A Sagrada sinfonia universal
Segundo Isaac Lúria, um dos mais eminentes cabalistas de todos os tempos, a Kabbalah é um comentário esotérico da Torá, que incorpora citações de ideias do misticismo judaico, que é imprescindível para uma perfeita compreensão dos textos bíblicos. Ele tem razão. A Kabbalah é isso é muito mais. Ela é um verdadeiro poema da Criação, elaborado quiçá, pelos Mestres das Alma, entre o quais, o maior deles foi o seu codificador Shimon Ben Yochai.
Ela tanto é um poema, que Jorge Luis Borges dela disse tratar-se de uma metáfora do pensamento que pode servir-nos para pensar e compreender como o universo é feito e funciona.
A Kabbalah foi composta a partir de uma velha tradição da cultura religiosa hebraica que combina a técnica da meditação profunda sobre o significado de determinada palavra, acompanhada de uma melodia, pois segundo acreditavam os mestres dessa antiga tradição, a palavra de Deus tem uma vibração especial, uma espécie de melodia cósmica, em cujas entonações a matéria universal vai tomando forma e se organizando, como se fosse uma sagrada sinfonia.
É muito interessante essa intuição, porquanto ela também fazia parte de outras culturas antigas, que viam na vibração sonora das palavras uma forma de comunicação com as esferas mais sutis do universo, onde estariam os alicerces do mundo físico e o estofo da nossa própria vida espiritual. As especulações de Aristóteles, por exemplo, a respeito da música, é um claro exemplo de que essas intuições não eram privilégio dos mestres cabalistas judeus, mas sim compartilhadas pelo Inconsciente Coletivo da humanidade: “É o que verificamos na música sagrada, quando alguém, afetado por melodias que arrebatam a alma, recupera a serenidade, como se estivesse sob efeito de um remédio ou de uma purificação. Essas mesmas emoções têm necessariamente que afetar não só os que se encontram dominados pela piedade e pelo temor, ou por qualquer paixão em geral, mas também os restantes, à medida que se deixarem dominar por esses sentimentos. Ora, em todos eles serão provocados uma determinada purificação e alívio, acompanhados de prazer. De modo similar, também as melodias purificadoras incutem nos homens um contentamento sem mácula. É precisamente com essas harmonias e melodias que os músicos de palco devem competir nos concursos.”[1]
Por aí se vê que Aristóteles, como Platão e outros filósofos gregos, acreditavam na existência de um elo de ligação entre a palavra e o som, e que estes, se combinados de uma forma apropriada, tinham o dom de ligar a mente dos homens com as esferas superiores. É nesse sentido que a Kabbalah foi desenvolvida, acompanhando a tradição hebraica de fazer oração, sempre com uma entonação melódica que retratasse, não o que o pensamento logico que ela expressa, mas o sentimento que o informa.
Não é demais lembrar que a própria Torá foi escrita em versos, para ser lida em voz alta, como um poema com entonação melódica. E o glossário de orações mais importantes e significativos da língua hebraica são exatamente os Salmos, que são cânticos de louvor ao Eterno, como bem salienta Gershon Sholen.[2]
A teoria das cordas
Os mestres cabalistas sempre afirmaram, com ênfase, a possibilidade de a mente humana estar em ligação direta com as esferas superiores, porque ela é alimentada pela energia dos princípios, ou seja, ela é a correspondência psíquica de uma realidade energética superior, que é a nossa alma. E nesse sentido, toda alma é uma centelha de energia emanada de um Centro Único, que é o Criador, para animar a vida sobre a terra. Como energia, ela não se cria, nem se perde, só se transforma e se transmite de um recipiente para outro, justificando assim as intuições tão caras ao misticismo judaico e também à outras tradições religiosas, que se hospedam no conceito de carma e reencarnação.
Corroborando essas intuições, podemos trazer à baila outro argumento, este de origem científica, elaborado pelos estudiosos da física quântica e da astronomia. Esse argumento se refere á chamada Teoria das Cordas. Grosso modo essa teoria diz que no nível mais simples, as partículas fundamentais constituintes da matéria e das interações que elas experimentam não são objetos pontuais, mas fazem parte de pequenas cordas vibrando no espaço-tempo. Diferentes partículas aparecem como diferentes formas de vibração, mas todas estão incluídas na mesma descrição. Acredita-se que a corda fundamental, de onde todas as partículas aparecem como modos vibrantes, seja pequena, de fato, da ordem de 10-33 cm, para justificar a inobservância direta de sua existência. O número 10-33 cm significa a fração 1/1000000000000000000000000000000000 do centímetro. O raio do próton tem 10-13 cm.[3]
Quer dizer: o que essa teoria sugere é que os blocos fundamentais de energia (ondas e partículas) que estão na base de toda a matéria universal não são partículas puntiformes, mas sim assemelham-se à cordas e membranas, e que a energia delas emerge como resultado de suas vibrações, como cordas tencionadas de um instrumento musical.
Essa teoria é nova e só apareceu no século vinte como resultado do desenvolvimento dos estudos sobre a intimidade do núcleo dos átomos e da energia que ele contém.[4] Mas como se pode ver, a intuição de filósofos e taumaturgos já tinham uma noção dessa informação há muitos milhares de anos atrás.
É nesse sentido que vemos uma clara intercessão entre os ensinamentos da Kabbalah e as modernas descobertas da física atômica. É que o Zhoar, o livro básico da tradição cabalista, há mais de dois mil anos vem anunciando que o universo em que vivemos é composto de dez dimensões e que seis delas são compactadas em uma. Essa única dimensão, que compacta seis em sua estrutura é semelhante ao que os físicos nucleares chamam de Teoria das Supercordas.
De acordo com essa teoria o universo é formado por ondas vibratórias oriundas de membranas energéticas que vibram como cordas de um instrumento. Essas vibrações geram ondas que se transformam nas partículas que constituem a matéria universal. Brian Greene um dos mais importantes físicos da atualidade descreve esse fenômeno da seguinte forma:" Assim como os padrões vibracionais das cordas de um violino dão origem a diferentes notas musicais, os diferentes padrões vibracionais de uma corda fundamental dão origem à diferentes mudanças de massa e força. A teoria das supercordas também requer dimensões de espaço extra que precisam ser enroladas até atingirem um tamanho muito pequeno para serem compatíveis com o fato de que nunca as vemos."(5)
Justifica-se, portanto, a visão cabalista e maçônica de que o universo é uma grande sinfonia regida pelo seu Grande Arquiteto. E que todos nós aqui estamos para fazer coro com Ele.
[1]Aristóteles, Política, VIII (1342 a 35- 40).
[2] Sholen- As grandes correntes da mística judaica
[3] REVISTA USP, São Paulo, n.62, p. 200-205, junho/agosto 2004
[4] Abdalla, e. & Casali, a. g. “Cordas, Dimensões e Teoria M”, Scientific American, Brasil, março de 2003. REES, M. Before the Beginning.
(5) O poder da Kabbalah-Ariel Benson- 2015