A traição de Judas e a mensagem de paz

Há interpretações dos textos sagrados que afirmam que Judas não traiu Cristo por trinta dinheiros. A “traição” teria sido uma tentativa do inconformado apóstolo de obrigar Cristo a confrontar pela força a dominação do Império Romano. Pela força! E não com a mensagem de paz e compreensão que o Messias trazia à humanidade.

Judas não teria compreendido, pelo menos naquele momento, que a mensagem de Cristo destinava-se a toda a humanidade, não somente aos povos subjugados por Roma. Há quem diga que Cristo foi um enviado de mundos muito mais evoluídos que a Terra, com a missão de plantar entre nós a semente da paz e do amor. E que ele já sabia os suplícios a que seria submetido, assim como sabia que a semente que vinha plantar demoraria milênios para vicejar.

Que sacrifício o de Cristo! Ser preterido em favor de um assaltante, Barrabás, pela população açulada. Ser martirizado, crucificado e negado até pelos ameaçados e assustados seguidores mais próximos. Após milênios continuar incompreendido, ou mesmo deturpado por supostos seguidores, cobiçosos de poder e riquezas. Que usam seu nome para manipular fiéis cegos, transformados num rebanho submisso e explorado. A mensagem de paz e compreensão amiúde tornou-se um logro para ludibriar pessoas carentes de amparo, a fim de explorá-las, de conduzi-las à segregação e à intolerância, muitas vezes com armas nas mãos para enfrentar os verdadeiros cristãos.

Talvez o tempo da inquisição, quando a igreja confundiu-se com o poder tirânico, guerreiro e assassino, e atualmente, quando a teologia da prosperidade vem substituir o Deus celestial pelo deus dinheiro, sejam os dois momentos da história da humanidade em que o cristianismo foi e esteja sendo mais corrompido. O nome de Cristo vem dissimulando o apelo à violência pelas armas e o cultivo à cupidez. A verdadeira mensagem de paz, compreensão e amor parece ter sido esquecida pela maioria dos que se dizem cristãos. Os seguidores dos legítimos ideais cristãos são uma ameaça à consciência destes atrofiados novos “cristãos”. São caluniados, acusados de serem adeptos de doutrinas demoníacas, ou de serem obstáculos à liberdade e à prosperidade.

Ainda assim, há os resistentes. No Brasil, Frei Betto (Carlos Alberto Libânio Christo) ousou cunhar a frase “... todo verdadeiro comunista é um cristão, embora não o saiba, e todo verdadeiro cristão é um comunista, embora não o queira.” Com tais pensamentos, o frei dominicano foi encarcerado e viu seus confrades torturados nas prisões da ditadura militar. A frase, no entanto, é reveladora: o ideal de justiça e igualdade não é uma doutrina demoníaca; pelo contrário, é uma doutrina libertadora. Almeja a justiça social, a distribuição das riquezas, a valorização do trabalho. Tais anelos, que representam um desdobramento da mensagem de compreensão e solidariedade do Cristo, são distorcidos até serem travestidos de subversivos, ameaçadores da ordem e do progresso.

A incompreensão de Judas, ao trair seu Mestre com a intenção de conduzi-lo à guerra, foi substituída pela insanidade dos que transformam a mensagem de paz e compreensão em beligerante segregação. Com armas nas mãos.