O PERMUFE DUM POEMA

“Todos: filósofos, pintores, músicos, escultores, arquitectos y astrólogos, buscan en el fondo lo mismo, su propia verdad, la del universo, que sólo es expresable con flores y cantos. Por eso en todos los órdenes de la cultura náhuatl hallamos siempre presente el arte: la divinización de las cosas, como el factor decisivo” (Texto “Flor y canto” de Fernando Martín Juez)

Tal como pensavam os povos nahualt, por meio da poesia (a flor e canto), se estabelece o diálogo entre os homens e os deuses. Daí todos os textos sagrados navegarem no ritmo da prosa poética. E Essa voz, o canto poético, está presente em toda verdadeira arte: aquela que tem o poder de divinizar as coisas.

É pois através da palavra poética, da flor e do canto, da ração em comunhão com o coração, que podemos aspirar a vislumbrar tenuemente, calorosa e ternamente, aspetos derivados daquela verdade transcendente, imaterial. E, por meio do poema transcender, por um momento, o mundo dos sonhos: das sombras que são forma na matéria.

Por meio do poema navegamos do mundo ilimitado onírico, ao mundo limitado que lhe dá sustento. O caminho da inspiração poética (senda do coração) é a base metafórica, que aspira a transcender a visão material – utilitarista da vida. Aspira a transmutar do apego ao efémero à realização do humano ser dentro da matéria, pela procura do que permanece, prevalece e intuímos possa ser raiz: elevado princípio do qual o material promana. O árquetipo ao qual a beleza natural adere.

Seria então essa força espiritual o impulso vital – o “primium mobile” de Nicolau de Cusa – que dá força animada ao recetor material, para que desde o mundo imaterial das ideias, os arquétipos da luz possam encarnar no teatro “chinês da sombras”, que seguramente seja este mundo: o sonho mayávico dos Mestres indianos... Sendo a voz poética, o canto que resguarda o aroma da primordial flor, aquele único capaz de expressar e transmitir parcialmente a oração que na Terra, realça e realiza o verbo em favor do sublime e belo.

Daí o por que a aprendizagem poética ser mais intuitiva que racional; mais evocadora que afirmativa; mais subliminal e implícita que diáfanamente percetiva. Mais simbolicamente abstrata que concreta. Sendo que sua genialidade reside numa forma de insinuar sem um componente nitidamente perceptivo. Essa voz da flor nos conduz ao caminho que volta (ascensão) e, amplifica a luz do nosso foco emocional, sensorial, evocativo na procura dum ansiado encontro: a união com o sagrado (as “bodas alquímicas” de Christian Rosenkreuz)… Mas sua indicação não traça nosso caminho e, sua guia e por nós mesmos, dentro da sinfónica voz da flor, de algum modo construída.

O sentido do comum (dum determinado imaginário coletivo) num determinado tempo histórico, num determinado espaço, construído: é transcendido pelo significante poético de procurar a verdade (que possa em um determinado contexto translucidar) além da simples aparência (que o quotidiano domina). Além daquilo comummente estabelecido; do pautado socialmente. Em esta subtil mente artística surge a poesia transgressora, sem procurar sê-lo. Achega-se a nossa visão o poema revolucionário, que não precisa aí assumir-se. Abre-se na nossa alma a poesia mística, que na mística seu manto não assenta. E nos desnorteia este sinalizar nenhuma latitude em concreto; nenhuma senda como correta. Daí o poema doer, e a vez nos alegra, nos tomba e levanta. Nos acomoda e incomoda. Nos comanda a mudar o estado imperfeito das coisas, sem nenhuma perfeição ir reclamando.

Aquele que procura dar utilidade política, social, filosófica, cultural ou artística a um poema, está destinado a nunca provar o verdadeiro licor griálico da sua essência. A verdadeira palavra poética envolve, embrulha, disfarça ao seu transmissor (mal chamado poeta) impedindo o egoísta, arrogante sentimento de autor absorver a energia do poema. A identidade do ser, não afeta ao não-ser substância real que é em essência o poema.

O escritor não deve tentar conduzir a voz que emana desde mais adentro da sua alma, ate o mundo da sua psique circundante, a mais das vezes atrelada no seu labirinto lunar, composto de palavras.

Deve o escritor deixar-se pela flor absorver, antes de iniciar o canto perfumado. Permitir o poema dirigir aquele que simplesmente é um humilde canal, conduto, a través do qual a flor no canto se expressa. Não devemos tentar encaminhar esta inspirada composição ate algum objetivo, prezado para nossa existência. Nem referenciar com nossos humanos parâmetros o local onde deve eclodir seu mistério. Mesmo não tentar encaixar a sublime luz do poema em um determinado fim, por muito nobre que este, para nós, seja.

Pela contra é o poema, que uma vez inundando de seu fulgor ao nomeado autor, deverá com sua sonora onda ate o rio fugaz trasportar aquele que escreve. Como folha de choupo, caída na outonal água da providencia, deve o poeta deixar-se levar ate beira que seja, para aí ele descobrir renovado um novo presente. Pois a flor, no contacto inicial sempre nos surpreende… Somente, quando o poeta, se deixa perfumar plenamente por este aroma do eterno o milagre da vida acontece.

Daí o poema como todo transcendental arte, surge desde o aluvial oceano imaterial primordial ate as praias da matéria. Ajudando, aos humanos seres a renovar a sua mais sagrada herança: sua linhagem espiritual, que enraíza aos povos em um determinado local, comunidade e pátria. É através do poema, pois, que podemos dialogar com o mais ancestral e sagrado das nossas almas. E, por meio dele (o poema: a flor e o canto) o Amor concretizar na terra – mãe que tanto amamos e nos ama...

“O Amado é tudo em tudo, o amante, apenas seu véu;

Só o Amado é que vive, o amante é coisa morta.

Quando o amante não sente as esporas do Amor,

Ele é como um pássaro que perdeu as asas (...).

O Amor quer ver seu segredo revelado,

Pois se o espelho não reflete, de que servirá?

Sabes por que teu espelho não reflete?

Porque a ferrugem não foi retirada de sua face.

Fosse ele purificado de toda ferrugem e mácula,

Refletiria o brilho do Sol de Deus”

(Masnavi – Jalaladim Rumi)

Sendo que por meio do poema, da flor e o canto (após longa marcha carregada de dor, de luta, de sacrificada transformação – transmutação) o ser humano se purifica e, o espelho fica limpído para refletir as cores de todas as terras: o Sol de todos os Deuses...