VISÃO ESPÍRITA SOBRE AS HERESIAS E A SALVAÇÃO

Uma interpretação ou opinião é considerada herética quando contraria a posição de um sistema teológico dominante. No meio religioso tradicional o chamado herege (a pessoa que comete heresias) é considerado blasfemo e profano.

Entretanto, dificilmente haverá uma doutrina ou religião antiga ou moderna, que não foi considerada herética em determinado período e seus fundadores tidos por hereges. Na maioria das vezes, essas heresias acabaram por se sobrepor, parcial ou totalmente, às crenças que a rejeitavam. Assim também aconteceu com todos os segmentos do Cristianismo atual.

Mas, apesar disso, todas essas ramificações religiosas heréticas ou não, sempre tiveram um ponto em comum: os seus adeptos continuaram reivindicando para si a supremacia interpretativa, ou seja, todos eles acreditam que estão vivos e os demais mortos espiritualmente e fadados à punição eterna, por única e exclusivamente não aceitarem os pontos de vista uns dos outros.

Essa perspectiva cria sectarismos que chegam a momentos de extrema violência, como infelizmente já aconteceu ao longo da história humana e ainda observamos na atualidade em várias partes do mundo.

A Doutrina Espírita tem o seu modo particular de interpretação das escrituras e também existem diferentes opiniões e visões dentro do Movimento Espírita a respeito da própria Doutrina, entretanto, diferentemente dos demais ramos do Cristianismo tradicional e de outras religiões, não considera as diferenças e opiniões doutrinarias como a causa principal para a aprovação ou desaprovação divina, para perdição ou salvação, mas, unicamente a prática do bem como o divisor de águas.

Para o Espiritismo, as obras do bem e o amor ao próximo são a linha real que separa os bodes das ovelhas e não a filiação religiosa ou um sistema interpretativo.

Sobre essa questão, lemos em Obras Póstumas um comentário de Allan Kardec na segunda parte do livro sobre os cismas:

“Se, portanto, uma seita se formar à ilharga do Espiritismo, fundada ou não em seus princípios, de duas uma: ou essa seita estará com a verdade, ou não estará; se não estiver, cairá por si mesma, sob o ascendente da razão e do senso comum, como já sucedeu a tantas outras, através dos séculos; se suas ideias forem acertadas, mesmo que com relação a um único ponto, a Doutrina, que apenas procura o bem e o verdadeiro onde quer que se encontrem, as assimilará, de sorte que, em vez de ser absorvida, absorverá.

Se alguns de seus adeptos vierem a afastar-se, é que se acreditarão capazes de fazer coisa melhor; se realmente fizerem algo melhor, ela se esforçará por fazer outro tanto; se fizerem coisa má, deixará que a façam, certa de que, cedo ou tarde, o bem sobrepuja o mal e o que é verdadeiro predomina sobre o que é falso. Esta a única luta em que se empenhará.

Acrescentemos que a tolerância, fruto da caridade, que constitui a base da Doutrina Espírita, lhe impõe como um dever respeitar todas as crenças. Querendo ser aceita livremente, por convicção, e não por constrangimento, proclamando a liberdade de consciência um direito natural imprescritível, diz: Se tenho razão, todos acabarão por pensar como eu; se estou em erro, acabarei por pensar como os outros. Em virtude destes princípios, não atirando pedras a ninguém, ela nenhum pretexto dará para represálias e deixará aos dissidentes toda a responsabilidade de suas palavras e de seus atos."