Comentários de um ateu sobre Deus
Pobre Deus. Ah, sim, tenho sim pena de Deus. Os homens, o ditos, homens inteligentes, sábios homens, são eles que fazem maldade. Deus, se existe, nisso não discuto, se existe, como é possível fazer tanta coisa ruim e dizer que é por Deus. Não é certo, eu acho que não, sair pela rua, por qualquer lugar, inda mais nas cidades, não é certo, ver tanta gente dormir nas calçadas, debaixo de viaduto, inté em beira de rio, dá pra ver gente fazendo dali sua casa.
Pobre Deus, tão falado, tão lembrado, mas, tão pouco compreendido.
Outro dia, um sujeito, forte e temente a Deus, era o que ele falava, estava na televisão. Em seu nome, e repetia sem parar, em seu nome, pedia às pessoas que ali estavam, pedia dinheiro. Era claro que muitas das pessoas que assistiam sua pregação, era claro que muitas das pessoas não tinham dinheiro, estavam alí movidas pela fé, pela genuína fé num Deus que a elas conforta, abraça, acolhe, e o sujeito, sem considerar isso, sem limitar sua arrogância e usar da boa fé das pessoas, o sujeito insistia. Um Deus tão distante, tão ausente das pessoas, tão egóico, era o que àquelas palavras me suscitavam. Ainda que eu possa questionar a existência de Deus, aínda assim, não me soava honesto, nem um pouco assenhorado do espírito de Deus, aquele homem, em sua arrogância e prepotência "divina" jaquitava -se como o ungido por Deus. Atribuir -se ungido por Deus trás em si uma carga divina por si só. Quem é ungido, é escolhido - os Reis absolutistas eram "ungidos" por isso eram Reis - , ser escolhido é ser diretamente abençoado, ou seja, aquele homem está um pouco "acima" dos outros. É como se ele tivesse descido do Sinai com o Decálogo. É um homem que detém, porque ungido, como uma espécie de aval, de permissão especial, para falar em nome de Deus e, em seu nome, admoestar as pessoas ali presentes, repito, em sua fé genuína, e delas tirar o pouco que não tem.
Fé mercantil, Deus mercantil, é nisso que aquele homem transforma sua pregação. Não há honestidade, não há, mínima que seja, compreensão de Deus. Esses homens matam Deus - friso, exista ou não, isso não discuto -, cada vez que usam o púlpito como uma espécie de palanque de leiteiro da fé, noutras palavras: quem fizer a maior oferta se salvará.
Matam Deus todos os dias, eis a realidade, eis a terrível certeza que ao cometerem as maiores atrocidades em nome de um Deus que não chega às pessoas, um Deus inacessível porque esclusivista, mercantil. Matam Deus porque comercializam seu nome. Deus morre nos corações das pessoas porque nesses corações não cabem a compaixão, o solidariedade. Não cabem o estender das mãos desinteressada. Deus morre cada vez que alguém ignora sua compreensão. Pobre Deus.