SÃO PEDRO E O PODER DAS CHAVES

“Disse-lhes Jesus: “E vós, quem dizeis que eu sou?”- Simão Pedro, respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!”– Jesus então lhe disse: “Feliz és, Simão filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue quem te revelou isto. Mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; – Eu te darei as chaves do reino dos céus: Tudo o que ligares na terra, será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.” – Depois ordenou aos seus discípulos que dissessem a ninguém que ele era o Cristo”. (Mateus 16:13 – 20)

Na passagem acima, Jesus aparentemente delega um poder extraordinário a Pedro, a capacidade de autorizar ou desautorizar a entrada de uma pessoa nos céus. A Igreja Católica acredita que os seus sacerdotes também herdaram esse poder, podendo excomungar ou perdoar os pecados de um fiel. Mas será que a Igreja realmente herdou a faculdade de “ligar e desligar” do apóstolo? O que realmente significava essa autoridade apostólica?

Lendo-se o texto na íntegra percebe-se claramente que a pedra sobre a qual Jesus edificaria a sua Igreja era a revelação, isto é, a confissão inspirada por Deus feita por Simão de que o Mestre Jesus é o Cristo. Já que a revelação foi recebida por Simão, o Senhor troca-lhe o nome por Pedro ou pedra (Cefas em Grego). Assim, a rocha não é o homem mais a ideia transmitida por ele e o seu novo nome é apenas o símbolo desse testemunho.

Logo em seguida, Jesus transfere para Pedro a responsabilidade de vetar a entrada nos céus daqueles que ele julgar não merecedores. Essa autoridade, inicialmente colocada exclusivamente nas mãos de Pedro é estendida posteriormente também aos outros discípulos (João 20:19-23).

Disso resulta que, estando a capacidade de perdoar e reter pecados estendida igualmente a todos os companheiros de Pedro, todos os apóstolos também detinham as “chaves do reino dos Céus”. O que nos faz supor que Pedro não exercia uma primazia efetiva sobre os demais.

Isso é constatado por diversas passagens onde Pedro realmente não exercia liderança ativa e Tiago muitas vezes comandava os concílios. Pedro era até repreendido em alguns momentos e em suas epístolas fez questão de igualar-se aos demais companheiros de ideal sem demonstrar primazia ou erigir um trono para si.

Assim sendo, Pedro e os demais discípulos eram os instrumentos para que a pedra fundamental (a revelação de que Jesus era o Cristo) pudesse se perpetuar através da comunhão fraternal entre eles e pela divulgação da Boa Nova.

É preciso esclarecer ainda que essas chaves do Reino dos céus são puramente simbólicas, Jesus utiliza e redefine um termo corrente na cultura judaica baseada em (Isaías 22:15-22). Pedro e os seus companheiros não tinham autoridade e não poderiam verdadeiramente decidir quem vai e quem não vai para o céu, do modo como é entendido pelas religiões tradicionais atualmente como excomunhão e, muito menos os seus continuadores. Teria sido muita imprevidência de Jesus investir pessoas com um poder dessa magnitude, conhecendo como conhecia o coração humano.

Os próprios discípulos, mesmo tendo uma elevada assistência espiritual não eram invulneráveis aos erros, seguindo o próprio coração em muitos momentos e dando margens a conflitos internos na própria comunidade por divergências de ideias.

Então, disseminar um poder desses aos discípulos e às lideranças posteriores, era realmente temerário. Sabendo, como Jesus sabia, que frequentemente os homens colocam os interesses políticos e pessoais acima dos interesses reais da comunidade e do próprio Reino Divino, e isso não seria diferente no Cristianismo. Sem contar que a cultura, os hábitos, as ideias e os preconceitos de cada época influenciam o julgamento que o homem faz sobre seus contemporâneos.

Mas então, o que significava o ato de ligar ou desligar? A chave do reino dos céus era a possibilidade de propagar a mensagem de que Jesus era o Cristo e assim, levar aos homens os conceitos morais inovadores da sua mensagem, tocando-lhes os corações e abrindo-lhes as portas para a renovação interior, pela chave do amor e da compreensão. Desse modo, o reino celestial lhes estava acessível.

Para aqueles que não se modificavam moralmente pela mensagem cristã, estes estavam condenados aos planos inferiores simbolizados no inferno, pelo fechamento automático do acesso aos altos planos celestiais.

Desse modo, a sentença de entrar ou não no Reino dos Céus nada mais era do que constatar aquilo que já existia no coração dos indivíduos, pois os mecanismos de afinidade são os mesmos, tanto no plano físico quanto no ambiente espiritual, situando os seres automaticamente em locais onde encontrarão outras criaturas que se afinam com o seu modo de ser. Toda a questão era interior e não exterior, pela renovação intima e sincera dos indivíduos a Igreja, ou mais propriamente, a mensagem cristã sempre prevaleceria sobre as investidas inferiores: “E as portas do inferno não prevalecerão contra ela”

Assim, toda pessoa que dissemina a mensagem de amor, compreensão, caridade, arrependimento e renovação íntima sincera pregada pelo Cristo é, pela sua ELEVAÇÃO MORAL, legitimo sucessor dos apóstolos e detentor das chaves, independente da agremiação a que pertençam.

Infelizmente, a história nos informa que essa compreensão foi-se degenerando sendo utilizada por séculos para oprimir e submeter os fiéis. Mesmo os reis tremiam diante dos Papas e poucos ousavam questionar o poder temporal da Igreja sob as ameaças de excomunhão.

Desse modo, a tradição das chaves e a sucessão apostólica degeneraram e se perpetuaram, inicialmente para combater os diversos movimentos cristãos contrários à teologia dominante e posteriormente, para servir puramente aos benefícios temporais e imposição de poder, em detrimento das preocupações genuinamente espirituais.