PÁSCOA E SEU SIGNIFICADO A PARTIR DO EVENTO CRISTO

Introdução

Estamos na semana da Páscoa, evento singular para o cristianismo, onde rememoramos a morte e a ressurreição do Senhor Jesus. Para entendermos o significado, precisamos entender o imaginário judaico do primeiro século em relação ao templo, ao sábado, e à festa da Páscoa. Uma festa que comemorava a libertação de Israel das mãos do faraó. Com isso entenderemos como os evangelhos resinificam esses elementos simbólicos, culturais e religiosos a partir do evento Cristo. A ideia é entender a ressurreição de Jesus na Páscoa de forma mais profunda. O Reino foi inaugurado, A vida do céu nasceu nesta terra.

O Templo é o encontro do Céu e a Terra / O espaço sagrado

Particularmente, o Templo era o lugar onde o próprio Deus prometera vir e viver, onde a glória divina, sua presença “tabernaculadora”, seu shekinah, havia repousado. Tal testemunho é dado pela Bíblia [1] . Entretanto, ninguém supunha que Deus viveu a maior parte do tempo no céu longínquo e, então, como que em um feriado prolongado ou visita real, tenha decidido, por um tempo, morar no Templo de Jerusalém. De alguma forma, de uma maneira que a maioria dos modernos acha extraordinário e quase inacreditável, o Templo não era apenas o centro do mundo. Em vez disso, era o lugar onde Céu e a Terra se encontravam. Desse modo, não se trata apenas de uma forma de dizer: “Judeus eram muito apegados à sua terra e à cidade capital”. Era a expressão vital de uma visão de mundo em que “céus” e “terra” não estão separados, como a maioria supõe, porém interligados e entrelaçados”. Se observa aqui o imaginário simbólico judaico: concreto, material, físico, real, perceptível, sensorial, sensível...

Mensagem de Jesus

“Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.” Mt 6.10.

Agora céu e terra haviam se unificado, mas não mais no Templo de Jerusalém. O lugar de união se fazia visível onde aconteciam curas, celebrações, perdão de pecados. Em outras palavras, o lugar de união, o círculo que se interligava, ocorria onde Jesus estava e naquilo que ele fazia. Jesus, por assim dizer, era um Templo ambulante — a habitação do Deus de Israel, com vida e fôlego.

O sábado: o tempo sagrado

Hoje, quando ao se falar do sábado, remetemos ao Antigo Testamento, aos fariseus e sempre olhamos para ele como algo que representa legalismo, lei, passado, maldição e morte—como no caso do jovem que foi morto por carregar alguns gravetos no dia de sábado (c.f Nm 25.32-36). Este tipo de leitura tem alguns pontos questionáveis — mas é “possível” —porém, acreditamos que seja reducionista, pois oculta aquilo que o mandamento representava:

O sábado passava a ser o sinal da justiça de deus e do cuidado pelos pobres, e até pelos escravos e animais. Portanto, em êxodo 23:11, o sábado é a oportunidade de descanso para o pobre, e até para os escravos e os animais. Esse princípio floresce de modo importante e aponta para um tema que parece bem diferente a princípio, mas, na verdade, tem uma relação bem íntima com o sábado: o jubileu.” [2]

Jesus é o cumprimento do sábado

O bem da verdade, nos evangelhos mostra Jesus sempre não dando tanta relevância ao sábado, porém, como vimos, a leitura que fizemos—na recepção do texto, em especial a leitura paulina pôs Reforma—disso era porque Ele não era legalismo, mas a verdade é:

“As setenta vezes sete anos de Daniel 9:24. O grande sábado estava chegando! Em breve, Israel estaria livre! Agora, e somente agora, podemos ver o que Jesus pretendia ao dizer que o tempo estava cumprido. Esse era parte do seu anúncio, desde o início de sua carreira pública (Marcos 1:15) [..]Jesus parecia ignorar intencionalmente regulamentações normais do sábado. [..] o sábado era o sinalizador comum, apontando em direção ao futuro prometido de Deus, e Jesus anunciava que o futuro para o qual o sinalizador estava apontando chegara, agora, no presente, em sua própria carreira. Jesus estava fazendo coisas do tipo “Deus-está-no comando”, explicando o que ele fazia ao falar do que Deus fazia.” [3]

Se o Templo era o espaço onde as esferas humana e divina se interligavam, o sábado representava o tempo em que os tempos de Deus e do ser humano coincidiam. O sábado era para o tempo o que o Templo era para o espaço.

Singularidade da Ressurreição

Quando Jesus ressuscitou—algo inusitado e nunca imaginado[4] —dos mortos na manhã da Páscoa[5] , ressurgiu como o princípio do novo mundo que o Deus de Israel sempre planejara formar. O reino de Deus foi inaugurado com poder e glória, na terra como [é] no céu. Foi isso que Jesus disse que aconteceria durante a vida de seus ouvintes. Um novo poder foi lançado no mundo, o poder de refazer o que foi quebrado, curar o que estava enfermo, restaurar o que estava perdido. O reino que Jesus inaugurou de maneira estranha, misteriosa e parcial durante sua carreira pública por meio de curas, celebrações e ensinamentos seria, agora, revelado em uma dimensão totalmente nova.

Significado da Páscoa no NT

“Este é o verdadeiro início do reino de Jesus. Sua pessoa ressurreta. A marca da nova criação é que ela simplesmente flui com o poder do amor. Leia as histórias, especialmente as mais longas, em Lucas 24 e João 20—21. Jesus se encontra com os discípulos, que estão tristes, envergonhados e ansiosos. Ele os chama pelo nome e lhes diz para não temerem. Então, explica o que está acontecendo, lidando com eles individualmente. O encontro com os dois no caminho de Emaús (Lucas 24) é uma das histórias mais delicadas e poderosas já escritas. O breve diálogo entre Jesus e Pedro, em João 21, é um dos encontros humanos mais comoventes já registrados. Há um amor, um sentimento profundo e comovente, que emana de Jesus. Mas esse amor é forte, poderoso, transformador, direcionador. A nova criação começou!” [6]

A VIDA DO CÉU NASCEU NESTA TERRA

A ressurreição de Jesus não significa: “Está tudo bem; vamos para o céu agora”. Não! A vida do céu nasceu nesta terra. Não significa: “existe, afinal, vida após a morte”. Existe sim, mas a Páscoa diz respeito a muito, muito mais do que isso. Fala de uma vida que não é nem fantasmagórica nem irreal, mas sólida, definida e prática. As histórias da Páscoa aparecem no fim dos quatro evangelhos, mas não correspondem a um “fim”. Trata-se de um início, o início do novo mundo de Deus. O início do reino. Agora, Deus está no comando, na terra como [é] no céu. E “Deus no comando” é algo focado no próprio Jesus como rei e Senhor. O título da cruz era verdadeiro, afinal. A ressurreição o prova.

A pergunta que todos fazemos

Se o reino chegou em Jesus porque o mal, catástrofes, assassinatos... existem ainda? Essa pergunta normalmente fica latejando em nosso subconsciente, ainda mais com essa nova abordagem que estamos fazendo, entretanto, ela não é um problema. Na história da ressurreição de Jesus e sua ida para o “céu” são apenas o início de algo novo, algo que será concluído um dia, mas que nenhum dos primeiros cristãos supunha já ter sido cumprida. Em outras palavras: O já ainda não! [7] Era e é uma loucura propagar uma mensagem dessa! Looooucura! Um messias que morre e ressuscita e ainda se tornou rei? An!?

Jesus como o verdadeiro tipo de rei

Todas as características e qualidades de Jesus devem ser o modelo que norteará a igreja no seu papel de anunciar que já foi inaugurado há dois mil anos e que breve chegará ao seu desfecho final. Enquanto a igreja anuncia o reino vemos o paradoxo das atitudes e do conteúdo da mensagem nos evangelhos:

“Dirigindo-se a Tiago e João, a dupla ambiciosa, Jesus assim delineou a questão: “Governantes pagãos… exercem poder… Mas não será assim entre vocês” (Mateus 20:25-26). Além disso, conforme ele disse a Pilatos, reinos característicos “deste mundo” estabelecem sua vontade pelo uso da violência, enquanto seu tipo de reino não faz isso (João 18:36)” [8]

A morte de Jesus e o sofrimento de seguidores são meios pelos quais sua paz, liberdade e justiça nascem na terra como [é] no céu. O reino de Jesus deve vir, então, pelos meios que correspondem à mensagem. Não faz sentido anunciar amor e paz se você emprega meios irascíveis e violentos para alcançá-los! O papel da igreja é refletir quem Deus é. Essa imagem de Deus que a igreja reflete é: a imagem do Jesus crucificado. Lembrando que a “igreja” não é o Reino. Ela é uma anunciadora do Reino de Deus!

Notas de rodapé:

[1] c.f Ex 25.8+; 1Rs 8.13; 2 Cr 7.3)

[2] Wright, NT. As escrituras e a autoridade de Deus: comoler a bíblia hoje. Rio de Janeiro, RJ: Thomas Nelsonbrasil, 2021. p 181

[3] Wright, NT. Simplesmente jesus. Rio de Janeiro, RJ: Thomas Nelson Brasil, 2020. p.177

[4] Ninguém no primeiro século entendia que a “ressurreição” aconteceria a uma pessoa nomeio da história; criam, em vez disso, que aconteceria a todas as pessoas no fim dos tempos. Essa é maior singularidade da história de Jesus, algo nuncaimaginado diferentemente de ideias teológicas como: Segundo adão, messias guerreiro, grande profeta...

[5] A pascoa é festa que comemora o libertação do povo israelita da escravidão no Egito. Êxodo 12.21-28 mostra como Deus instrui-o como deveria se assar o cordeiro, passar o sague nos umbrais das portas... tudo isso para livrar o seu povo  [6]Ibidem p. 242

[7]“Refletindo acerca do tema da escatologia cunhou a expressão: já e ainda não, significando que a partir da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, nós vivemos numa tensão entre o já realizado e o ainda não plenificado, ou seja, já estamos salvos, porém, ainda não abarcamos toda plenitude”

[8]Ibidem p. 247

Bibliografia:

Wright, NT. Simplesmente jesus. Rio de Janeiro, RJ: Thomas Nelson Brasil, 2020. 304 p.

Wright, NT. As escrituras e a autoridade de Deus: como ler a bíblia hoje. Rio de Janeiro, RJ: Thomas Nelson brasil, 2021. 256 p.

ARBIOL, Carlos Gil. Paulo na origem do cristianismo. Madrid: Paulinas, 2018. 214 p.

Arthur Carletto
Enviado por Arthur Carletto em 08/04/2023
Código do texto: T7759066
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