeza de que a vida humana, seja o que for que lhe aconteça, tem um sentido. E que se o homem existe, é porque ele exerce um papel importante no processo de construção do universo.
Jó aprendeu que não há bem nem mal sobre a terra como prêmio divino pelas nossas ações. A bondade e a maldade são conceitos puramente humanos e não devem ser atribuídos à nenhuma divindade. O homem tende a ser bom quando tudo lhe é favorável e mau quando a desgraça o atinge. A verdadeira grandeza está em se manter na virtude, mesmo quando a sorte nos é madrasta. EScolher entre o bem e o mal é uma decisão puramente humana e não tem nada a ver com desígnios de Deus. Por isso a sabedoria consiste em ampliar o número de escolhas que um homem pode fazer, por que quem tem muitas escolhas para fazer tem mais probabilides de acertar do quem tem apenas umas poucas. E que não existe verdade nem mentira, nem bem nem mal no mundo: o que existem são bons ou maus resultados das escolhas que fazemos.
Escolher o bem e resistir ao mal é mostrar fortaleza de espírito e capacidade de resistir às intempéries. Os fortes sobrevivem e transmitem fortaleza aos seus descendentes. A vida é um processo que resulta em uma seleção natural. O que chamamos de mal é um contraponto, um reflexo no espelho da vida que só existe para que a humanidade possa fazer comparção e se depurar pela prática do bem.
Jó viu que a própria natureza nos mostra a veracidade desses pressupostos. São os organismos que vivem em condições mais desfavoráveis que sobrevivem e adquirem mais capacidade de evoluir. A dificuldade desenvolve a habilidade, a facilidade a atrofia. Quem nunca se perde não precisa procurar caminhos.
Jó aprendeu que não existem prêmios nem castigos para o bem ou o mal que fazemos na vida. Tudo são resultados bons ou maus que acontecem em razão da habilidade, da capacidade e da lisura com que atuamos. Às vezes, coisas ruins acontecem a pessoas que parecem boas, e pessoas reputadamente ruins são contempladas com coisas que parecem boas. É preciso não ver injustiça nisso, mas apenas resultados obtidos em razão da conjuntura em que a ação foi realizada. Justiça e injustiça são conceitos puramente humanos, que são valorados unicamente por critérios que o homem desenvolve. Deus não tem nada a ver com isso. Os homens sim.
Jó descobriu também que Deus instrui o homem por meio de tribulações. Tribulações são as dificuldades que a tarefa de viver nos impõe. Quanto maior a dificuldade, maior o aprendizado que resulta da sua superação. Aos ímpios, pouco se lhes aproveita os bens que conquistaram com sua iniquidade, pois eles não lhes trazem nenhum aprendizado. Quando eles perdem alguma coisa não sabem como recuperár e entram na mais negra depressão. Sofrem as penas do inferno em consequência do fracasso que tiveram, pois não aprenderam nada com a vitória.
O sofrimento é maior quando perdemos aquilo que pensamos que temos, do que quando sabemos que nada temos porque nada na vida é de nossa propriedade, e que nós temos simplesmente a posse desses bens, e por um determinado lapso de tempo. E a dor é maior ainda quando parece que tivemos tudo, perdemos e não sabemos como recuperar.
Nada pertence ao homem, pois Deus é o verdadeiro dono de tudo, e o que pensamos que temos, só o temos por empréstimo. Seja por que razão for, quando as coisas que pensamos ter nos são tiradas, só a paciência e a confiança em Deus nos darão efetivo consolo. Se tivermos apego às coisas nunca seremos, de fato, felizes, porque ficaremos lamentando eternamente a perda ao invés de irmos à luta para recuperar o que foi perdido.
Só Deus sabe porque as coisas são como são e por que elas acontecem como acontecem. Tudo há uma razão para que elas aconteçam daquela forma e naquele devido momento.
O aprendizado de Jó
Jó chorou, reclamou, lamentou-se, mas confiou, acima de tudo, que a sua desgraça não vinha de Deus, mas da sua própria condição de ser humano. E se vem da própria condição humana, se tudo é natural, tudo que vem vai, tudo que vai volta. Só e preciso estar atento para não perder as oportunidades.
Satanás viu que a história de Jó era um belo poema de exortação à sabedoria de Deus e à confiança irrestrita que devemos ter no seu julgamento. Se tivermos mérito, nunca ficaremos em débito para com a vida. Ela nos dará tudo que merecemos. Ainda que o mundo pareça estar de cabeça para baixo, com os maus se dando bem e os bons se dando mal, como parece estar acontecendo atualmente, essa é só uma ilusão dos nossos sentidos. O mal só prospera quando o bem não se lhe opõe. Quer dizer: a omissão dos bons é que dá chance para o que os maus apareçam.
Com isso Satanás desistiu de atormentar Jó e abandonou a reunião. Mas sendo ele quem era e sabendo agora que ele próprio era peça importante no processo de construção do universo (pois sendo o mensageiro do mal, era ele que garantia a existência do bem), o danado voltou para a terra para continuar o seu trabalho. E é o que ele continua fazendo até hoje.
Quanto à Jó, com a prova de fidelidade que ele lhe deu, Deus restituiu em dobro tudo o que Satanás havia tirado dele. O tinhoso ficou com aquela cara de bode velho com que a Igreja medieval se acostumou a pintá-lo. É assim mesmo. O devoto, o fiel, aquele que confia em Deus e tem em si mesmo a autoconfiança da própria força, desenvolvida na forma de uma sólida filosofia de vida, sempre terá a sua recompensa.
O homem não é naturalmente corrupto nem Deus o corrompe com recompensas materiais ou promessas de um futuro Porvir num lugar de delícias. Isso é invenção de vendilhões de púlpito e vigaristas templários, que usam a palavra de Deus para enganar os incautos e tirar deles contribuições para o luxo de suas vidas nababescas.
Ao contrário, Deus nos convida a aprender cada dia mais, para com esse aprendizado ficarmos cada vez mais fortes. E com isso aperfeiçoar, diuturnamente, a sua Criação. Foi para isso que Ele nos fez.
Satanás perdeu a aposta e se instalou na terra, onde continua seu trabalho de desencaminhar a humanidade. Mas agora nós sabemos que ele faz isso porque é necessário. Só no confronto com as trevas poderemos saber o que é a luz. A história de Jó nos ensinou essa sabedoria. Não haveria o bem se não houvesse o mal. E Satanás só tem tem sucesso, quando as pessoas se esquecem dessas coisas.
Tudo virou um jogo. E não raramente parece que Sastanás está ganhando. Mas ele sempre perde quando o jogo não é viciado. E uma vida, vivida com honestidade e uma sólida fé em Deus, é a única forma segura de derrotá-lo.